Garrincha queria ser detetive!

por REVISTA DO ESPORTE

– Você sempre desejou ser jogador de futebol?

Garrincha não respondeu de pronto à pergunta. Meditou alguns instantes, evocando, talvez, o passado, e disse:

– Não. Eu não queria ser jogador de futebol, quando crescesse. O grande sonho de tôda a minha vida sempre foi me dedicar à carreira policial, como detetive!

Surprêsa geral. Os próprios jogadores que iam passando no momento, pararam e se acercaram de nós para ouvir melhor o que dizia Garrincha. O jogador não se perturbou e prosseguiu:

– Desde pequeno, desde que me entendo por gente, sentia-me atraído pela carreira policial. Quando me falaram num tal de Sherlock Holmes, que tudo descobria, que elucidava os crimes mais misteriosos, aplicando golpes de inteligência que ficaram famosos, eu me empolguei ainda mais! Garôto pobre, só Deus sabe como me virei, pedindo a um e a outro dos meus amigos, lá de Pau Grande, um “gibi”, uma coisa qualquer que trouxesse uma aventura daquele que já se tornara o ídolo de minha imaginação. Consegui, afinal! Não li, não, DEVOREI as páginas da revista que um moleque me emprestou. Tantas vêzes li o “gibi”, que acabei decorando a história tôda. Daquele dia em diante, meti na cabeça que, quando me tornasse adulto, haveria de ser um detetive tão hábil e tão esperto como o Sherlock Holmes. Com doze anos, eu não perdia um filme sequer, cujo enrêdo tivesse uma feição policial. Os mais misteriosos eram justamente os que mais me fascinavam, porque eu ficava horas e horas quebrando a cabeça para solucionar o mistério, Tanto me aprofundei no assunto (eu, embora com um certo sacrifício, comprava sempre diversas revistas do gênero) que acabei conhecendo os processos mais usados pelos grandes detetives para descobrirem as chaves dos crimes. Sinceramente: se tivesse havido, naquela época, algum crime em Pau Grande, eu faria tudo para agir como detetive, junto ao Delegado!

– Passando de um pólo a outro, Garrincha, suas pernas sempre foram assim?

– Sempre. Já nasci assim, com a perna esquerda maior do que a direita.

– Isto nunca o atrapalhou?

– Ao contrário! Tenho a impressão que até me ajudou. Costumo movimentar a bola com a esquerda, tanto nos lances rasteiros como altos, e com a direita fuzilo o arco. Não gosto de finalizar com a esquerda, pois minha pontaria com a direita é cem vêzes melhor!

– Que tal a vida de casado, Garrincha?

– Ótima. Não tem nem comparação com a de solteiro. Aliás, no meu casamento há um detalhe interessante: a primeira namorada que tive em tôda a minha vida, é minha atual espôsa. Eu tinha 19 anos quando conheci Nair. Embora trabalhássemos na mesma fábrica, só fomos nos conhecer na festa realizada anualmente em honra a São Jorge, padroeiro da cidade. Gostei dela, logo que a vi. Sua meiguice, seus cuidados com a minha saúde, tudo isso e mais outras qualidades fizeram com que eu me apaixonasse pela minha espôsa. Casamo-nos. Meu ordenado era de Cr$ 3.150,00, mas ambos trabalhávamos, de modo que levávamos uma vida mais ou menos confortável. Pouco tempo depois, eu já havia treinado várias vêzes sem conseguir nada em diversos clubes aqui do Rio, fui treinar no Botafogo e me contrataram. No alvinegro joguei apenas uma partida no quadro de aspirantes: foi contra o São Cristóvão. Na semana seguinte, num jôgo contra o Bonsucesso, eu já era promovido ao quadro titular.

– O casamento lhe deu sorte, então…

– Muita sorte, mesmo. Sinceramente: sou um homem felicíssimo em minha vida conjugal. Não tenho saudade dos tempos de solteiro!

Fonte: Revista do Esporte, 11.04.1959, nº 5.

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Nota de Pedro Varanda, Colaborador do Mundo Botafogo e Pesquisador de Futebol, sobre a estreia de Garrincha na equipe Aspirante do Botafogo, antes de rumar à equipe principal:

Botafogo 5x0 São Cristóvão

» Gols: Garrincha (2), Ariosto (2) e Orlando Vinhas

» Competição: Campeonato Carioca de Aspirantes

» Data: 12.07.1953

» Local: Estádio General Severiano

» Botafogo: Arízio, Orlando Maia e Floriano; Britto, Ruarinho e Calico; Garrincha, Jayme, Ariosto, Orlando Vinhas e Braguinha.