sábado, 16 de junho de 2012

O ‘sportinguista’ Peyroteo: o melhor goleador do mundo por jogo



por Rui Moura
publicado no Blog História do Futebol, 22.11.2007

[Republicado a pedido de leitores do Mundo Botafogo]

Fernando Baptista Seixas Peyroteo foi um futebolista português, nascido a 10 de Março de 1918 na localidade angolana de Humpata, então província ultramarina de Portugal, e faleceu a 28 de Novembro de 1978. Vindo de Luanda, Peyroteo chegou a Lisboa no Verão de 1937, no navio Niassa, acompanhado da mãe, professora primária que regressava a Lisboa para tratar da saúde. O atleta jogava futebol no Sporting de Luanda e o seu talento começara a aparecer. Peyroteo era esperado por dois dirigentes do Sporting Clube de Portugal, tendo-se comprometido, sob palavra de honra, de que assinaria pelo clube.

Dias depois, ainda em período de férias, Peyroteo foi assediado por um emissário do F. C. Porto que lhe ofereceu muito mais dinheiro, mas Peyroteo declinou o convite porque se havia comprometido verbalmente com o Sporting. Foi este homem que jogou sempre pelo Sporting Clube de Portugal desde a sua chegada a Lisboa, tendo conquistado 1 campeonato da Liga (1937/38), 4 campeonatos nacionais (1940/41, 1943/44, 1946/47, 1947/48 e 1948/49), 3 Taças de Portugal (1940/41, 1945/46 e 1947/48). Jogou 20 vezes na seleção nacional portuguesa e assinalou 14 gols.

Peyroteo foi a primeira grande máquina de fazer gols no futebol português, estreando-se a 12 de Outubro de 1937 no campeonato nacional contra o Benfica, vencido pelo Sporting por 5x3 com dois gols seus. O craque foi o artilheiro em seis das doze épocas que disputou e abandonou o futebol aos 31 anos, no auge do seu desempenho, na temporada de 1948/49 após o jogo Sporting 8-0 Oriental, assinalando três gols e deixando atrás de si um formidável lastro de gols que o coloca, ainda hoje, como o jogador mundial com melhor média em partidas a contar para campeonatos nacionais: 1,68 gols por jogo!

Peyroteo, o homem-gol dos ‘cinco violinos’, era muito possante, possuía um pontapé rápido e fulminante e sabia encontrar a melhor colocação em campo para receber os centros e fazer belos gols sem deixar que a bola tocasse o ‘pelado’. Se do goleiro espanhol Zamora se dizia que defendia penalties com um dedo, do avançado benfiquista Espírito Santo que se elevava mais alto que a trave, de Peyroteo dizia-se que, em certa ocasião, deitara uma baliza abaixo com a violência do remate. A fama correu pela Europa e propostas internacionais para sair do Sporting houve muitas, mas Peyroteo nem recebia os emissários estrangeiros porque considerava indissolúvel a sua ligação ao Sporting.

No entanto, Peyroteo não foi apenas o melhor goleador de todos os tempos por partida; desportista completo, dedicava-se ao basquetebol, à natação, ao remo, à equitação, ao ténis e ao boxe antes de ser necessário jogar futebol em exclusividade. A postura do atleta era sempre tão correta que lhe valeu ter vencido o concurso de «o mais popular desportista português», organizado pelo jornal «O Século» em 1939. Mas isso não incluía levar ofensas para casa: num Benfica-Sporting, em 1945, socou Gaspar Pinto por lhe ter insultado a mãe. Foi a única expulsão da sua vida, e a popularidade do craque permaneceu intocável.

Peyroteo foi o ponto de referência da fabulosa equipa sportinguista dos ‘cinco violinos’ que alardeou a sua classe futebolística nas décadas de 1940 e 1950 e muitas histórias andavam à volta da sua pessoa. Nos bons tempos de Peyroteo existia no Benfica um centro-avante chamado Espírito Santo, um jogador muito bom, num tempo em que a rivalidade Sporting-Benfica atingia o clímax. Então, dizia-se, por brincadeira, que um verdadeiro sportinguista se benzia orando “em nome do pai e do filho e do Peyroteo, porque o Espírito Santo é do Benfica!”

Nesses vinte anos (1940-60) o Sporting conquistou dez dos seus dezoito títulos nacionais e quatro das suas treze Taças de Portugal. Entre 1946/47 e 1953/54 o Sporting venceu sete dos oito campeonatos em disputa, conquistando um tricampeonato e um tetracampeonato (o primeiro da história do campeonato português).

A designação de ‘cinco violinos’, cuja fama internacional era indiscutível, foi atribuída pelo jornalista Tavares da Silva a uma linha avançada formada por Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. Este quinteto jogava como uma orquestra, evidenciando um notável espírito coletivo e eficácia de jogo. Nesses anos o Sporting atingiu 123 gols num campeonato com apenas 26 jornadas (quase cinco gols por jogo…), o que constitui um recorde dificilmente batido.

Na época de 1955/56, apesar de o clube não ser campeão nacional, foi convidado a participar na primeira edição da Taça dos Clubes Campeões Europeus, tal era a sua fama. E foi nesse ano de 1955 que o ‘violino’ José Travassos se tornou o primeiro futebolista português a ser convocado para uma Seleção da Europa. Travassos jogou em Belfast contra a Grã-Bretanha, merecendo referências muito elogiosas da imprensa internacional e passando a ser cognominado por ‘Zé da Europa’.

Porém, foi Peyroteo quem pontificou naquela fabulosa linha avançada. O craque era de tal fibra que, em 25 de Abril de 1948, cerca de um ano antes de abandonar o futebol, entrou em campo em estado febril porque o Sporting precisava de vencer o Benfica, fora de casa, por três gols de diferença, para se tornar bicampeão nacional. Nessa tarde de glória, Peyroteo ganhou quase sozinho o jogo, assinalando os quatro gols que deram ao Sporting a vitória por 4x1, o campeonato nacional e a primeira Taça «O Século», um troféu verdadeiramente monumental. Foi o momento mais emocionante da sua carreira. Em Espanha foi dito que o futebol português ‘peyroteava’!…

O precoce abandono do futebol profissional aos 31 anos de idade aconteceu, mais uma vez, porque Peyroteo se considerava, acima de tudo, um homem honrado. O relato do próprio Peyroteo sobre o assunto é elucidativo: “Fui soldado nas fileiras do desporto nacional e um soldado não foge ao cumprimento do seu dever, seja qual for e em que circunstâncias for! Mas, de hoje em diante, reconheço que sou um soldado velho… Não posso corresponder às exigências de preparação de um jogador de futebol que queira manter-se em forma e ser útil ao seu clube e à modalidade que pratica.” Na verdade, consta que a saída precoce de Peyroteo estava associada, também, à necessidade de obter dinheiro para pagar dívidas de negócios que lhe correram mal e assegurar a manutenção da sua honra. E conseguiu fazê-lo.

O melhor goleador do mundo por jogo apontou 331 gols em 197 jogos (média de 1,68 gols por jogo); durante todo o tempo que esteve ao serviço dos ‘leões’ (1937-1949) realizou 393 jogos e assinalou 635 gols (média de 1,61 gols por jogo); no conjunto, disputou 432 jogos e marcou 693 gols (1,60 gols por jogo).

Nas temporadas em que foi artilheiro do campeonato nacional, Peyroteo estabeleceu notáveis médias de gols por partida:

• 1937/38 - 34 gols / 14 rodadas (2,42)
• 1939/40 - 29 gols / 18 rodadas (1,61)
• 1940/41 - 29 gols / 14 rodadas s (2,07)
• 1945/46 - 37 gols / 22 rodadas (1,68)
• 1946/47 - 43 gols / 26 rodadas (1,65)
• 1948/49 - 40 gols / 26 rodadas (1,53)

Peyroteo estabeleceu muitos outros recordes, dos quais alguns ainda se mantêm atualmente:

• Futebolista português com maior número de gols num só jogo em campeonatos nacionais: 9 gols contra o Leça em 22 de Fevereiro de 1942;
• Futebolista português com maior número de gols consecutivos num só jogo para campeonatos nacionais: 5 gols ao Vitória de Guimarães em 8 de Fevereiro de 1942;
• Futebolista português com melhor média de gols marcados pela Seleção de Portugal: 14 gols em 20 jogos (média de 0,7 por jogo);
• Futebolista português com mais gols marcados ao Benfica: 64 gols em 55 jogos (média de 1,2 por jogo);
• Futebolista português com mais gols marcados ao F. C. Porto: 33 gols em 32 jogos (média de 1,02 por jogo).

Os 43 gols que Peyroteo apontou no campeonato nacional de 1947/48 apenas foram superados, em valor absoluto, por outro sportinguista em 1973/74: o argentino Hector Yazalde que assinalou 46 gols.

O recorde mundial de gols médios por jogo de Peyroteo é medido pelo Ranking IFFHS, reconhecido pela FIFA, segundo o critério de jogos e gols em campeonatos nacionais (exceção aberta aos campeonatos estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo, equiparados a nacionais até 1971):

1º Fernando Peyroteo, português, 1937-1949, 197 jogos, 330 gols – 1,68
2º Josef Bican, austríaco, 1931-1955, 341 jogos, 518 gols – 1,52
3º Imre Schlosser, húngaro, 1905-1928, 318 jogos, 417 gols – 1,31
4º Joseph Bambrick, irlandês, 1926-1938, 264 jogos, 345 gols – 1,30
5º Isidro Lángara, Espanha, 1933-1948, 287 jogos, 336 gols – 1,17
6º Arthur Friedenreich, brasileiro, 1910-1934, 323 jogos, 354 gols – 1,10
7º Gyula Zsengéller, húngaro, 1935-1952, 394 jogos, 416 gols – 1,05
8º James E. McGrory, escocês, 1922-1938, 408 jogos, 410 gols – 1,00
9º József Takács, húngaro, 1920-1940, 355 jogos, 360 gols – 1,00
10º Edson A. Nascimento ‘Pelé’, brasileiro, 1957-1977, 560 jogos, 541 gols – 0,97

Muitos craques do futebol mundial terminaram a sua vida de forma indesejada e Peyroteo não escapou a um destino ingrato. Num jogo de veteranos contra a Espanha, realizado em Barcelona, em 1957, Peyroteo sofreu uma lesão tão grave que teve de ser operado. Mas a intervenção não correu bem e provocou-lhe problemas de circulação para o resto da vida. Quando os problemas circulatórios se agravaram, Peyroteo foi condenado à amputação da perna direita – a perna que tão bem usara para se consagrar como melhor goleador mundial.

Fontes:

5 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado. Gostei da biografia de Peroteyo. Vc poderia, também, fazer uma reportagem sobre os jogadores famosos de Portugal que nasceram nas provincias ultramarinas. Poderia ser uma série. Lembro de Eusébio, Coluna... Veja que o sportiguinsta veio de Luanda.

Ruy Moura disse...

Amigo, proponho publicar sobre três atletas que nasceram nas ex-províncias ultramarinas portuguesas: Peyroteo, Eusébio e Matateu. Isto é, publicaria sobre o maior ídolo de cada um dos três grandes clubes de Lisboa: Sporting, Benfica e Belenenses.

Explico porquê: as biografias estão feitas e neste momento estou em Luanda iniciando um trabalho muito intenso que não me dá espaço suficiente para investir em pesquisas de profundidade. Combinado assim?

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Perfeito.

Edivaldo Seixas disse...

Homem de palavra. Realmente é um Seixas.

Ruy Moura disse...

Bem visto, Edivaldo! Ele era realmente um homem de palavra. Neste mundo neoliberal e globalizado sinto muito essa falta. Embora eu seja da juventude dos Beatles, do maio francês e do abril português, fiz a união desses valores a valores éticos 'eternos' e sinto essa falta, valores que já quando era jovem existiam escassamente...

Abraços Gloriosos!

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