por LUIZ COSTA PEREIRA JÚNIOR
Do latim
causa veio o nosso “coisa”. O espanhol Juan Corominas (Breve Diccionario
Etimológico de la Lengua Castellana, Gredos, 1961) lembra que o termo latino
original para o espanhol cosa era sinônimo de “motivo”, “assunto”, “questão”
até o latim vulgar desenvolver um segundo significado já no século 4º.
Quem explica
a razão da mudança é o brasileiro Antenor Nascentes (Dicionário Etimológico da
Língua Portuguesa, 1932). Ele conta que causa vingou como sinônimo de objetos
ao suplantar no latim clássico o monossilábico res, uma palavra que teria
perdido o trem da história porque não tinha, literalmente, “bastante corpo”,
diz Nascentes. Por fazer volume digno ao que nomeia, causa teria migrado do
sentido “de processo e de razão das coisas” para o que desembocou na forma
“coisa” atual.
No português
do século 13, o termo era grafado pela forma intermediária “coussa” ou “cousa”,
que ainda perdura na boca de algumas gerações. O primeiro registro da coisa sem
u veio no século 16, coysa, lembra Antônio Geraldo da Cunha (Dicionário
Etimológico, Nova Fronteira, 1982). Nos tempos da Inquisição, anota o
Michaellis, “coiseiro” era um livro de apontamentos em que os inquisidores
portugueses marcavam detalhes de seus denunciados.
Gabriel
Perissé, colunista de Língua que já escreveu sobre esse substantivo feminino há
alguns anos, explica que, ao falar, usamos a palavra “coisa” como uma coisa que
substitui todas as palavras. Na ausência da palavra exata, que “ilumina como um
holofote” o ser ou o objeto a ser nomeado, usamos qualquer coisa no lugar, diz
Perissé. É aquela coisa: se funciona, é bom de usar.
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A COISA!
por AUTOR DESCONHECIDO
A palavra
"coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele
tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras
para exprimir uma idéia. Coisas do português.
Gramaticalmente,
"coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser
verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há
"coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu
mandei você coisar?".
Coisar, em
Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as
"coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o
Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as
coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em
Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha.
Em Olinda, o
bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu
estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que
eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de
gente grande, há também o Segura a Coisinha.
Na
literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald
de Andrade escreveu a crônica "O Coisa" em 1943." A Coisa"
é título de romance de Stephen King.
Simone de Beauvoir escreveu "A Força das Coisas", e Michel
Foucault, "As Palavras e as Coisas."
Em Minas
Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de
"a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e
ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".
Devido
lugar: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)". A
garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela
voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de
Jobim e de Vinícius, que sabiam das coisas.
Sampa também
tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa
acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de
Calouros, do Sílvio Santos (que é coisa nossa).
Em 1997, a
NASA lançou a "Missão Mars Pathfinder", enviando um robô para
explorar Marte. O mecanismo foi programado para ser acionado a partir do som de
uma música e a escolhida foi um samba de Jorge Aragão/Almir Guineto/Luis Carlos
da Vila. Assim, o robô da Nasa, foi "acordado" com a música: "Ô
coisinha tão bonitinha do pai...". Lembram?
Coisa não
tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a
Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! "A Coisa" virou
nome de filme de Hollywood, que tinha o "seu Coisa" no recente
Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também
desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!,
Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".
Coisa também
não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira
"coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB. No II
Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas
vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré: "Prepare seu coração / Pras
coisas que eu vou contar", e A Banda, de Chico Buarque: "Pra ver a
banda passar / Cantando coisas de amor". Naquele ano do festival, no
entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda
não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".
Cheio das
coisas. As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se
esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração.
Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o
"rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as
coisas.
Para Maria
Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade afinal, "são
tantas coisinhas miúdas". Já para Beth Carvalho, é de carinho e
intensidade (“ô coisinha tão bonitinha do pai”). "Todas as Coisas e
Eu" é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa...Já
qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da
música "Qualquer Coisa", de Caetano, que canta também: "Alguma
coisa está fora da ordem."
Por essas e
por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada
vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal
coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de
não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente
fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o
salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa
pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está
na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura.
Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai." Coisa nenhuma!
A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor
já está cheio dessas coisas!
Se você
aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa
crítica feroz a esse estado de coisas, no poema "Eu, Etiqueta",
Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa,
coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira
"cousa".
Se as
pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas para serem usadas, por que
então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas?
Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas,
"deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa
parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília
Meireles, uma coisa linda.
Por isso,
faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: - "Amarás a Deus sobre
todas as coisas". Entendeu o espírito da coisa?
3 comentários:
É uma coisa surpreendente! Nunca li uma coisa tão interessante! Não sei o que seria de nós sem a COISA.A COISA tornou- se uma espécie de entidade. A COISA cresceu muito, transformou-se numa coisa independente, com total autonomia e nos fez completamente dependentes dela. Só acho, Ruy , que a COISA deveria estar na etiqueta: COISAS E
LOISAS.Concordas?kkkkk
Beijos
A Rainha prefere a coisa na Coisa, e então não há coisa nenhuma a fazer senão colocar a coisa na Coisa...
Coisa feita. Beijos Gloriosos.
Cada coisa no seu lugar, Ruy.
Se assim não fosse, como encontrar a COISA? Se não fizermos a coisa certa, a COISA pode ficar preta.
Dizer que a COISA pode ficar preta, não é correto politicamente.
O melhor é deixar a COISA como está. Obrigada, GLORIOSO RUY. BEIJOS.
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