Imagem: Reprodução / Facebook
por JULIANA AZEREDO
VAVEL, 19.04.2018
O irreverente jogador do Botafogo levantou duas taças
mundiais com a Seleção Brasileira e 60 jogos sem perder.
“Campeonatinho
mixuruca. Tem nem segundo turno”. Foram com essas
palavras que Manuel Francisco dos Santos, Mané Garrincha, encerrou
a participação na Copa do Mundo de 1958. Seu primeiro título [mundial]
com a seleção Brasileira e os primeiros passos para encantar o mundo com suas –
mágicas – pernas tortas, dribles e a parceria histórica e invicta com Pelé.
Mané participou de três Copas do Mundo, que lhe renderam dois títulos, sendo o
nome da amarelinha em 1962. A camisa 11 sempre foi digna dos grandes craques do
futebol, mas ninguém ficou tão marcado quanto o “Anjo das Pernas Tortas”.
Com 15 irmãos na
família e de origem humilde, em Magé, no Rio de Janeiro, Mané
já despertava interesse dos clubes quando ainda jogava de amador no Esporte
Clube Pau Grande, originário do bairro em que ele residia. Foi levado para
fazer os testes no Botafogo e acabou por ficar no clube
durante, praticamente, toda a sua carreira (95% das partidas, de 1953 a 1965).
Também jogou pelo Corinthians, em 1966, Flamengo (1969)
e Olaria, mas já estava longe do futebol que o apresentou ao mundo.
Pela Seleção
Brasileira, onde jogou de 1957 a 1966, Garrincha não abandonou seu jeito de
jogar irreverente. Fazia o que queria com os adversários estrangeiros, chegava
a “enfileirá-los” com seus dribles, como lembrou Didi em uma
homenagem ao companheiro. “Eu fazia um lançamento e tinha vontade de rir. O
Mané ia passando e deixando os homens de bunda no chão. Em fila,
disciplinadamente", disse.
Copa de 1958: Quem é Mané Garrincha?
Foi durante a Copa de
1958 que o Brasil apresentou ao mundo o garoto de 17 que viria a se
tornar o maior jogador de todos os tempos e o gênio de pernas tortas com
dribles impossíveis de conter, Pelé e Garrincha respectivamente. Além dos dois
jovens, a seleção ainda contava com outros craques como Didi, Nilton
Santos, Djalma Santos e Zito.
No Brasil, com a
televisão presente em poucas cidades e sem alcance mundial, o jeito era
acompanhar a competição pelo rádio ou ir para as ruas ouvir pelos alto-falantes
nas frentes dos jornais. Encantados pelo que a seleção havia feito, um mês
depois, a filmagem dos jogos já antecediam os filmes nos cinemas e, dizem os
registros da época, que algumas pessoas viam cinco ou seis vezes o mesmo filme
só para ver de novo os jogos de 58.
A Copa de 58 foi a
sexta edição da competição mundial e contou com 16 seleções, sendo 12 européias
e 4 americanas (Argentina, Brasil, México e Paraguai). O Brasil caiu no
grupo 4, junto com a União Soviética, Inglaterra e Áustria.
Terminou a fase de grupos em primeiro lugar com 5 pontos, 2 vitórias e 1
empate, contra a Inglaterra.
Foi no terceiro jogo
da Seleção Brasileira, contra a temida, na época, União Soviética que o
técnico Vicente Feola fez duas alterações. Pelé e Garrincha
eram reservas imediatos de Joel e Dida mas, Pelé, recuperado
de uma contusão, acabou por dar lugar a Mazzola. Segundo os jornais da época, a
entrada de Mané só foi decidida na véspera do jogo em um treino secreto. Uma
lenda da época diz que os atletas mais experientes, como Nilton Santos e Didi,
que jogavam no Botafogo, mesmo clube de Mané, lideraram uma “rebelião” para
obrigar Feola a escalar os dois futuros craques.
As mudanças no jogo
contra a potência soviética deram certo e o Brasil venceu por 2 a 0, com dois
gols de Vavá. Naquela vitória, Garrincha foi tão espetacular na partida que
recebeu diversos elogios da imprensa internacional, como “assombroso” e
“mercurial”. Com a classificação para as quartas de final encaminhada, a
seleção do técnico Feola tinha a sua formação ideal. “Eles eram
infernais. Ninguém os conteria. Se você marcasse o Pelé, Garrincha escapava e
vice-versa. Se você marcasse os dois, o Vavá entraria e faria o gol. Eles eram
endemoniados”, disse, uma vez, Just Fontaine, artilheiro da
seleção francesa. O Brasil ainda bateu o retranqueiro País de
Gales por 1 a 0, indo a Semifinal e dando um baile nos Franceses por 5
a 2.
O placar se repetiu
na final contra os donos da casa, Suécia. Vavá e Pelé inspirados fizeram dois
gols cada e a goleada se completou com o quinto gol de Zagallo.
Todos os torcedores, inclusive os suecos, aplaudiram de pé os jogadores
brasileiros e a história de Garrincha que se formava ali. Na seleção do mundo
daquele ano, eleita por jornalistas, preenchia oito cadeiras com Gilmar, Bellini,
De Sordi, Nilton Santos, Didi, Pelé, Vavá e, claro, Garrincha.
Pelé e Garrincha
comemoram o título mundial de 1958, na Suécia (Imagem: FASS)
Copa de 1962: Prazer, eu sou Garrincha
“Garrincha, de que
planeta vienes?” essa era a manchete que estampava o jornal chileno El
Mercúrio durante a Copa do Mundo de 1962. Se Maradona carregou a
Argentina nas costas em 1986, Mané fez muito antes em 62. Com a lesão do camisa
10 brasileiro, no início do torneio, sobrou para o carioca ser Garrincha e ser
Pelé e ir buscar, no Chile, o bicampeonato da Seleção Brasileira.
O Brasil estava no
grupo 3 junto com a Tchecoslováquia, México e Espanha. A amarelinha
terminou em primeiro lugar com 5 pontos (2 vitórias e 1 empate). O único empate
foi logo na segunda partida da competição contra a Tchecoslováquia e teve um
sabor amargo de derrota. A principal estrela do time, Pelé, com 21 anos na
época, se contundiu e ficou fora do restante da competição. Garrincha assumiu a
responsabilidade e virou referência no restante do mundial não só com dribles,
mas jogadas perigosas e gols – foi vice-artilheiro com 6 gols.
Após passar em
primeiro no grupo, o Brasil encontrou a Inglaterra nas quartas de
final. A seleção comandada por Mané venceu por 3 a 1 com direito a um
espetáculo do jogador do Botafogo. Garrincha driblou inúmeros ingleses e foi
responsável por 2 gols, sendo o terceiro de Vavá. Uma das situações inusitadas
daquela Copa aconteceu durante esse jogo: um cão – símbolo do clube de
Garrincha, Botafogo – invadiu o gramado e conseguiu driblar ninguém menos que o
Mané.
Após a Inglaterra, o
Brasil encontrou os donos da casa para decidir quem iria para a final. O Chile
não incomodava e deixou Garrincha abrir dois gols de vantagem ainda no primeiro
tempo e só descontou no final da primeira parte. Ainda sim, na volta do
intervalo, Vavá marcou mais dois gols, enquanto o Chile reverteu um pênalti,
finalizando a partida em 4 a 2 para o Brasil. No entanto, outra situação de
desespero para os brasileiros no final do segundo tempo: Garrincha deu um chute
em um jogador chileno e foi expulso, ficando de fora da final.
O caso de Garrincha
foi para o tribunal da FIFA para analisar a expulsão. No relatório do juiz
peruano, Arturo Yamazaki, constava que ele não havia visto o chute
do jogador brasileiro no adversário. Na partida, os jogadores adversários
alertaram o juiz que consultou um bandeirinha, confirmando a agressão do
brasileiro. No tribunal, o bandeirinha da partida, Esteban Marino,
foi chamado para depor, mas não compareceu. Por falta de provas, a FIFA apenas
advertiu Garrincha, deixando o apto para jogar a final. A decisão foi dada,
inclusive, em um plantão na televisão brasileira. A história foi muito
contestada pela imprensa chilena na época, principalmente pelo sumiço do
bandeirinha, mas ficou apenas como um folclore de Copa do Mundo.
Protagonista no campo
e nos tribunais, Garrincha foi para a final encontrar, mais uma vez, a
Tchecoslováquia. Por ironia do destino ou castigo dos deuses do futebol, Mané,
que não deveria estar em campo, entrou com 38 graus de febre e teve uma atuação
distante das que estava acostumado. O Brasil começou perdendo, mas virou e fez
3 a 1, conquistando a Copa do Mundo de 1962, ou Copa do Mundo de Garrincha.
Naquele ano, o jogador do Botafogo foi Bola de Ouro da Copa do Mundo da FIFA.
Garrincha em uma
disputa de bola com um jogador de Portugal, em 1962 (Imagem: Acervo Estadão)
Copa de 1966: Obrigada, Garrincha.
A seleção brasileira
foi para a Copa de 1966 com um “mix” de gerações: alguns veteranos dos
campeonatos de 1958 e 1962 e algumas novas estrelas que viriam a fazer história
em 70, como Gerson, Tostão e Jairzinho. No entanto, esse
encontro de gerações de craques não foi suficiente para fazer uma boa campanha
em 66 e, de sobra, ainda foi preciso se despedir da maior dupla que o futebol
já viu: Pelé e Mané. Garrincha jogava no Corinthians e já
havia deixado o seu auge para trás.
O Brasil estreou na
Copa com uma vitória por 2 a 0 contra a Bulgária e, como se o destino
trabalhasse a seu favor, os dois gols da partida foram de Garrincha e Pelé, na
última vez em que jogaram juntos com a camisa de sua seleção. O segundo jogo,
Garrincha teve que buscar a responsabilidade mais uma vez já que Pelé estava
contundido e teve, ali, a sua única derrota com a amarelinha contra a Hungria por
3 a 1. No terceiro jogo, Mané foi barrado e Pelé de volta, o Brasil perdeu mais
uma vez, dessa vez para Portugal e se despediu assim do
mundial.
Jornalistas,
torcedores e comissão técnica choravam a eliminação precoce do bicampeão
mundial, mas também a despedida de seu craque e o fim, que já estava próximo,
da sua carreira. O carioca ganhou duas Copas e outros diversos títulos com o
Botafogo e prêmios individuais ao longo da carreira, mas levou, também,
diversos problemas físicos e pessoais, principalmente com a bebida.
Garrincha completou
60 partidas pela Seleção Brasileira com 17 gols. Ganhou duas Copas do Mundo,
três taças Bernardo O’Higgins, três taças Oswaldo Cruz e
um Superclássico das Américas, além de diversos títulos
individuais [e pelo Botafogo] até depois de sua morte. Junto com Pelé, a dupla
teve 93,7% de aproveitamento em campo. Era próximo da perfeição. “Garrincha
foi a maior figura do jogo, a maior figura da Copa do Mundo e, vamos admitir a
verdade: a maior figura do futebol brasileiro desde Pedro Álvares Cabral”,
escreveu Nelson Rodrigues.
Fonte: https://www.vavel.com/br
Sem comentários:
Enviar um comentário