O menino Pedro, Maracanã, 1950
por CESAR OLIVEIRA
Editor de ‘LivrosdeFutebol’
[Nota
do editor do Mundo Botafogo: o meu querido amigo de longa data, Cesar Oliveira,
autorizou-me a republicação do fabuloso texto que se segue. O texto foi escrito
a partir de conversas com o próprio Pedro Lemos, o menino botafoguense do estádio do Maracanã em 1950, enquanto as informações sobre José Medeiros foram coletadas a
partir do portal do Instituto Moreira Salles.]
Qualquer
um que tenha vivido bons momentos sob a lendária marquise do Estádio do
Maracanã, será capaz de se reconhecer no menino Pedro, de cabelos escovinha,
blusão, calças curtas e sapatos de couro com meia. Era o uniforme dos meninos
da classe média.
A
foto em que ele aparece atento a um lance, não deve ter repercutido na ocasião.
Ficou famosa depois, porque clicada por um fotógrafo que se tornou famoso
depois, pelo seu trabalho diferenciado.
Tão
bom, tão rico, que seu acervo de 20 mil negativos foi adquirido pelo Instituto
Moreira Sales, em agosto de 2005. Em 1986, a Funarte realizou no Rio de Janeiro
a mostra retrospectiva “José Medeiros, 50 anos de Fotografia”, que também
transformou em livro.
UM
FOTÓGRAFO DIFERENCIADO
Entre
os 25 e os 40 anos, o piauiense José Araújo de Medeiros integrou a equipe da
revista “O Cruzeiro”, então a maior do país, cujo departamento de fotografia,
chefiado pelo francês Jean Manzon, revolucionava o tratamento dado à imagem na
imprensa nacional.
Dentre
os trabalhos que integram o acervo deixado por Medeiros, destaca-se a cobertura
da derrota da Seleção Brasileira na final da Copa do Mundo de 1950, no
Maracanã, com especial atenção a cenas de arquibancada.
O fotógrafo José de Medeiros
O ENCANTO DE SE RECONHECER
Quando
vi a foto, pela primeira vez, numa exposição sobre a obra de Medeiros na
galeria do Itaú Unibanco, em 2006. E fiquei pensando:
—
Quem será, hoje, este menino?
Anos
depois, revi a foto e resolvi que iria tentar descobrir quem era, por onde
andava, o que fizera da vida, o que viu no Maracanã etc. Escrevi em 2011 para o
“Overmundo” um pedido de ajuda: “Você conhece este garoto?”. E logo para o
portal “Por Dentro da Mídia”
Levou
muito tempo para descobrir. Só agora, em 2018, depois de voltar de vez em
quando ao assunto, consegui contato com Eduardo, o filho do menino, dono da
Melomano Discos, em Maringá.
Disse
a ele que queria conversar com seu pai e os motivos. Eduardo explicou que
gostaria, mas que o pai era reticente. Edu tem o pai como herói e me ajudou
muito a dobrar a resistência inicial do Pedro.
Aos
poucos, respeitosamente e com cuidado.
Pedro botafoguense
FINALMENTE, ELE CEDE
A
família sabia da fotografia. Mas Pedro, o menino que agora está caminhando para
os 80 anos, não queria falar comigo, não queria falar da vida, não queria
lembrar do menino que ele foi. Respeitei, com dor no coração, porque a história
obviamente só poderia ser sensacional.
Voltei
a insistir com o filho. Eduardo, que tem o pai como ídolo, queria que ele
falasse. Perguntei se ele poderia fazer fotografia do “velho”, segurando a
fotografia. Ele diz, às vezes, que não se reconhece. Mas que as duas irmãs
garantem que o menino na foto é ele.
Eduardo
e eu fomos costurando um acordo, aos poucos, cuidadosamente para não melindrar
o menino Pedro, respeitando sua vontade. Até que descobri uma maneira de chegar
no menino: ele é torcedor do Botafogo, o time da Estrela Solitária. E eu já
lancei oito livros sobre o Glorioso, seus ídolos e história. Podia ser um
gancho pro papo. Negociei uma data e liguei para ele.
Me
identifiquei aos poucos. Como interessado em boas histórias do futebol, como
editor de livros desde 2008. Falei do nosso interesse comum pelo Botafogo, e
isso — como numa passe de mágica — abriu as portas para o papo.
QUEM
É PEDRO, O NOSSO MENINO
Pedro
Cezar Gomes Lemos é capixaba, de Cachoeiro do Itapemirim. Mudou com a família
para o Rio de Janeiro e, depois, para Maringá, onde reside até hoje. A caminho
dos 80 anos, que completará em 10 de agosto, curte a tranquila aposentadoria do
Banco do Brasil.
Bem
humorado, ele se declara hoje um boia-fria, "cuidando de uns boizinhos”
numa propriedade que adquiriu na região, a 40Km de Maringá.
Foi
sócio-juvenil do Botafogo, a partir de 1951, com a matrícula nº 1.649. Jogava
algum esporte? — perguntei. "Não, eu gostava de assistir natação, pólo
aquático, atletismo e basquete". Natação, ele praticou no Fluminense.
"Lembra
de Baliza; Gérson e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal: Paraguaio,
Pirillo, Geninho, Otávio e Braguinha?" — ele provoca.
A
resposta — ”O Vasco está procurando eles até hoje...” — provocou-lhe uma
gargalhada.
"Acompanhei
o Botafogo campeão de 1948, era pertinho de casa, eu morava em Copacabana no
Posto 2 e ia ver vários esportes. Mas eu ia ver jogos com meu pai em todos os
estádios: Flamengo, Fluminense, Vasco, Madureira, São Cristóvão...".
Pedro Lemos, atualmente, com a sua meninice ao colo
PEDRO E O MARACANÃ
Ele
lembra de ter visto a final do Sul-Americano em 1949 no Estádio do Vasco da
Gama. O jogo aconteceu no dia 11 de maio e o Brasil goleou o Paraguai por 7x0.
A
primeira vez em que foi ao Maracanã aconteceu na estreia do Estádio, num
Cariocas x Paulistas, em 16 de junho de 1950. Foi Didi quem inaugurou as redes
com um gol de folha-seca.
"Ainda
lembro do estádio em obras, cheio de andaimes e madeiras" — relembra o
nosso menino.
Ele
morava perto do estádio, na Praça Saenz Peña, e foi a pé ao jogo com as irmãs à
final Brasil x Uruguai, em 1950, e lembra com tristeza “o silêncio da saída,
ninguém falava nada, a gente vinha descendo do alto das arquibancadas e era um
silêncio triste”.
Ninguém
esperava uma derrota daquelas, parecia que estramos com a faixa no peito.
E
A COPA DA RÚSSIA?
Estou
acompanhando, as seleções menores fazendo grandes jogos. Mas o futebol mudou
muito.
Só
o que não mudou, Pedro, foi o prazer das boas histórias que o futebol pode nos
proporcionar, também do lado de fora das quatro linhas.
Contactos
do autor: https://www.facebook.com/bibliotecadigitaldofutebolbrasileiro;
@LivrosdeFutebol [Twitter].
12 comentários:
Querido Rui!
Alegria, honra e gratidão por estar aqui no Mundo Botafogo! E de saber que o amor ao Botafogo me permitiu a aproximação que eu queria do nosso menino botafoguense octogenário.
Espero que seus leitores apreciem a história do menino botafoguense que esteve na inauguração do maior estádio do mundo.
Saudações Botafoguenses do seu amigo e admirado,
Cesar Oliveira
Meu queridíssimo Cesar, permita-me partilhar consigo a alegria, a honra e a gratidão de o ter aqui! A nossa 'velha' amizade mostra como o Clubismo é um instrumento sensacional de aproximação de pessoas e de construção de amizades indestrutíveis que se renovam a cada dia que passa!
Teu amigo e admirador, com Gloriosos Abraços.
Que história emocionante, Ruy !
E que trabalho sensacional de pesquisa do teu " velho" amigo.
Um lindo e surpreendente reencontro com o passado. Imagino o que deve ter sido para o " menino Pedro" voltar no tempo e falar de antigas lembranças, ainda tão gloriosamente vivas na sua prodigiosa memória .
Parabéns Ruy pela publicação, pois esse texto jamais poderá ser esquecido. Verdadeiramente emocionante a foto do agora idoso Pedro segurando pelas mãos o menino que foi um dia - menino esse que certamente não morreu e que é o responsável por essa vivacidade que ainda se pode notar nos olhos de um senhor de quase 80 anos.
Lúcia, endereça os parabéns ao Cesar. Eu apenas republiquei uma pesquisa emocionante que o persistente e resiliente Cesar conseguiu trazer à luz do dia com a sua permanente criatividade em busca de histórias magníficas em torno do futebol. É um editor e tanto!
Beijos Gloriosos.
Só aqui mesmo um presente desses. Obrigado.
Só o Botafogo mesmo... A Cesar o que é...
Abraço
Augusto
Parabéns, César Oliveira, por nos presentear com um texto tão comovente, resultado de uma pesquisa gloriosa.
Abraços,
Saudades dos seus comentários, Augusto.
Abraços Gloriosos.
Emocionante! Parabéns ao autor e tambem ao editor pela publicação.
EDSON
Linda história de vida. Parabéns , Cesar Oliveira, pela sensibilidade e curiosidade aguçada, responsável pela pesquisa e o belo texto.
Isabel
Nós agradecemos, Edson!
Abraços Gloriosos!
Grato, Lúcia!
Abração!
Grato, Isabel!
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