quinta-feira, 15 de junho de 2023

A insustentável leveza do futebol brasileiro

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

«Luís Castro viveu um inferno no clube nos primeiros meses desse ano. […] Mas se ele serviu para alguma coisa, foi para mostrar que não é fácil vencer no futebol brasileiro. Muito menos no Botafogo.» – Blog do Mansell.

Gosto de ler o Blog do Mansell e, na generalidade, alinho pelos seus comentários. Todavia, entendi realçar o comentário acima porque não concordo com a ideia e acredito que Mansell poderia ter explorado o caso noutro sentido com uma conclusão bem mais evidente e quiçá mais pertinente.

Cito apenas alguns exemplos de técnicos estrangeiros que conquistaram títulos ou conseguiram resultados significativos desde praticamente o início da sua chegada: Abel Ferreira e Jorge Jesus com inúmeros títulos de topo a nível brasileiro e continental, assim como Jorge Sampaoli e Juan Pablo Vojvoda com resultados de surpreendente qualidade.

E parece que outros também estão agradando, mas mesmo que não agradem o destino não é diferente do praticado pelos dirigentes dos clubes com os treinadores brasileiros: “FORA, FULANO DE TAL!”.

O que eu creio que Mansell poderia ter concluído com vigor, contribuindo para reforçar a necessidade de mudança de visões, estratégias e comportamentos dos dirigentes dos clubes e do próprio ambiente nacional, desde as cúpulas até aos torcedores, são as absurdas decisões de despedir treinadores com poucas semanas após a tomada de posse e até mesmo com apenas 3, 4 ou 5 jogos realizados.

A maior ou menor rapidez de um treinador acertar com um plantel depende muito da qualidade do próprio plantel: Abel e Jesus dispuseram de bons plantéis à partida, mas dispunha o Botafogo, e outros clubes, de plantéis de qualidade para que o treinador pudesse brilhar desde o início (e, ainda assim, com as dificuldades naturais de mudança de país, de cultura e de postura futebolística)?

Quer isto dizer que qualquer treinador estrangeiro necessita de alguma adaptação à cultura e ao futebol do país, e qualquer treinador nacional e estrangeiro necessita de tempo para ajustar as suas ideias ao perfil dos jogadores e às características dos adversários.

Construir de raiz uma nova perspectiva sustentável não se compadece dos apressados: fazer “depressa e bem, não há quem…”

Em consequência, a conclusão que eu retiro das dificuldades encontradas por Castro, desde o quase despedimento ao brilharete de o Botafogo liderar o seu grupo na Copa Sul-Americana e o campeonato brasileiro após ¼ de competição decorrida, além de possuir a melhor defesa, um dos melhores ataques, jogadores e treinador premiados rodada após rodada, é que um treinador precisa de apoio institucional, tempo e compreensão para conjugar todos os ‘astros’ na rota de metas possíveis, desejáveis e realizáveis.

Quem acompanha o Mundo Botafogo regularmente sabe que considero que o futebol brasileiro ainda tem prestígio devido aos seus extraordinários jogadores e que, em geral, os seus dirigentes (confederativos, federativos e de clubes), árbitros, treinadores e mídia desportiva não evidenciam a qualidade exigida pelo futebol moderno e, objetivamente, as suas ações não dispõem de prestígio nem têm beneficiado o futebol brasileiro na sua projeção mundial.

No caso dos treinadores pode-se dizer que também são vítimas, porque além deles, nenhum dos mencionados é despedido ou penalizado seriamente pelos seus comportamentos erráticos e altamente prejudiciais ao futebol brasileiro, sejam eles intencionais ou simplesmente equivocados.

Os treinadores são despedidos das formas mais injustas, permanecem pouco tempo nos clubes e mesmo os vencedores (veja-se o absurdo despedimento do competente Dorival Júnior) não conseguem cimentar a sua presença duradoura.

Não obstante, em minha opinião, o futebol brasileiro nunca teve grandes treinadores (fora poucas exceções) provavelmente porque a qualidade dos jogadores era tal que as táticas e as dinâmicas de jogo tendiam a ser secundarizadas face à arte individual dos jogadores, que agiam praticamente de forma autónoma em campo. E os treinadores habituaram-se a essa facilidade, não se atualizavam suficientemente (e muitos ainda não se atualizam como deviam) e mantiveram-se acomodados sob o seu umbigo em vez de olharem para fora, para o mundo, para o que dele podem absorver a seu favor.

Porém, por outro lado, os treinadores são vítimas de não os deixarem evoluir harmoniosamente, isto é, ou ganham logo ou caem fora numa incompreensão da sua delicada e difícil função.

Os treinadores são despedidos das formas mais injustas, permanecem pouco tempo nos clubes, não têm margem para a construção serena de um projeto global e mesmo os vencedores (veja-se o absurdo despedimento do competente Dorival Júnior) não conseguem cimentar a sua presença.

No que respeita ao pendor crítico relativamente aos treinadores estrangeiros que chegam ao futebol brasileiro, especialmente por parte dos colegas brasileiros como Renato Gaúcho, Vanderlei Luxemburgo, Mano Menezes, até mesmo de Dorival Júnior e tantos outros treinadores brasileiros com certo renome, e mesmo sem renome, verifica-se, por um lado, o temor de os treinadores estrangeiros lhes tomarem lugar e, por outro lado, um certo nacionalismo bacoco num tempo em que as grandes ligas são-no justamente porque o futebol se tornou global e os seus principais dirigentes compreenderam que a circulação de jogadores e treinadores entre países e continentes é altamente favorável à evolução dos clubes.

Tais posições são meramente reativas e não conduzem à proatividade, que é haver grandes treinadores brasileiros que sejam invejados e procurados pelo mundo, algo que não ocorre há muito tempo porque no evoluído futebol europeu os treinadores brasileiros não tiveram sucesso, nem sequer Luxemburgo no galáctico Real Madrid nem Felipe Scolari no campeão Chelsea em tempos mais recentes – isto é, os fantásticos jogadores brasileiros continuam brilhando nos campeonatos europeus e os treinadores brasileiros a serem despedidos extemporaneamente dos clubes brasileiros.

Não se compreender a situação de parente pobre do Brasil em relação ao futebol mundial de clubes, não aceitar que o país foi ultrapassado em toda a linha e não haver políticas para retomar um papel de vanguarda, é aceitar uma espécie de colonização ao estilo de aproveitamento da matéria-prima dos grandes jogadores brasileiros para promover valor acrescentado particularmente ao futebol europeu, é promover a insustentabilidade do futebol brasileiro praticado ao nível de clube.

2 comentários:

Sergio disse...

O texto descreve com precisão o futebol brasileiro, não só o atual, mas em todo seu tempo de vida.
Infelizmente os dirigentes nunca estiveram realmente interessados na qualidade e desenvolvimento do nosso futebol, mas o que ele poderia proporcionar do ponto de vista pessoal e financeiro, e as exceções confirmam a regra. O grande problema do país e que gera grandes problemas em relação não só ao futebol mas a nação de um modo geral, pode ser resumido numa frase bastante famosa no país:" farinha pouca, meu pirão primeiro", retrato fiel da cultura brasileira, infelizmente
ABS e SB!

Ruy Moura disse...

Sobre os dirigentes, Sergio, há várias coisas que faltam ao seu vocabulário: ética, imparcialidade, cooperação, comprometimento, inovação, modernidade, integridade, respeito, transparência...
Abraços Gloriosos.

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