sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Botafogo 2022-2023: exultações e angústias, um traço persistente (I)

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

Todos os botafoguenses sabem que o nosso Clube não é padrão para coisa alguma. É um Clube original tanto nos dramas como nas glórias.

Recuando à sua gênese – e ao quanto a gênese determina tanto do que todos somos – é fácil perceber como tornamos o difícil fácil e o fácil difícil.

Objetivamente, considero há muito tempo que o pensamento estratégico de dirigentes e o modo de gestão emocional das torcidas do Botafogo FR terão que mudar, porque a mudança é a mãe de todas as coisas, sob pena das atitudes, comportamentos e ações não corresponderem aos emocionais anseios de milhões de botafoguenses, porque o nosso Clube ainda não mudou, não se tornou ousado, criativo e racional, que são componentes fundamentais para forjar novas crenças, novas dinâmicas, novas ações de gestão profissionalizadas num mundo futebolístico que mudou radicalmente desde o início do século XXI.

Comecemos por um voo pela nossa história, em estilo voo de águia.

O Club de Regatas Botafogo foi fundado num quadro político de luta entre republicanos e monarquistas, com a curiosidade de ter sido um monarquista a implantar a República (1889), um pouco na sequência de uma inédita Independência (1822) proclamada pelo próprio colonizador. E em 1893, por via da demissão extemporânea do Marechal Deodoro da Fonseca e a não convocação de eleições presidenciais antecipadas – tal como determinava a Constituição de 1891 – ocorreu a Revolta da Armada, que incluía almirantes que tinham dois filhos remadores do Grupo de Regatas Botafogo, fundado em 1891, por Luiz Caldas, líder de um grupo de remadores dissidentes do Clube Guanabarense devido às apostas ilegais.

Luiz Caldas foi preso na sequência da conspiração na qual o seu pai participou e acabou falecendo na prisão. Então, os demais remadores decidiram fundar o Club de Regatas Botafogo em homenagem ao líder desaparecido tragicamente.

Uma década mais tarde, eis que o drama deu lugar à glória quando um grupo de rapazes de 15 anos fundou o Botafogo Football Club, que surpreendentemente fez frente aos ‘homens feitos’ do Fluminense e lhes disputou o título carioca logo em 1907 (oficialmente repartido pelos dois clubes na década de 1990, por decisão da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro).

Porém, logo voltamos ao drama em 1909 quando Euclides da Cunha se dirigiu a casa de Dilermando de Assis para o matar, resgatando assim a sua honra em virtude da esposa, Anna Emília, ter fugido de casa para viver com o amante Dilermando. Porém, o escritor acabou por acertar um tiro em Dinorah de Assis, jogador de futebol do Botafogo FC, e acabou por ser morto em legítima defesa pelo campeão de tiro, Dilermando de Assis, alferes da marinha.

A bala que atingiu Dinorah ficou encravada na sua coluna (e que mais tarde o foi paralisando gradualmente até se suicidar no rio Guaíba), mas, ainda assim, foi campeão carioca em 1910, quando o Botafogo se tornou O Glorioso e regressou à Glória.

Que durou pouco.

No ano seguinte, após um jogo em que o América FC se dispôs a jogar mais pugilismo do que futebol contra o Botafogo, Abelardo de Lamare acabou expulso e suspenso por um ano e os rapazes do Botafogo, por solidariedade com a injustiça decretada ao atleta, excluíram-se do campeonato e iniciaram um longo jejum de títulos até 1930 (se exceptuarmos o campeonato carioca paralelo de 1912), quando tornamos a ser campeões cariocas.

Era o regresso à Glória com a eleição do Grande Presidente Paulo Antônio Azeredo, que nos deu cinco títulos em seis anos.

Após a saída de Paulo Azeredo, passaram-se os anos e nada de títulos, até que o drama reapareceu numa quadra de basquetebol. Jogavam Botafogo FC e CR Botafogo numa partida de basquete pelo campeonato carioca quando o atleta do CRB, Armando Albano, caiu fulminado na quadra. Um verdadeiro drama, que o Botafogo – na sua marcante característica de drama/glória – resolveu meses depois através da fusão do Clube do remo com o Clube do futebol, gerando o BFR, uma fusão que já se discutia anteriormente e na qual Augusto Frederico Schmidt, então presidente do CRB, teve um papel decisivo, com o respaldo de Antônio Mendes de Oliveira Castro, o mítico remador do CR Botafogo, campeão brasileiro em 1902.

Porém, os títulos no futebol continuaram o jejum de campeonatos cariocas por 13 anos (1935-1948), quando Carlito Rocha de tornou um mito devido às suas superstições na Gloriosa campanha vencedora em 1948.

No entanto, após isso, houve um novo jejum de 9 anos até 1957, quando tornamos a ser campeões cariocas, novamente pela mão de Paulo Azeredo, que levou o Glorioso ao seu maior esplendor, seja no futebol (incluindo as vitoriosas campanhas mundiais do Brasil em 1958 e 1962 com linhas de ataque botafoguenses), seja em outras modalidades desportivas, como atletismo, basquetebol, halterofilismo, natação, polo aquático, voleibol, incluindo desportos tão diversos como aeromodelismo, autobol, bridge e tantos outros desportos com títulos ao mais alto nível do País, da América do Sul e até do Mundo.

E depois de Paulo Azeredo, novamente o drama, a venda da sede, o regresso a casa e a ascensão com títulos estaduais, Torneio Rio-São Paulo, campeonato brasileiro, prestigiados torneios internacionais e depois… o século XXI.

Um século de 23 anos com boas conquistas em diversas modalidades, mas nenhum título verdadeiramente expressivo no futebol nacional, quedando-nos por Taças Guanabara, Taças Rio e Campeonato Estaduais, além de dois momentos na Copa Libertadores e uma chegada às semifinais em 2017 pela mão de Jair Ventura, que entendeu o plantel e soube conduzi-lo com eficácia, ao contrário de tantos e tantos treinadores que passaram pelo Botafogo sem deixarem recordação que valesse a pena.

Eis então que o Botafogo começou, na sombra, a organizar a sua venda e, após alguns anos de preparação, John Textor, um investidor bilionário, chegou e adquiriu 90% do Clube – surgindo a SAF Botafogo para o futebol. Tínhamos acabado de ser campeões brasileiros da Série B e regressado à Série A (2021), redobrando-se, no início de 2022, esperanças de resgate do Glorioso passado futebolístico – que desde sempre foi a carro-chefe do Botafogo.

Com John Textor chegaram novas contratações e um treinador escolhido a dedo, Luís Castro, pelos trabalhos desempenhados nas bases do FC Porto e numa carreira internacional que se encontrava em ascensão. Textor respaldou Luís Castro e o Departamento de Futebol na construção de uma equipe competitiva, capaz de se manter na Série A e alcançar um lugar na Copa Sul-americana. Porém, foi melhor do que isso: tendo alcançado os objetivos propostos para o ano de 2022, estivemos a uma vitória de nos classificarmos para a Copa Libertadores, embora tivéssemos percalços pelo caminho, construindo e reconstruindo a equipe por duas vezes e, evidentemente, preparando o futuro para 2023.

Foi um momento de exultação.

Textor e Castro constituíram a parceria vencedora de 2022, e mais ainda em 2023, quando houve muitas pressões sobre Textor para demitir Castro, sobretudo porque o treinador concentrava muito poder nas suas mãos e não delegava, justamente porque sabia que, se delegasse, a luta por poderes poderia estragar o que se estava a construir.

A info que eu tenho é que existia uma galera do dep de futebol incomodada cm a centralização do castro, e por isso o sabotava vazando infos. A mesma coisa aconteceu com o Lage, pra defender a permanência do Caçapa.” – @PedroUmberto97.

Nesse episódio, o treinador garantiu a Textor que fizera do Carioca a pré-época, que os reforços previstos para a janela de transferências em julho seriam decisivos para o sucesso e que assim teria condições para alcançar o objetivo 2023 – a classificação para a Copa Libertadores.

Logo depois, conseguiu mais do que qualquer um de nós esperaria. John Textor e Luís Castro foram os grandes pilares do que parecia ser um novo Botafogo; foram, como no passado, uma parceria à semelhança das que se construíram entre o Presidente Azeredo e os técnicos contratados na década de 1930 e no período de 1957-1963 para mudarem e modernizarem o futebol botafoguense para uma rota vencedora.

Honra lhes seja feita, porque a ingratidão não é uma ação humana virtuosa: da falência financeira em que o Botafogo se encontrava em dezembro de 2021 e da falência técnica que se seguiria ainda em 2022, Textor aportou positivamente a questão financeira e Castro a questão técnica. O Botafogo ressurgia e acabaria por liderar o Brasileirão de 2023 com 13 pontos de vantagem!

Porém, como sempre, o Botafogo não poderia abandonar a célebre frase de Augusto Frederico Schmidt: “o Botafogo tem a vocação do erro”.

Textor e Castro, os grandes pilares do ressurgimento, acabaram por ser – mediante as suas ações e omissões – os principais responsáveis pela queda da equipe, apesar de ter ocorrido a posteriori pelas mãos de outros: responsáveis pelo futebol, treinadores substitutos e até mesmo jogadores.

Essa é uma história complexa que o Mundo Botafogo procurará desvendar na II Parte da análise ao período 2022-2023.

6 comentários:

jornal da grande natal disse...

Parabéns pelo comentário analítico. Eu diria que se trata de um primeiro resumo, sucinto, da historia do clube. Duvido que alguém faria melhor.

Ruy Moura disse...

Foi uma resenha em "voo águia", Vanilson, mas bem elucidativa de uma construção e um desenvolvimento inédito do Botafogo enquanto Clube desportivo.Temos tanta história que ás vezes é quase difícil de acreditar em tudo que aconteceu a este Clube que vai fazer 130 anos em 2024.

Abraços Gloriosos.

Anónimo disse...

Brilhante! Agora vou ler a segunda parte. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Boa leitura, Amigo!
Abraços Gloriosos.

Gil disse...

Grande Rui,

Vou corroborar as palavras do Vanilson; "Duvido que alguém faria melhor."

Essas publicações serão salvas, como outras. São verdadeiras aulas da nossa história e história do país.

Abs e Sds, Botafoguenses

Ruy Moura disse...

Gil, o teu ficheiro já deve estar bem repleto de tanta história botafoguense! (rsrs) Porque a nossa história é grande e nunca terminará! Obrigado pelo simpático comentário.
Abraços Gloriosos.

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