quarta-feira, 26 de junho de 2024

Ermelino Matarazzo: o goleiro arquimilionário do Botafogo (I)

 
Ermelino Matarazzo. Crédito: Internet / Reprodução.

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

Ermelino Matarazzo nasceu em 1926 e faleceu a 23 de novembro de 1988, tendo sido advogado e empresário ítalo-brasileiro, neto do conde Francisco Matarazzo e filho de Francisco Matarazzo Júnior, ex-goleiro do Botafogo como reserva de Osvaldo Alfredo da Silva, o ‘Oswaldo Baliza’.

A família Matarazzo foi uma família nobre de Salerno, Itália, que possuía propriedades voltadas para a economia agrária, usufruindo de uma posição social superior aos demais membros da comunidade em que se inseria. Francisco Matarazzo herdou o património do pai, por sua morte, e poderia ter-se mantido privilegiadamente na comunidade, mas a morte precoce do pai e a situação económica difícil pela qual passava a Itália Meridional fizeram-no optar pela emigração em 1881, aos 27 anos de idade.

Decidiu rumar ao Brasil para reconstruir o património e o prestígio da família, e em fins do século XIX, já em franca ascensão, definia-se como Conde e atribuía muito valor aos títulos nobiliárquicos, mas simultaneamente ostentava a sua qualidade de emigrante que vencera pelo trabalho árduo e se transformara em empresário capitalista.

Paulatinamente, Francisco Matarazzo ergueu um complexo industrial composto por fábricas de óleos, sabão, banha, fiação, tecelagem, malharia, estamparia de tecidos, tinturaria, moinho de trigo, engenho de beneficiação de arroz e armazéns de estocagem, atividades oficialmente definidas pela empresa Francisco Matarazzo & Cia., em 1911, quando passou a sociedade anônima.

Entretanto, Francisco Matarazzo Júnior, um dos filhos do conde Francisco Matarazzo, tornou-se pai de Ermelino Matarazzo, nascido em 1926, já depois do irmão de seu pai, Hermelino Matarazzo, ter falecido jovem num desastre de viação em Itália, em 1920.

Entretanto, numa perspectiva de promoção da empresa no exterior, foi criada, em 1914, a Associação Atlética Matarazzo, vocacionada principalmente para o futebol, sobretudo desde o seu 1º estatuto em 1928, embora também proporcionasse bailes e festivais esportivos e recreativos. Desde aí, a Fábrica e a Associação seguiram crescendo par a par.

O conde Francisco Matarazzo Júnior assumiu a direção da empresa após a morte do seu pai, avô de Ermelino Matarazzo, e a Associação Atlética Matarazzo cresceu imenso, intrinsecamente à empresa, tendo-se tornado um clube importante por volta de 1940 e despertado o interesse dos filhos do Conde Matarazzo Júnior – Ermelino Matarazzo e Eduardo Matarazzo.

Ambos se bateram pelo profissionalismo da Associação nessa década, conseguindo levá-la à disputa do Campeonato Amador da Cidade de São Paulo, organizado pela Federação Paulista de Futebol, e atraindo profissionais à equipe em troca de assistência médica gratuita no Hospital Matarazzo, gratificações pelos jogos e viagens recreativas.

Entretanto, Ermelino Matarazzo começou jogando na posição de goleiro na Associação Amália de Desportos Atléticos, mas em 1943 transferiu-se para o Palmeiras, jogando na equipe juvenil até 1946, tendo então rumado ao Botafogo de Futebol e Regatas em 1947, onde estava Nildo Teixeira de Melo, o ‘Teixeirinha’, considerado o maior jogador de todos os tempos do futebol catarinense, de quem era muito amigo.

Apaixonado por futebol e pelo Botafogo de Futebol e Regatas, Ermelino Matarazzo tinha por objetivo tornar-se jogador de futebol profissional e considerava ter talento para o efeito. Uns diziam que sim, mas outros consideravam que o futuro industrial bem-sucedido estava bem longe de se fixar como atleta amador, quanto mais como profissional.

Todavia, tendo ou não talento futebolístico, a verdade é que Matarazzo dispunha de um sobrenome poderoso e influente e uma conta bancária abundante. E isso foi decisivo para se ‘profissionalizar’, havendo nota da sua família ter tido a honrosa fama de pagar para que Ermelino Matarazzo fosse reserva de Oswaldo Baliza, campeão carioca pelo Botafogo em 1948.

Talvez sem saber, Ermelino tenha sido um pioneiro da mercantilização das equipes/clubes de futebol, inaugurando o que hoje é a influência dos empresários sobre as diretorias e os técnicos de futebol para colocarem a jogar no profissional os atletas de base que representam.

A fortuna, porém, tornava-o suspeito. O torcedor via um Matarazzo, Matarazzo mesmo, filho do Conde, herdeiro das Indústrias Reunidas, e concluía que o Botafogo queria era dar-lhe o golpe do baú.

E era de botar uma pulga atrás da orelha do torcedor do Botafogo a maneira, quase suicida, como os negros do time de baixo, a principiar por Marinho e Orlando Maia, os beques, defendiam a cidadela de Ermelino Matarazzo.

Ermelino Matarazzo estava debaixo dos três paus para defender. Para pegar as bolas dele. Para mostrar que era quíper. Marinho e Orlando Maia faziam tudo o que era humanamente possível para evitar isso. Para que nenhuma bola fosse ao gol de Ermelino Matarazzo. E se a que fosse entrasse?

De quando em quando uma bola passava. Era o grande momento de Ermelino Matarazzo. Atirava-se e abraçava a bola. Marinho e Orlando Maia suspiravam de alívio.

Não é que não confiassem em Ermelino Matarazzo. Bom goleiro ele era. Mas era também um homem marcado pelo dinheiro.

Se cercasse um frango, nem toda a fortuna dos Matarazzos salvaria Ermelino da ira da torcida do Botafogo. Era o que os crioulos do time de baixo queriam evitar a todo o custo.

Também, depois de uma vitória dos reservas, Ermelino Matarazzo abria as portas de seu apartamento da Av. Atlântica para comemorar. Só convidava os companheiros dele, os jogadores do segundo time. (...)

Muito cobrão do time de cima daria tudo para ir a uma recepção no apartamento de Ermelino Matarazzo. Champagne francesa correndo como de uma cascata. Os garçons indo e vindo, adivinhando os pensamentos dos convivas.

Marinho e Orlando Maia como figuras de proa. Embaixadores de um país da África cujo nome seria indelicado perguntar.

E Ermelino Matarazzo tranquilo, grande senhor, como se em cada jogo do time de baixo do Botafogo não arriscasse a vida ou coisa mais preciosa.

Era a segurança do rico? Não, porque ele sabia que o dinheiro não o deixaria nunca, por melhor que pegasse, jogar no time de cima. Era mais a vontade de viver perigosamente...” (Mário Filho, 1964: 158).

***

Fontes (das partes I e II):

A Nação. Em Itajaí antigo arqueiro do Botafogo e hoje conceituado industrial: Ermelino Matarazzo. Santa Catarina. 08.06.1968

Antunes, Fátima (1992). Futebol de Fábrica em São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo.

Filho, Mário (1964): O Negro no Futebol Brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Portais: emjornal.com; pt.wikipedia.org; terceirotempo.uol.com.br

2 comentários:

Sergio disse...

Essas histórias envolvendo o Botafogo são sempre muito interessantes, realmente é um clube diferente dos demais, talvez por esta razão o torcedor do Botafogo de um modo geral seja um apaixonado pelo clube. E em termos de histórias, e segundo o saudoso Roberto Porto, o Botafogo é o clube com maior presença na literatura sobre o futebol brasileiro. E o mundo Botafogo sempre nos proporcionando essas histórias incríveis, das quais nunca pude suspeitar. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Estava programada não para ontem, mas como não desprogramei, saiu automaticamente, e então vou publicar a 2ª parte amanhã.

Eu acredito que em todo o Brasil nenhum clube tenha mais histórias incríveis do que o Botafogo. A riqueza é enorme, e um Clube não é constituído apenas resultados, mas de história. E ter história rica não é para todos.

Abraços Gloriosos.

Neném Prancha: a história de uma vida (I)

Fonte e autoria desconhecida / Reprodução Internet. « O pavilhão alvi-negro não tremulou a meio-pau. Com os jogadores de férias e o Mara...