por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
Ermelino Matarazzo nasceu em 1926 e faleceu a 23 de
novembro de 1988, tendo sido advogado e empresário ítalo-brasileiro, neto do
conde Francisco Matarazzo e filho de Francisco Matarazzo Júnior, ex-goleiro do
Botafogo como reserva de Osvaldo Alfredo da Silva, o ‘Oswaldo Baliza’.
A família Matarazzo foi uma família nobre de Salerno,
Itália, que possuía propriedades voltadas para a economia agrária, usufruindo
de uma posição social superior aos demais membros da comunidade em que se
inseria. Francisco Matarazzo herdou o património do pai, por sua morte, e
poderia ter-se mantido privilegiadamente na comunidade, mas a morte precoce do
pai e a situação económica difícil pela qual passava a Itália Meridional
fizeram-no optar pela emigração em 1881, aos 27 anos de idade.
Decidiu rumar ao Brasil para reconstruir o património e o
prestígio da família, e em fins do século XIX, já em franca ascensão,
definia-se como Conde e atribuía muito valor aos títulos nobiliárquicos, mas
simultaneamente ostentava a sua qualidade de emigrante que vencera pelo
trabalho árduo e se transformara em empresário capitalista.
Paulatinamente, Francisco Matarazzo ergueu um complexo
industrial composto por fábricas de óleos, sabão, banha, fiação, tecelagem,
malharia, estamparia de tecidos, tinturaria, moinho de trigo, engenho de
beneficiação de arroz e armazéns de estocagem, atividades oficialmente
definidas pela empresa Francisco Matarazzo & Cia., em 1911, quando passou a
sociedade anônima.
Entretanto, Francisco Matarazzo Júnior, um dos filhos do
conde Francisco Matarazzo, tornou-se pai de Ermelino Matarazzo, nascido em
1926, já depois do irmão de seu pai, Hermelino Matarazzo, ter falecido jovem
num desastre de viação em Itália, em 1920.
Entretanto, numa perspectiva de promoção da empresa no
exterior, foi criada, em 1914, a Associação Atlética Matarazzo, vocacionada
principalmente para o futebol, sobretudo desde o seu 1º estatuto em 1928,
embora também proporcionasse bailes e festivais esportivos e recreativos. Desde
aí, a Fábrica e a Associação seguiram crescendo par a par.
O conde Francisco Matarazzo Júnior assumiu a direção da
empresa após a morte do seu pai, avô de Ermelino Matarazzo, e a Associação
Atlética Matarazzo cresceu imenso, intrinsecamente à empresa, tendo-se tornado
um clube importante por volta de 1940 e despertado o interesse dos filhos do
Conde Matarazzo Júnior – Ermelino Matarazzo e Eduardo Matarazzo.
Ambos se bateram pelo profissionalismo da Associação
nessa década, conseguindo levá-la à disputa do Campeonato Amador da Cidade de
São Paulo, organizado pela Federação Paulista de Futebol, e atraindo
profissionais à equipe em troca de assistência médica gratuita no Hospital
Matarazzo, gratificações pelos jogos e viagens recreativas.
Entretanto, Ermelino Matarazzo começou jogando na posição
de goleiro na Associação Amália de Desportos Atléticos, mas em 1943
transferiu-se para o Palmeiras, jogando na equipe juvenil até 1946, tendo então
rumado ao Botafogo de Futebol e Regatas em 1947, onde estava Nildo Teixeira de
Melo, o ‘Teixeirinha’, considerado o maior jogador de todos os tempos do
futebol catarinense, de quem era muito amigo.
Apaixonado por futebol e pelo Botafogo de Futebol e
Regatas, Ermelino Matarazzo tinha por objetivo tornar-se jogador de futebol profissional
e considerava ter talento para o efeito. Uns diziam que sim, mas outros
consideravam que o futuro industrial bem-sucedido estava bem longe de se fixar
como atleta amador, quanto mais como profissional.
Todavia, tendo ou não talento futebolístico, a verdade é
que Matarazzo dispunha de um sobrenome poderoso e influente e uma conta
bancária abundante. E isso foi decisivo para se ‘profissionalizar’, havendo
nota da sua família ter tido a honrosa fama de pagar para que Ermelino
Matarazzo fosse reserva de Oswaldo Baliza, campeão carioca pelo Botafogo em
1948.
Talvez sem saber, Ermelino tenha sido um pioneiro da
mercantilização das equipes/clubes de futebol, inaugurando o que hoje é a
influência dos empresários sobre as diretorias e os técnicos de futebol para
colocarem a jogar no profissional os atletas de base que representam.
“A fortuna, porém,
tornava-o suspeito. O torcedor via um Matarazzo, Matarazzo mesmo, filho do
Conde, herdeiro das Indústrias Reunidas, e concluía que o Botafogo queria era
dar-lhe o golpe do baú.
E era de botar uma pulga atrás da orelha do
torcedor do Botafogo a maneira, quase suicida, como os negros do time de baixo,
a principiar por Marinho e Orlando Maia, os beques, defendiam a cidadela de
Ermelino Matarazzo.
Ermelino Matarazzo estava debaixo dos três
paus para defender. Para pegar as bolas dele. Para mostrar que era quíper.
Marinho e Orlando Maia faziam tudo o que era humanamente possível para evitar
isso. Para que nenhuma bola fosse ao gol de Ermelino Matarazzo. E se a que
fosse entrasse?
De quando em quando uma bola passava. Era o
grande momento de Ermelino Matarazzo. Atirava-se e abraçava a bola. Marinho e
Orlando Maia suspiravam de alívio.
Não é que não confiassem em Ermelino
Matarazzo. Bom goleiro ele era. Mas era também um homem marcado pelo dinheiro.
Se cercasse um frango, nem toda a fortuna dos
Matarazzos salvaria Ermelino da ira da torcida do Botafogo. Era o que os
crioulos do time de baixo queriam evitar a todo o custo.
Também, depois de uma vitória dos reservas,
Ermelino Matarazzo abria as portas de seu apartamento da Av. Atlântica para
comemorar. Só convidava os companheiros dele, os jogadores do segundo time. (...)
Muito cobrão do time de cima daria tudo para
ir a uma recepção no apartamento de Ermelino Matarazzo. Champagne francesa
correndo como de uma cascata. Os garçons indo e vindo, adivinhando os
pensamentos dos convivas.
Marinho e Orlando Maia como figuras de proa.
Embaixadores de um país da África cujo nome seria indelicado perguntar.
E Ermelino Matarazzo tranquilo, grande
senhor, como se em cada jogo do time de baixo do Botafogo não arriscasse a vida
ou coisa mais preciosa.
Era a segurança do rico? Não, porque ele
sabia que o dinheiro não o deixaria nunca, por melhor que pegasse, jogar no
time de cima. Era mais a vontade de viver perigosamente...” (Mário Filho, 1964: 158).
***
Fontes (das partes I e II):
A Nação. Em Itajaí antigo arqueiro do Botafogo e hoje
conceituado industrial: Ermelino Matarazzo. Santa Catarina. 08.06.1968
Antunes, Fátima (1992). Futebol de Fábrica em São Paulo. Dissertação de Mestrado.
Universidade de São Paulo.
Filho, Mário (1964): O
Negro no Futebol Brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Portais: emjornal.com; pt.wikipedia.org; terceirotempo.uol.com.br
2 comentários:
Essas histórias envolvendo o Botafogo são sempre muito interessantes, realmente é um clube diferente dos demais, talvez por esta razão o torcedor do Botafogo de um modo geral seja um apaixonado pelo clube. E em termos de histórias, e segundo o saudoso Roberto Porto, o Botafogo é o clube com maior presença na literatura sobre o futebol brasileiro. E o mundo Botafogo sempre nos proporcionando essas histórias incríveis, das quais nunca pude suspeitar. Abs e SB!
Estava programada não para ontem, mas como não desprogramei, saiu automaticamente, e então vou publicar a 2ª parte amanhã.
Eu acredito que em todo o Brasil nenhum clube tenha mais histórias incríveis do que o Botafogo. A riqueza é enorme, e um Clube não é constituído apenas resultados, mas de história. E ter história rica não é para todos.
Abraços Gloriosos.
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