quarta-feira, 4 de abril de 2012

Que medo do Botafogo!

A propósito do texto de Luiz Sergio Cunha, publicado ontem e intitulado ‘De chapéu de coco, colete, bengala e polainas’, que evidencia um clube e um time irreconhecíveis, fiquei a cogitar sobre a frase notável que escreveu: “na hora em que a bola corre, nosso adversário tem que saber o tamanho da encrenca que vai ter ao nos encarar”.

Então, vasculhei a bibliografia do meu arquivo à procura de um Botafogo não conservador nem previsível, de um Botafogo atrevido e capaz de criar uma enorme encrenca a quem tivesse que o encarar em campo.

Eu poderia escolher o Botafogo de Nilo e Carvalho Leite, tetracampeão da década de 1930; ou o Botafogo de Heleno de Freitas, Paraguaio e Moraes, da década de 1940, que venceu o ‘Expresso Vitória’; ou o Botafogo de Nilton Santos, Garrincha, Didi e Quarentinha da década de 1950, que culminou com o bicampeonato mundial do Brasil; ou a Selefogo de Gérson, Jairzinho, Paulo César Caju e Roberto Miranda, da famosíssima década de 1960.

Mas eu queria ser mais ambicioso, queria um texto verdadeiramente revelador da nossa essência, verdadeiramente capaz de mostrar a todos nós quem somos desde o início do futebol – um texto que revelasse um Botafogo criador de grandes encrencas para os seus adversários.

Conhecemos um texto fantástico do torcedor fluminense Mário Filho, que nos nomeia como ‘Grande de Espanha’, um ousado Botafogo de capa-e-espada. Mas eu queria um testemunho ainda mais demonstrativo, algo ainda mais profundo, algo vindo da alma de um torcedor adversário que tivesse vivido o início dos tempos’.

Encontrei.

Eis um artigo de 1928 relembrando a 1ª vitória do Botafogo sobre o Fluminense, por 4x2, em 1907, que valeu o 1º título de campeão carioca ao Glorioso (nove décadas depois). Foi assinado por um colunista/torcedor que assistiu aos primeiros campeonatos cariocas de futebol, um torcedor do nosso grande rival à época – um torcedor do Fluminense.

Jornal ‘O Sport’, cronista de ‘Água e Mar’, 23-1-1928.

“Era em 1907. Eu era garoto e torcia o meu pedaço pelo grêmio das treis cores. O Fluminense era o campeão da cidade. Conquistara êste título no ano anterior. O Botafogo – Deus meu! – que medo eu tinha do Botafogo! No turno, o Fluminense conseguira sobrepujá-lo por 3x0, mas, naquela tarde de agosto, em que se disputava o returno, havia como um receio em tudo. O campeão temia. Nomes de jogadores perfeitos enchiam de pavor os adeptos do grêmio da rua Guanabara: - Antonio Luiz Werneck, Gilbert Hime, Canto, Octavio Werneck e, sobretudo, um terrível nome de guerra: – Flávio Ramos.

Os mais valentes apaixonados do grêmio tricolôr tinham confiança que o Fluminense viesse a confirmar o título. É que na falange das treis côres havia, também, nomes de respeito: - os irmãos Etchegaray, Buchan, Costa Santos e Edwin Cox. Devia ser uma luta tremenda.

Quanta emoção no primeiro tempo. O Fluminense começou vencendo, pois que duas bolas foram balançar as rêdes de Alberto Werneck. Parte da assistência delirou. O Fluminense continuava leader. Mas, ainda na primeira fase, o Botafogo obteve o seu primeiro tento. Foi formidável a reação. O campo era um delírio, ouvindo-se os hinos da atualidade das duas grandes sociedades esportivas.

Depois, a segunda fase. Outro goal para o Botafogo: o jogo estava empatado por 2x2.

Eu sentia um calafrio em cada ataque dos alvinegros. Súbito, vi o Flávio Ramos com a bola; não mais olhei; ouvi, apenas, a ovação estrondosa. O grêmio alvi-negro alcançara vantágem.

O Fluminense reagiu em vão, pois que nada poude obter. Nos últimos minutos, Flávio, que então me parecia um demónio, vazou pela quarta vez o retângulo de Waterman, o terrível e ágil arqueiro do quadro fluminense. O Botafogo venceu por 4x2.”

[PS: solicita-se que alguém faça chegar o texto de 1928 ao Conselho Deliberativo do Botafogo de Futebol e Regatas, a fim de ser decretada, o mais rapidamente possível, a extinção do Botafogo atual e o regresso ao Botafogo que faz medo aos adversários!]

16 comentários:

Gil disse...

Rui,

Sabes que textos como esses me emocionam e as lágrimas, teimosas, brotam.
Esse é o nosso Botafogo! O atual Botafogo é o Botafogo da subserviência, omissão, mediocridade e incompetência. Até quando a nossa Gloriosa história conseguirá manter ou renovar os pequenos torcedores?
Não falo sobre o aumento das dividas ou possíveis outras mazelas, pois o que conheço é o divulgado pela imprensa.
Amigo, infelizmente, o Conselho Deliberativo, sócios proprietários, beneméritos e grandes beneméritos ajoelham-se diante da atual situação e dirigentes. A maior corrente política existente no clube bate palma e acredita na atual gestão. Demonstram não possuir ou temem assumir compromissos e mudanças.
Repito que não vivo o dia a dia do clube, mas juro que não consigo entender como (todos) permitem a falência da nossa história, auto-estima. Atualmente servimos e somos motivo de chacotas para todos os “co-irmãos”.

Abs e Sds, Botafoguenses!!!

luiz sergio cunha disse...

GRANDE RUI,

primeiro quero lhe agradecer, pois como se diz aqui embaixo da linha do equador, vira e mexe e o amigo me coloca em evidência.
estou realmente decepcionado, pois vivenciei alguns daqueles botafogo que você relacionou e ia para o maracanã, não para ver o nosso time vencer, mas de quanto venceria.
uma postura vencedora é muito importante, mesmo porque a sorte sempre se apaixona pelo ousado e jamais pelo reticente e essa postura reticente tem nos coloca como desprezado e aí a bola do herrera, bate na trave e volta.
fossemos ousados, com a sorte conosco, no mínimo platonicamente flertando, a bola teria batido na trave e entrado.
ou o amigo pensa de onde vem essa recorrente perdas de gols que vivenciamos em todas as partidas?
eu fico pensando e acho que a história nos aponta a atitude, ao relembrar a derradeira estrofe de dalton em seu discurso para robespierre.

"para isso nos é necessário audácia, ainda audácia, sempre audácia."

abraços,

LSCUNHA

Ruy Moura disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ruy Moura disse...

Sei que a lágrima apareceria, Gil. Lembrei-me de ti quando publiquei o artigo.

Esta gente de hoje não faz ideia o que eram os clubes há 80, 70, 60 anos atrás. A maioria tinha honra, seguiam princípios. Hoje não existe nem uma coisa nem outra nos clubes: sejam dirigentes, atletas e até mesmo a maioria dos torcedores.

O modo como as torcidas se gozam umas às outras, sem nenhum respeito a valores, é absolutamente lamentável. Do que sei em relação ao que li sobre os anos 1910, 20, 30, 40, 50, a rivalidade era saudável, a zoação tinha nível.

É triste ver o que acontece hoje com os clubes, com os dirigentes, com os atletas, com os torcedores. Mudaram para pior.

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Amigo LSCunha, concordo inteiramente. Onde não há audácia não há arte, não há alegria, não há competência, não mora a Glória.

É por causa da audácia somada à audácia com mais audácia sempre, que o lema do blogue é OUSAR CRIAR, OUSAR VENCER!

Abraços Gloriosos!

Lorismario disse...

Uma pergunta para dois botafoguenses, LSC e RMD. Quem deverá vir primeiro no futebol é a audácia ou a competencia? Ou seria o somatório das duas qualidades? Loris
PS. Este Botafogo apos 1971 só me tras saudade. Loris

Ruy Moura disse...

Loris, digamos que prefiro a galinha com o ovo dentro dela.

Abraços Gloriosos!

Anónimo disse...

Do RN. Detalhe: em 1907 fazia "apenas" três anos que o Botafogo FC fora fundado e um triênio depois já metia medo.

PS. No campeonato de 1906, o primeiro do Rio, o Fogão decidiu com o mesmo Flu, se não estou enganado.

Ruy Moura disse...

Foi isso mesmo, amigo do RN. Com a agravante de que se tratava dos 'garotos' do Botafogo contra os 'homens feitos' do Fluminense. Assim talvez se perceba bem melhor porque é que o Internacional faltou ao último jogo contra nós inexplicavelmente e permitiu ao Fluminense enrolar o título de 1907 até à década de 1990...

Abraços Gloriosos!

luiz sergio cunha disse...

LORIS,

literalmente predfiro galinha assada e ovos cozidos.

falando sério, só é audacioso quem é competente, ou seja a competência é premissa ada audácia.

abraços,

LSCUNHA

Lewis Kharms disse...

Rui, ainda não assisti ao filme, mas imagino que esse texto do cronista tricolor seja mais emocionante e mais botafoguense que o filme do vascaíno José Henrique Fonseca.

Saudações botafoguenses!

Ruy Moura disse...

Não sei avaliar sobre o filme, Luiz. Quem viu diz que é bom. Que é Botafogo. Mas realmente não creio que seja melhor do que o texto do cronista tricolor, especialmente quando revela o espantoso e pressentido medo que tinha pelo Botafogo.

Abraços Gloriosos!

Émerson disse...

Rui e amigos,
Até quando os sócios-proprietários deixarão ocorrer o que vem ocorrendo com o nosso Glorioso?

Ruy Moura disse...

Acho que vai demorar muito, Émerson. Já foram feitas as diligências políticas 'apropriadas' para os 'barões' do clube apoiarem a situação.

Só outra eleição pode resolver isto.

Abraços Gloriosos!

José Gonçalves disse...

TEXTO M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O,
A-R-R-E-P-I-A-D-O-R,
FAZER O QUE NÉ, QUEM TEM HISTÓRIA NÃO CRIA ESTÓRIAS...
G-L-O-R-I-O-S-O.

Aliás, acerca das torcidas, na final de 1957, houve um diretor do Flu que desdenhou do Fogão e do Vasco e Fla que jogaram no sábado. No Domingo, uma enorme bandeira da Girafa rubro negra estava ao lado de uma famosa corneta vascaína torcendo pelo Glorioso, o resultado todos sabemos, foi a apresentação para o país do que o mundo veria no ano seguinte na Copa.
José Gonçalves.

Ruy Moura disse...

Muito bem, José Gonçalves! Foi realmente inetressante ver três torcidas unidas contra a arrogância tricolor de toda uma semana que terminou com uma estrondosa goleada do Botafogo e talvez o mais importante jogo na vida de Paulinho Valentim e João Saldanha.

O prenúncio de 1958 foi realmente profético nesse dia.

Abraços Gloriosos!

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