sábado, 12 de dezembro de 2015

Réquiem para um botafoguense

por LUCAS FRÓES
Jornalista, sobrinho querido de Silvio Fróes, o botafoguense de fato até dormindo

A voz emulando um tom infantil, para dizer os maiores impropérios, transformava absurdos em comédia. O Rio de Janeiro é a extensão da Bahia e vice-versa. O pior detrator é aquele que conhece bem sua terra, porque é justamente o que mais gosta de falar mal.

– É tudo filho de puta!

O vocabulário bem particular não deixava dúvidas.

– Nem com banqueta e três-oitão!

O bordão era sobre alguém muito teimoso, que não larga o osso de jeito nenhum. Desbocado desse jeito, vai gostar de ser apresentado a Hermes & Renato.

“Realmente, é minha cara. Gostei muito, principalmente dos diálogos”.

O negacionismo risonho lhe obliterava os cinco sentidos ante a violência carioca. Ele nunca via porrérima nenhuma. Se algo aconteceu no bairro, não é porrérima nenhuma. E se os disparos foram na sua própria rua, também não foi porrérima nenhuma.

Pronto, Tio Silvinho virou o Tio Porrérima.

Mas não o confundam com as Tias. Ele parece até que viu todo mundo sair do armário. Diverte-se explicando que Fulano é tia, que Beltrano também é tia e que Sicrano, esse então, é tiésima. E ainda tem aquela bicha tão antiga que já não é nem tia, nem avó. É Bisa.

Viva Clóvis Bornay! Viva Cauby Peixoto! Viva Padre Pinto!

Para fazer valer a longevidade da família é preciso alguma parcimônia. Ele agradece, mas não quer que interfiram na plena posse dos seus sentidos hedonísticos.

– O médico disse que pode tudo, só não pode respirar.

Respirar até pode, só não deve beber, fumar e torcer para o Botafogo. Mas suas roupas e seu telefone celular exalam cheiro de fumaça, como se também fumassem junto com ele.

É um amante da vida! Barravento, Modern Sound, Braseiro, Jobí ou qualquer boteco em que se possa beber um chopp encostado no balcão. A cerveja, insiste, não faz mal.

– É o meu hidratante.

Poucas pessoas cuidaram tão bem da hidratação! Seja qual for a estação do ano, hidratar é preciso.

Tampinha da Guanabara, Filósofo de Bolso, Dustin Hoffman de Copacabana.
Ninguém cresce nunca! Quase sete décadas de experiência não amenizam a ansiedade de debutante. Não pode esperar um segundo, o que dirá até amanhã. Fala pelos cotovelos, escreve pelas cartas e pelos bilhetes deixados de madrugada.

“Maluf foi preso. Beijos.”

Pena que a novidade não é mais atual.

Piloto de carrinho de rolimã na Ladeira dos Aflitos, torcedor de Fórmula 1 até o último domingo. Pior para Rubinho, que mereceu ter a pronúncia do nome ironicamente alterada, por conta das pataquadas na pista. Pena que a tevê não fazia a mesma tradução das conversas pelo rádio entre piloto e equipe.

– Rubino, seu filho de puta, a Ferrari vai pagar o conserto do carro com um cheque de seu pai!

Pelouro, apelido de craque requisitado na época da Cidade da Bahia em preto-e-branco. Branco e preto como o seu Alvinegro da estrela solitária.

Há certas coisas que só acontecem ao Botafogo, diz a antiga máxima de Carlito Rocha, o mítico ex-presidente do clube, que não desgrudava do cachorro Biriba. O Botafogo é um time que já entra em campo vestido de zebra. É fácil ganhar uma aposta dos botafoguenses, eles quase nunca riem por último. Nessa hora, estão mais acostumados ao chororô. Pelo telefone, atirando para todos os lados, é melhor mudar de assunto.

– Lula quer levar o Pão de Açúcar pra São Bernardo do Campo!

O exagero cômico e a blague contra os paulistas são muito anteriores ao nouveau antipetismo.

Em 1968, a trincheira era outra e o perigo iminente. Era preciso estar atento e forte. A banqueta e o três-oitão não eram só metáfora. Se safou pulando o muro da UFRJ, antiga Universidade do Brasil, enquanto os estudantes que não tiveram a mesma sorte foram levados ao campo do Botafogo e espancados pela escória dos belenguins, em um conhecido episódio dos Anos de Chumbo, estopim para a Sexta-Feira Sangrenta do dia seguinte.

Justo no campo do Botafogo! Há coisas que só aconteciam em 1968.

– Andar com esses livros naquela época era pior do que ser pego com cocaína hoje em dia.

Livros escritos por um grande, e hoje lamentavelmente esquecido, “comunista” baiano.

De lá para cá, muita farsa e tragédia. Seis a zero pra um lado, seis a zero pro outro, além de um 6x1 de lambuja; Maurício tirando o Botafogo da fila, com um empurrãozinho em Leonardo; Túlio, o artilheiro comediante, marcando gol impedido. E ainda Loco Abreu fazendo a camisa alvinegra virar celeste, além de Seedorf jogando a saideira.

Sepultado com a bandeira do Botafogo, no dia em que o time voltou para a 1a. divisão, os três dias de luto que o clube decretou, em homenagem a Sandra Moreyra, coincidiram de também lhe servirem. Há coisas que só acontecem aos botafoguenses.

Morrer dormindo é a melhor morte, quem vai não sofre nada. Quem fica tem a tarefa e o alento de lembrar. Mas para fazer jus ao que ele sempre foi, o ideal seria que morresse falando. Se bem que, pra quem falava até enquanto dormia, sonhando em alto e bom som, talvez esse tenha sido o desfecho ideal.

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