Jaime Cubero nasceu em Jundiaí, em São Paulo, a 5 de Abril de
1926 e faleceu em São Paulo a 20 de maio de
1998. Foi um intelectual, jornalista, pedagogo e militante brasileiro ligado ao movimento anarquista. Ainda
em sua adolescência fundou, com a ajuda de amigos, o Centro Juvenil de Estudos
Sociais. Participou de inúmeras atividades (palestras, cursos, debates, peças
de teatro) em centros culturais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ativo militante,
simpatizante do Anarquismo, manteve uma linha crítica ao Estado Novo de Getúlio
Vargas e à ditadura militar no Brasil e ao autoritarismo dos partidos políticos
brasileiros e dos marxistas. [Fonte: Wikipédia]
Esta
publicação retrata excertos do depoimento de Jaime Cubero, anarquista louco por
futebol, concedida a Antônio José Romera Valverde, entre 5 e 9 de maio de 1989,
no Centro de Cultura Social, em São Paulo.
"O
anarquismo é uma utopia positiva." – Jaime
Cubero.
Naquela época [1935], havia uma
pobreza tão grande, a gente lutava com tanta dificuldade, que os alunos não
podiam comprar quase nada. Muitos não tinham calçados, outros não tinham
uniformes e a Secretaria de Ensino Estadual fez uma determinação: a partir de
certa data, todos os alunos deveriam usar uniforme. Calça branca e paletó azul.
Era uma pobreza brutal. O tempo ia passando e eu não conseguia adquirir o
uniforme. Lembro-me que as minhas tias de Jundiaí me deram a calça branca, que
usei durante os três anos de curso - a mesma calça. Já o paletó era de saco de
farinha tingido de anil. Minha irmã, que tinha doze anos e já costurava, fez o
paletó para mim. No entanto, muitos não conseguiam de jeito nenhum o tal
uniforme. Então, o diretor lançou um desafio: a primeira sala de aula que
conseguisse se apresentar inteirinha uniformizada ganharia um dia de folga e
uma bola para jogar. Aquilo para nós foi um estímulo enorme, pois eu passava
todas as minhas poucas horas de folga jogando futebol na rua.
De novo, nosso professor mostrou sua face mais generosa e
compreensiva. Disse: "Bom, é uma competição e é ruim a gente estar
brigando com os outros, pois alguns vão perder, seria bom que todos pudessem
vir uniformizados, mas nós formamos uma pequena comunidade...". Me lembro
bem das palavras dele. "Somos uma classe, podemos perder porque tem aqui
pessoas que não podem comprar de jeito nenhum até o dia marcado ou mesmo mandar
tingir uma... Vamos fazer um esforço e cada um vai dar um tantinho que puder
para comprar a roupa deles, mesmo se for para a gente não jogar bola, mas
somente para mostrarmos o nosso esforço comum, nossa luta". Foi assim, e
cada um deu vinte réis.
A solidariedade era muito marcante entre nós. Cheguei em
cada e contei essa história. Os recursos em casa ficavam com minha avó, aquela
coisa de medir os tostõezinhos. Digo isso de uma forma simbólica, mas não
estava muito longe da realidade de dividir um ovo em três. Minha avó fazia
aquelas tortillas de ovo e cortava em pedacinhos, que não correspondiam a um
ovo por pessoa. Era uma pequena multidão o conjunto de todos os irmãos na hora
da alimentação. Fizemos uma espécie de conselho e me deram a moedinha. Para
mim, foi uma vitória junto com a classe poder concorrer e acabamos ganhando. E
fomos jogar futebol. De novo o professor foi magnânimo, conseguiu que o diretor
dispensasse também a outra sala que não tinha conseguido uniforme para todos os
alunos. Foi uma boa experiência e aprendi o que pode a solidariedade... Aquele
professor tinha mesmo um espírito libertário. Demoro nesse aspecto porque
realmente teve uma grande influência na minha vida.
Ainda menino, com onze anos, eu chegava a ir até a porta
do Colégio, ficava rondando, morrendo de vontade de entrar, sofria quando via
as crianças entrando. Voltava para casa, procurava um livro para ler. Minha avó
tinha o hábito de ler romance e comprava uns, tipo folhetim, que vinham como
encarte, um por semana. Nós líamos para ela, que não lia português, embora
entendesse corretamente. Tinham coisas curiosas naquele tempo. Por exemplo, os
horários. Marcava de jogar bola com a meninada na rua e estava lá na hora
marcada. Tinha também o horário de ler o folhetim para minha avó e, às vezes,
coincidiam. Então, eu lia atropeladamente para poder chegar a tempo ao jogo,
mas ela me obrigava a ler de novo, pausadamente. Claro, perdia o jogo. (…)
Quando acabava de ler um livro, como não havia outro de
imediato para ler, relia aquele mesmo. Outras vezes, tinha que reler como
castigo por alguma desobediência. Uma vez fiquei na rua até tarde, num racha de
bola. Como tinha passado a hora do jantar, fiquei de castigo por umas duas
semanas, sem sair, só lendo. O racha não acabava nunca, era na base do doze
vira e vinte e quatro acaba, só que não acabava nunca. Jogávamos sob o luar,
que era fantástico. Quando chegava em casa, era aquela surra porque todos já
tinham jantado. (…)
Quando comecei a participar do movimento anarquista,
entrei em contato com militantes que não tiveram nenhuma escolaridade regular,
mas que demonstravam muito saber e conhecimento. (…) O anarquismo não pressupõe a conquista do
poder pelo poder, simplesmente, nem deseja os privilégios ou a conquista de
bem-estar só para alguns poucos. O anarquismo é contrário aos padrões morais da
sociedade de consumo.
O norte do anarquismo repousa em fundamentos puramente
éticos e morais, porque o anarquista sente, simplesmente, prazer em ser digno.
É a atitude ética que ele coloca em face da justiça, da eqüidade, da dignidade
humana, da elevação e superação do homem pelo homem.
Leia o
depoimento completo em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000200013
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