por RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo
Lívia Gonçalves Magalhães publicou, em 2004, o livro ‘Histórias do Futebol’ (ISBN: 978-85-63443-01-4), recorrendo a dada altura a uma entrevista de Garrincha, claramente referenciada aos finais da década de 1950 e inícios da década de 1960, que “a grande justificativa para se estar jogando um bom futebol concentra-se na fala do técnico Feola ao recomendar que os atletas jogassem o futebol que sabiam jogar, ou seja, associa-se a uma ideia de liberdade de movimentos e estratégias que acabaria por fazer do Brasil um país bem sucedido no esporte.” (p. 164)
O livro é muito interessante, porque permite-nos – ao contrário da sua narrativa num momento de euforia devido ao pentacampeonato – especular sobre uma inversão de perspectivas, isto é, criar um novo ângulo epistemológico de visão crítica sustentando que os títulos mundiais do Brasil não foram conquistados com base em suportes predominantemente estruturais, designadamente estratégias, táticas ou modelos de jogo criados no âmbito das funções dos técnicos, mas sobretudo na arte funcional dos jogadores.
Em minha opinião, de Vicente Feola a Aymoré Moreira, de Carlos Alberto Parreira a Luiz Felipe Scolari, os treinadores não se prepararam realmente a rigor para fazerem a diferença, preferindo a comodidade de assentar os seus trunfos na extraordinária arte dos jogadores brasileiros – num tempo sublime de Pelé, Garrincha, Didi, Amarildo, Jairzinho, Gérson, Romário, Ronaldo, Rivaldo, Kaká, Ronaldinho Gaúcho… E quando todos os grandes futebolistas começaram a emigrar para a Europa, regressando ao país apenas no final de carreira, a pobreza técnica dos treinadores nacionais conheceu cada vez com mais vigor a luz do dia porque nem essa forte emigração estimulou o desenvolvimento de novos conceitos e estratégias em substituição da perda da arte futebolística – mas, antes, a reforçar a lacuna existente devido à própria matéria prima de trabalho diminuir de qualidade.
A arte era tão imensurável que os futebolistas de outrora praticamente conseguiam grandes conquistas sem grande influência dos técnicos. Porém, desde o início do novo século, o futebol mundial mudou radicalmente e o técnico possui atualmente um papel fundamental, passando pelas suas mãos todos os assuntos de preparação da equipe, seja de natureza técnica, disciplinar, física, ética, incluindo comportamento social, força mental e vida pessoal fora das quatro linhas de modo a que a componente privada não prejudique a componente profissional. Ora, os treinadores brasileiros não se prepararam para tais exigências do futebol moderno.
A bem da verdade, e salvo raríssimas excepções, o país não teve técnicos de linha mundial, de tal modo que todos os campeonatos europeus estão recheados de futebolistas brasileiros mas os clubes não têm nas suas fileiras técnicos brasileiros.
O fenômeno da emigração dos futebolistas para o exterior conhece agora o fenômeno inverso da imigração de treinadores estrangeiros fixando-se em território brasileiro. Atlético Mineiro, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Flamengo, Fortaleza, Palmeiras e Santos têm como treinadores quatro portugueses, três argentinos e um paraguaio, representando 40% dos treinadores da Série A. Um futuro desejável seria o futebol brasileiro mesclar bons treinadores nacionais e estrangeiros de modo a manter-se aberto às inovações e à mudança, retomando a glória perdida.
Num momento em que, cansados do mais do mesmo, numa rotação fútil de treinadores com poucas qualidades, os clubes se abriram de modo mais sistemático a técnicos externos – batendo o recorde de treinadores estrangeiros em simultâneo orientando clubes da Série A –, chegou-se ao tempo limite para uma mudança radical.
O
tempo axial de se criar uma verdadeira Escola de Treinadores!
2 comentários:
O interessante: muitos ex-jogadores se transformaram em treinadores. Será que só serviam dentro de campo? Atleta aposentados foram campeões mundiais: Aymore Moreira (goleiro botafoguense), em 62, e Zagallo, 70. Fica a dica. Apesar do texto interessante.
Compreendo a observação, mas esse parece-me ser um dos problemas da queda internacional dos treinadores nacionais. Nos últimos 20 anos a produção de craques brasileiros diminuiu consideravelmente e, simultaneamente, os treinadores perderam prestígio, porque não conseguiram superar a perda de atletas fabulosos, isto é, as grandes conquistas parece que não tinham grande influência dos treinadores. Ademais, se não todos, praticamente todos foram jogadores e passaram a treinadores de repente sem a preparação necessária de que falo no texto. Um excelente treinador pode não ter sido jogador, ou se o foi fê-lo por pouco tempo. Há muitos casos desses de sucesso pelo mundo.
De certo modo sou suspeitoao falar do assunto, porque desde sempre considerei fulcral o treinador. Não concebo uma equipe com um amontoado de craques e sem boa orientação do treinador. O craque é fundamental, mas a orientação dos treinadores é fulcral. Já vi títulos incrivelmente ganhos por equipes inferiores contra equipes de topo cuja diferença foi o treinador. Eu penso sempre apartir da gestão para o campo: um bom presidente; boa equipe de direção; bom departamento de futebol; boa comissão técnica; e tudo isso é definitivo para se criar um ambiente que atrai jogadores e aumenta o sucesso.
Há muitos anis que se fala publicamente da falta de qualidade dos treinadores. Agora, quase espontanemente, chegaram outros treinadores. É bom para que tanto os dirigentes nacionais e os treinadores 'acordem' para o problema e lancem mãos à obra por uma escola de treinadores que saibam atualizar-se neste mundo de futebol altamente competitivo.
Abraços Gloriosos.
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