por RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo
Sempre tive muita dificuldade em comentar, jogo após jogo, os mesmos erros, jamais emendados semana a semana, mês a mês, ano a ano. Apesar de serem tão claros… Eu não sou especialista em futebol – até sou fã de várias outras modalidades esportivas – e a minha especialidade é outra, mas raciocino, relaciono ocorrências presentes com acontecimentos passados, pressinto os caminhos a que certos processos conduzem, etc. Não é preciso ser ‘bruxo’ para se perceber certas coisas. Basta uma boa dose de inteligência, de bom senso e de equilíbrio emocional para conseguirmos desenhar certos futuros de curto prazo que se afiguram à nossa frente.
Peço ao leitor, se tiver tempo, que releia os últimos comentários que produzi sobre os jogos contra o Fortaleza, o América, o Coritiba e o Goiás, nos quais só ganhamos um jogo (com muita sorte no final), e vejam as minhas críticas ao funcionamento da equipe quando ainda muitos de nós se deslumbrava com o ‘novo’ Botafogo.
Nessas críticas está lá tudo, incluindo o desfecho do jogo de ontem. Em primeiro lugar falta-nos equipe. Contrataram-se jogadores aos retalhos, nunca em função de um modelo de jogo, mas sim em função de estarem disponíveis no mercado e sem custos. E o que teve mais custo apresentava diversos problemas, tendo o Palmeiras negociado inteligentemente a sua venda logo que foi possível. Em suma, os reforços vieram de todo o lado mundo, com jogadores que já não jogavam há um tempo ou habituados a esquemas de jogo muito diversos. Textor investiu o mínimo possível, bem à moda do modelo Tio Patinhas – ganhar muito investindo pouco.
Não se podia pedir muito face ao nosso passado recente, mas a torcida – carenciada de sucessos – embandeirou em arco. Na sorte dos principiantes, alguns resultados começaram aparecendo, mas o progresso jogo a jogo era escasso. Não se pode pedir milagres à comissão técnica, mas o tempo de treino disponível teria sido suficiente para se fazer várias coisas: afinar o coletivo ao nível de passes, treinar o posicionamento das marcações e os desarmes, articular variações de flanco, montar esquemas de contra ataque rápido mais vertical, inovar em jogadas ensaiadas, treinar escanteios e cobranças de falta, melhorar o péssimo jogo aéreo da equipe e… treinar a concentração durante o jogo mesmo sendo treino! Sobretudo estudar as características dos jogadores e as suas preferências de posicionamento e movimentação e criar um modelo à medida, quer para potenciar os pontos fortes quer para mitigar os pontos fracos.
Espanta-me que Luís Castro (LC) tenha dito que prefere mais jogos para rodar a equipe do que dispor de um tempo semanal de treino, quando se sabe que grandes treinadores do mundo escalam em função do que os jogadores rendem no treino, e não por serem mais craques ou menos craques. E, sobretudo, porque se queixa de não ter feito pré temporada de treinos e, afinal, aspira a mais jogos e menos treino.
Em suma, as opções têm sido outras no que respeita às observações que fiz. E com algumas opções erradas, em minha opinião. Por exemplo, LC trouxe um modelo de jogo centrado na posse de bola, mas temos ficado por uma posse de bola inócua, uma posse de bola desacompanhada de uma ação dinâmica, rápida e objetiva, uma posse de bola exercida como fim e não como meio.
Algum padrão de jogo foi dado, mas a obsessão pela posse de bola, independentemente do adversário, tem sido um equívoco difícil de ultrapassar e criou apenas uma equipe ‘enceradeira’ – designação que eu já referira na análise à derrota com o Goiás. Na final da Liga dos Campeões defrontaram-se aqueles que considero os dois melhores treinadores mundiais da atualidade: Jurgen Klopp e Carlo Ancelotti. A equipe de Klopp sempre fiel a uma identidade futebolística possessiva e agressiva com muita posse de bola; a equipe de Ancelotti fiel a um modelo contingencial que explora todos os pontos susceptíveis de criar vantagem mediante avanços e recuos estratégicos a cada momento, e tendo em consideração as características do adversário.
Ora, a equipe do Botafogo é frágil e não consegue acompanhar o modelo de jogo imposto por LC, que por muito bom que pudesse ser, não tem protagonistas capazes de o desempenhar. Repare-se que a vitória que catapultou a torcida para uma grande esperança foi a que se conseguiu contra o Flamengo. E veja-se que aí o Botafogo recuou, sofreu, superou-se e venceu com oportunismo. Ontem, jogando contra o Palmeiras, que talvez esteja a produzir o melhor futebol do país, a opção foi jogar de peito aberto, e o resultado viu-se.
LC não abdicou de entrar com o seu eterno esquema de 4x3x3 não tendo uma equipe com protagonistas para isso. Até inventou o Saravia como atacante, lateral que eu jamais escalaria na nossa equipe devido aos múltiplos erros já cometidos. Num momento ainda sem reforços não é lógico que LC queira impor o seu modelo de jogo. Lógico seria adoptar o modelo de jogo contingencial adequado a cada partida, até que venham reforços, escolhidos por si, e que, então, pudessem assumir gradualmente uma identidade desejável, possível e realista.
Confesso que os meus temores eram tantos que ontem só me liguei ao jogo aos 20’. E, claro, a coisa já ia em 2x0. Antes do jogo escrevi no whatsapp que mantenho com amigos de longa data: “Pelo menos dois equívocos na equipe de hoje: Saravia e o eterno 4x3x3 do LC. Deve ser para atacar ferozmente a melhor defesa do campeonato”. Um dos amigos achou que não iríamos de 4x3x3 porque isso significaria colocar o Saravia a centroavante. Ao que retruquei: “O Saravia será centroavante no lugar de Erison, com problemas físicos. É a lógica multifuncional do LC a carburar. Pode é entupir o carburador.” – e com o Saravia avançado no campo entupiu mesmo!
E durante o jogo fui observando: “As equipes do LC marcam e tomam muitos gols. Por enquanto dispõe-se a tomar mais do que fazer. Eu não disse que a escalação e a tática estavam erradas? O que se sabia pré-jogo apontava para uma solução rápida do Palmeiras.” Ou:
“O Botafogo não tem dinâmica, não tem graça, há 4 jogos que não evolui um milímetro. Fiz essas críticas antecipadas nas análises que publiquei no MB. Se o LC não muda, e começo a duvidar que mude, vai direto de regresso aos Emirados… Ele disse que fechar-se na defesa e explorar o contra-ataque era fácil, mas isso não daria identidade de equipe. Pois acho que devia fazê-lo, explorando os erros contínuos das equipes brasileiras e pensar na identidade quando tiver reforços. Mas não vai fazê-lo. Custa-lhe recuar estrategicamente e embolar o meio campo. Não larga o seu eterno 4x3x3. E o esperto do Abel sabia isso…” Ou:
“Temo isso [que o Textor banque a permanência dele] e temo que o despeça, porque em qualquer caso os prejudicados somos nós nos atrasando na reconstrução. Bom mesmo era ele saber adaptar-se a esta fase sem reforços. O Abel é bicampeão sul-americano adaptando-se às circunstâncias, e nem por isso a equipe ficou sem padrão. Tem padrão e é flexível.”
Certamente os botafoguenses reconhecem que este não é ano para títulos e que a proposta é de reconstrução e de médio prazo, mas é necessário que se vejam progressos a cada jogo mediante abordagens inteligentes e processos objetivos.
Em suma, o LC é um indivíduo muito ético, transparente e culto, e treinador honesto, mas também com alguma dose de ingenuidade, não tendo percebido completamente o contexto do futebol brasileiro e, sobretudo, que a ‘barca’ que tem em mãos não cola com as suas propostas ofensivas que exigem como recurso fundamental outro perfil de jogadores. Se for capaz de se adaptar à conjuntura atual, poderá ainda ter sucesso nesta corrida de médio prazo após contratações capazes (e não apenas remendos) porque o seu ideário futebolístico é promissor e de futebol bonito, mas isso é se sobreviver a julho…
FICHA TÉCNICA
Botafogo
0x4 Palmeiras
» Gols: Rony, aos 10' e 32’, Gustavo Scarpa, aos 17', e Wesley,
aos 86’
»
Competição: Campeonato Brasileiro
» Local: Allianz Parque, em São Paulo (SP)
» Data: 09.06.2022
» Árbitro: Anderson Daronco (RS); Assistentes: Auxiliares: Rafael da Silva
Alves (RS) e Michael Stanislau (RS); VAR: Emerson
de Almeida Ferreira (MG)
»
Público: 33.431 pagantes
» Renda: R$ 2.094.253,17
»
Disciplina: cartão amarelo – Saravia (Botafogo) e Piquerez (Palmeiras)
»
Botafogo: Gatito Fernández; Daniel Borges, Kanu, Cuesta e Hugo; Luís Oyama (Del
Piage), Tchê Tchê (Kayque) e Lucas Fernandes (Chay); Saravia, Victor Sá e
Vinícius Lopes. Técnico: Luís
Castro.
» Palmeiras: Weverton; Marcos Rocha, Luan, Murilo e Piquerez; Danilo (Fabinho), Zé Rafael e Gustavo Scarpa (Atuesta); Dudu (Breno Lopes), Gabriel Veron (Rafael Navarro) e Rony (Wesley). Técnico: Abel Ferreira.
8 comentários:
Comentário perfeito sem necessidade de retoque, descreveu com exatidão o momento atual do Botafogo.
A impressão que eu tenho é que o Luís Castro que tem minha admiração como pessoa, é que ele não tinha a ideia total da completa falta de estrutura do clube, sem um centro de treinamento e outros graves problemas, Além de não ter tido a exata noção do elenco. Por isso logo nas primeiras entrevistas aventou a hipótese de sua demissão caso não conseguisse bons resultados, salientando que o tempo no futebol depende dos bons resultados.
De fato o elenco do Botafogo é muito deficiente para não dizer muito fraco e os reforços, principalmente os daqui estão sendo uma decepção total, apostas que não estão dando certo.
Cuesta é péssimo nas bolas aéreas e não é de hoje, aliás bolas alçadas sobre a área tem sido um grave problema para o time. O Saravia é uma avenida, marca muito mal e quando avança nunca efetivo. Tchê Tchê e Patrick de Paula andam em campo, erram passes e jogam sem compromisso. Os que vieram de fora apenas dois jogaram ontem, o Vitor Sá e o Lucas Fernandes, esse em minha opinião foi o menos ruim em campo. O resto do elenco não tem estofo para a série A, não para jogar nesse sistema, e isso é responsabilidade do treinador.
Acho que com esse elenco que além de fraco tem pouca inteligência futebolística, pois são incapazes de perceber o que está ocorrendo dentro de campo. Ontem por exemplo não perceberam o que o Palmeiras estava fazendo e não teve ninguém em campo para corrigir. Eu acho que esse tipo de coisa não é só responsabilidade do treinador, pois sou de um tempo em que os jogadores percebiam o que estava acontecendo dentro de campo. Hoje esses jogadores não tomam atitude, esperam o "professor" .
Acho que qualquer sistema empregado será ruim, pois os jogadores conseguem errar passes de 1 metrô, não ganham divididas, pressionados não sabem o que fazer, resumindo: falta mesmo é qualidade. Acho que do jeito que está só mesmo um 1 9 1, se defende como pode, chutão prá frente e torce pro centro avante estar inspirado como o Erison contra o Flamengo.
Para terminar, jogar contra um dos melhores times sul americanos que vem disputando todos os títulos importantes nós últimos 4 anos do jeito que o Botafogo jogou ontem, é pedir para tomar uma sova. Lembrando que o Palmeiras inspirado massacrou o bom time do São Paulo na final do Paulista por 4X0 ( vi esse jogo e foi muito parecido com o que aconteceu ontem) e recentemente sapecou 3X0 no ex líder Corinthians.
Não estou pessimista quanto ao Botafogo, cito Saramago "a realidade é que é péssima". ABS e SB!
Concordo - como habitualmente - com todas as suas observações, Sergio. A equipe é globalmente ruim, há jogadores como o Saravia que não devia sequer pertencer ao plantel (e temos reforço contra o Avaí porque ele está suspenso), o investimento foi irrisório face ao que Textor podia ter feito (vamos ver se emenda o tiro descalibrado...), as condições estruturais do Botafogo são péssimas, incuindo a inexistência de CT decente, mas independentemente de tudo isso o LC teria que ser mais flexível, menos ingênuo, mais aguçado sobre a obersvação ao futebol brasileiro, perceber que não pode entrar propondo jogo na maioria dos casos, mas jogando no erro adversário tirando partido de uma consolidação dos pontos fortes que o coletivo pode apresentar e mitigando os nossos pontos fracos, em vez de se abrir ao adversário. No jogo contra o Goiás foi ridículo permitir que, estando o BFR em vantagem, o contra ataque fosse do Goiás. Calhou à medida do futebol praticado pelo Jair Ventura. Desta vez, contra um sagaz Abel, novamente um erro crasso. Ou o LC emenda a mão ou vai ter muitos problemas com a torcida e o seu futuro na construção de um Botafogo a médio prazo, isto é, pode até sair se os resultados não aparecerem, porque é homem para se demitir, apesar de até hoje nunca ter passado por uma demissão a meio de contrato.
Eu admito que possa perder para Palmeiras, Corinthians, Atlético Mineiro, Flamengo, ou até mesmo para o Coritiba ou Fluminense (nunca de goleada, evidentemente), mas não com outros adversáriosediante estratégias inapropriadas sem considerar o adversário, Nesta fase tem que olhar para os adversários e jogar nos erros deles. LC tem que perceber claramente as implicações de estarmos a 1 ponto do Z4, não a 1 ponto do G4.
Abraços Gloriosos.
Ruy amigo, por acaso você recebeu minha correspondência? É que me bateu uma dúvida, pois quando postei me disseram que levaria de 12 a 16 dias, só que não sei se são apenas dias úteis. ABS e SB!
Respondi por e-mail. Abração!
Não poderia esperar menos, concordo em cada vírgula com a sua visão Ruy! Castro está cismado com sua forma ideal de jogo, que não corresponde com as características do elenco, que inclusive, em nossa história, já tivemos muito piores, que obtiveram resultados muito melhores. É impossível fazer limonada com maracujá! Me assusta as linhas espaçadas, um time sem combatividade e criatividade, que confunde tranquilidade com lentidão, numa total ausência de intensidade e de marcação sobre pressão, característica natural de um time com modelo propositivo. O Botafogo hoje é um arremedo de time e hoje o que vimos no último jogo foi uma das piores exibições de nossa história, Abel claramente pediu pro seu time tirar o pé. Não penso que Castro deve abrir mãos de suas convicções, mas não é inteligente aplicá-las no presente, é suicídio. A paciência que a torcida do Botafogo exibe, seria muito diferente num outro contexto, com um treinador brasileiro. Se o Luís não for flexível ( e Textor não abrirá mão dele), o rebaixamento será consequência de um péssimo trabalho. Hoje o Botafogo é o time com pior atuação na série A, e principal candidato ao rebaixamento. Fortaleza por exemplo, nesse campeonato, é uma fraude, equipe muito organizada, que está passando por situações que não condizem com o trabalho apresentado. Já o Botafogo, parece que abusou da sorte, e agora está olhando pro espelho, pra realidade de graves erros na condução e construção da equipe. Abraços Ruy, saudações alvinegras!!
Concordo com boa parte das suas observações, Saulo. Porém, não me parece que estejamos perante as piores exibições da nossa história. Jamais me esquecerei das auações que conduziram a três descidas de divisão. Não creio que o Botafogo vá descer, e se o Luís Textor é inteligente como parece ser nas suas coletivas, perceberá que tem que rever o esquema de jogo até aos reforços, sob pena, como o Saulo menciona, de chegar ao Z4 - onde só está a um ponto dele.
Estou pessimista nesta fase, mas clamando pela inteligência de LC e da sua equipe técnica. Se não mudarem o modo de jogar da equipe, então terei que admitir queo LC é só conversa e nada mais. Mas, atenção, apesar da sua carreira não ser de topo (ele não é nem será treinador de topo), nunca teve verdadeiramente um profundo desaire. Vamos torcer.
Abraços Gloriosos.
E perdemos do Avaí... É ponta de lateral, é lateral de ponta... Difícil imaginar qualquer reação nesse momento que passe pelo comando do Luís Castro! Abraços Ruy!
E mais, Saulo: após 4 derrotas seguidas sem nenhum progresso, pelo contrário!, arriscamos mais duas derrotas seguidas contra São Paulo e Internacional. E se não perdermos pode-se dizer que deu zebra. E é lamentável que o melhor que possamos ser agora é... ser zebra!
Só se recupera esta equipe de cangalheiros de duas maneiras: que o LC acabe com a mania de achar que uma equipe de futebol deve ser gerida como uma família e reforços significativos na próxima janela de transferências. Neste momento não vejo nenhuma saída.
Abraços Gloriosos.
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