por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
Na 1ª publicação vimos um
quadro histórico de dramas e glórias até chegarmos à parceria John Textor e
Luís Castro que reergueu o futebol botafoguense, um com muito dinheiro e sem
visão de conjunto no que respeita à gestão desportiva, outro com conhecimento
técnico e visão sobre como construir um futuro consistente e sustentável a partir
das bases infraestruturais.
Comecemos por John Textor.
Textor salvou o Botafogo da
inevitável falência financeira. Chegou, prometeu um Botafogo projetado
internacionalmente, abriu a sua bolsa, surpreendeu-se com a apaixonada torcida
do Botafogo, agradou-se da torcida e mostrou muitas emoções que o tornaram
quase um torcedor com o passar do tempo. E torcedor tem uma característica
exacerbadamente emotiva bem diferente das características exigidas a quem tem que criar uma visão,
definir objetivos estratégicos e tomar decisões, por vezes difíceis e
solitárias, mas que a visão suporta bem se estiver assente em pressupostos
desejáveis, possíveis e realizáveis.
Textor começou bem. Fez
algumas escolhas de pessoas promissoras, traçou objetivos e definiu um
treinador ajustado aos seus desígnios, que consistiam, e consistem, na configuração
de clubes com capacidade de revelar bons futebolistas, que rodariam pelos
clubes do empresário, fariam montra, especialmente para o mundo do futebol
europeu e, consequentemente, encheria os bolsos de Textor.
Quanto à componente
desportiva, o empresário fez contratações de novos jogadores, algumas delas por
indicação de Castro, outras na base do scouter.
Prometeu a Castro um Botafogo reestruturado e o reforço sistemático do plantel.
No entanto, embora tivesse avançado para a reestruturação, as contratações
pecaram pela característica avarenta do Tio ‘Patinhas’ Textor: acumular,
acumular e investir o quanto baste. Castro recebeu muitos jogadores que estavam
na prateleira dos seus clubes, alguns mesmo sem jogarem há bastante tempo,
dificultando o trabalho do treinador, que necessitou de mais reforços e de
reconstruir a equipe pelo menos duas vezes em 2022 com jogadores oriundos dos
mais diversos lugares geográficos e das mais diversas culturas futebolísticas.
Árdua tarefa.
O Mundo Botafogo sempre
pugnou por se começar o futuro pela elaboração de um novo modelo de clube a médio e longo prazo, em vez de se focar em títulos de curto prazo que geralmente são fugazes
e não sustentáveis. O fundamental seria criar novas infraestruturas, modelar
uma gestão ética e competente e reestruturar o complexo conjunto de prestação
de serviços internos em torno da equipe de futebol.
Aqui, neste espaço, vimos a
dupla Textor e Castro iniciar esse processo e 2022 parecia bem assegurado, já
que os objetivos eram a manutenção na Série A e um lugar de aceso à Copa
Sul-americana. No entanto, quando se chegou à última rodada com a possibilidade
de classificação para a Copa Libertadores se vencêssemos o derradeiro jogo,
toda a torcida se mostrava alvoroçada com a possibilidade. Compreende-se bem:
há vários anos sem presença na Libertadores e sem títulos nacionais, a emoção
do torcedor exacerba-se e expande-se.
Porém, perdemos o jogo. E a
relação da torcida com o treinador alterou-se e logo foi contestado por uma
parte dela, declarando-o ‘muito fraco’, ‘burro’ e ‘engessado’ – aliás, houve
sempre uma minoria que o contestou desde o primeiro momento até ao último e
mesmo depois de ter saído. Algo típico de um futebol brasileiro que não dá
oportunidade aos técnicos para, em tempo adequado, imprimirem o seu estilo de
jogo com consistência e até mesmo recuperarem de erros. E com isso também se
retira a possibilidade de os treinadores considerarem útil a sua atualização,
algo que não ocorre vulgarmente no futebol brasileiro. As torcidas contestam os
treinadores ao primeiro erro e os dirigentes despedem-nos. No Botafogo deste
século já foram despedidos treinadores em nove dias e até um deles não chegou a
conduzir nenhum jogo.
Foi um momento de angústia.
O Mundo Botafogo não
lastimou a ocorrência de não classificação à Libertadores. Embora nunca tenha
sido dito publicamente, mas apenas entre os amigos, o editor deste espaço não
desejava que o nosso Clube disputasse a Copa Libertadores em 2023 porque
simplesmente não estávamos preparados para dar passo tão grande com pernas tão
curtas – tal como se comprovou depois –, e fazer má figura é bem pior do que
não ir. Devemos ir quando a ida se mostra capaz de bom desempenho. Pessoalmente
o editor do Mundo Botafogo nunca aceitou ser empossado em um cargo sem preparação
prévia adequada. Ir sem preparo é uma espécie de tiro no pé e seguir coxeando.
O nosso foco deveria ser a
manutenção dos objetivos iniciais e preparar passo a passo o novo caminho, sem
queimar etapas. Era fazer uma pré-temporada nos E.U. América, tal como Textor
prometeu, e disputar o Carioca com a equipe B, porque permitia à equipe A
preparar-se devidamente e à equipe B rodar os jogadores que, em princípio,
alimentariam posteriormente a equipe A quando necessário.
A Federação ameaçou o
Botafogo se o fizesse, e Textor, tomando uma decisão muito emocional, suprimiu
por completo a pré-temporada, apesar de ainda se poder realizar uma minitemporada.
Castro viu-se na eminência de fazer do Carioca a pré-temporada, até porque a
maioria dos torcedores do Botafogo considera o Carioca sem valor – e realmente
pouco valor tem. Mas depois viu-se que todos querem o Botafogo a ganhar o
título que vale pouco, em vez de se preparar para os que valem muito…
O ano começou por correr
aceitavelmente até que o equipe se destrambelhou emocionalmente – e
surpreendentemente – nos clássicos contra o Vasco da Gama e o Flamengo,
gerando-se várias expulsões de atletas, entre os quais estavam precisamente
quatro jogadores experientes, além de Adryelson: foram expulsos Adryelson e
Rafael contra o Vasco da Gama e Joel Carli, Tiquinho Soares e Marçal contra o
Flamengo. Um absurdo numa equipe profissional com atletas experientes.
À época o Mundo Botafogo
cometeu um lapso ao defender a saída de Castro, porque tendo os jogadores
perdido o controlo emocional em simples jogos de um campeonato que valia pouco,
era sinal que Luís Castro perdera o vestiário, e quando um treinador perde o
vestiário não há nada a fazer além de o substituir, mesmo que ele tenha razão e
os líderes de opinião do vestiário não a tenham. O Mundo Botafogo errou na
única vez que não defendeu o treinador.
Foi um momento de angústia.
Porém, traduziu-se numa
ocorrência crucial na nossa caminhada em 2023. Por um lado, nenhum de nós
percebeu que os jogadores eram emocionalmente instáveis – talvez fosse essa a razão
essencial para estarem encostados pelos seus clubes anteriores – e todo mundo
se virou contra o treinador. Por outro lado, como foi referido na I Parte da
publicação desta série, havia uma galera – como bem referiu Pedro Umberto – que
contestava a centralização que Castro fazia. Aliás, já no final do campeonato –
e demitido – Lúcio Flávio disse que só assistira a 3 ou 4 treinos, porque
Castro até isso controlava. Na verdade, Castro não confiava na influência
positiva de Lúcio Flávio e tinha muito boas razões para isso, como se viu
quando ele assumiu a equipe e fracassou rotundamente. A sua experiência de
lidar com vários staff era muito
grande e percebeu que não poderia deixar entrar nem os fracassados, nem os
sedentos de poder na gestão do plantel.
O terceiro aspecto
importante desse momento crucial foi Castro assegurar que daria a volta à
situação, e como isso realmente ocorreu mostrou a posteriori que o treinador conhecia bem o plantel e as suas
limitações. Além de conhecer psicologicamente bem os homens que comandava,
Castro também os conhecia ao nível dos seus desempenhos, porque em 2022 montou
uma bateria permanente de sofisticados indicadores de gestão que lhe revelavam a
par e passo todos os pontos fortes e fracos de cada jogador durante as suas
atuações em campo.
Em suma, dentro e fora do
Botafogo a maioria quis demitir Castro:
staff, torcida e mídia. Os primeiros por interesse, os segundos por emoção,
os terceiros para complicar a vida do Botafogo. Xingaram-no e ofenderam-no sem
limites até ao último jogo da Taça Rio. Porém, Textor acreditou no seu parceiro
e respaldou-o.
A relação com a torcida
complicou-se muito devido a alguns fracos desempenhos, mas a Taça Rio
completara o final da pré-temporada. Castro sabia o que fazia. Testou os seus
jogadores até aos limites de cada um para tirar deles o melhor que cada um
podia dar. Partiu para o Brasileirão em má relação com a torcida, em
desentendimento com a tal ‘galera’ que internamente o queria demitir, em
oposição à mídia que o esculachava, mas em contrapartida tinha o apoio
incondicional de Textor e a sua garantia de reforços na janela de
transferências, bem como tinha a confiança dos seus jogadores, que uniu através
de um cimento de resiliência em torno de um foco e, sobretudo, uma certeza
incomensurável no sucesso da equipe que comandava.
No entanto, um novo erro
crucial de Textor ocorreu com a falta de reforços capazes na janela de
transferências, mas a inesperada ascensão da equipe a líder disparada o
Brasileirão foi um momento de exultação.
Porém, a esse clímax
rapidamente se chegou ao ajuste de todas as contas e a um novo momento de
angústia engendrada pelo temor do desmoronamento: a decisão de Castro rumar à
Arábia Saudita, que evidenciou todas as causas pré-ato e as ligou às
consequências futuras.
Isso é assunto para a III
Parte da análise do Mundo Botafogo.
6 comentários:
Excelente esses textos I e II, ansioso pelo III. Abs e SB!
Fico muito contente com as suas avaliações. Significa que continuo prestando um bom serviço a todos os botafoguenses, tal como sempre pretendi desde 2007. Obrigado.
Abraços Gloriosos.
Um relato preciso diante dos fatos.
Ruy, não sei porque, mas meu nome não aparece nos comentários, o Anonymus sou eu Sergio Do Sabbato. Provavelmente deve ser por ter mudado de celular e meu nome não foi reconhecido. Vou averiguar. Abs e SB!
Faço um esforço, Vanilson. Espero não adulterar a análise com observações imprecisas.
Abraços Gloriosos.
Provavelmente é isso, Sergio. Terá que fazer outro registro, talvez.
Abraços Gloriosos.
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