sábado, 30 de dezembro de 2023

Botafogo 2022-2023: exultações e angústias, um traço persistente (II)

 

por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo

Na 1ª publicação vimos um quadro histórico de dramas e glórias até chegarmos à parceria John Textor e Luís Castro que reergueu o futebol botafoguense, um com muito dinheiro e sem visão de conjunto no que respeita à gestão desportiva, outro com conhecimento técnico e visão sobre como construir um futuro consistente e sustentável a partir das bases infraestruturais.

Comecemos por John Textor.

Textor salvou o Botafogo da inevitável falência financeira. Chegou, prometeu um Botafogo projetado internacionalmente, abriu a sua bolsa, surpreendeu-se com a apaixonada torcida do Botafogo, agradou-se da torcida e mostrou muitas emoções que o tornaram quase um torcedor com o passar do tempo. E torcedor tem uma característica exacerbadamente emotiva bem diferente das características exigidas a quem tem que criar uma visão, definir objetivos estratégicos e tomar decisões, por vezes difíceis e solitárias, mas que a visão suporta bem se estiver assente em pressupostos desejáveis, possíveis e realizáveis.

Textor começou bem. Fez algumas escolhas de pessoas promissoras, traçou objetivos e definiu um treinador ajustado aos seus desígnios, que consistiam, e consistem, na configuração de clubes com capacidade de revelar bons futebolistas, que rodariam pelos clubes do empresário, fariam montra, especialmente para o mundo do futebol europeu e, consequentemente, encheria os bolsos de Textor.

Quanto à componente desportiva, o empresário fez contratações de novos jogadores, algumas delas por indicação de Castro, outras na base do scouter. Prometeu a Castro um Botafogo reestruturado e o reforço sistemático do plantel. No entanto, embora tivesse avançado para a reestruturação, as contratações pecaram pela característica avarenta do Tio ‘Patinhas’ Textor: acumular, acumular e investir o quanto baste. Castro recebeu muitos jogadores que estavam na prateleira dos seus clubes, alguns mesmo sem jogarem há bastante tempo, dificultando o trabalho do treinador, que necessitou de mais reforços e de reconstruir a equipe pelo menos duas vezes em 2022 com jogadores oriundos dos mais diversos lugares geográficos e das mais diversas culturas futebolísticas.

Árdua tarefa.

O Mundo Botafogo sempre pugnou por se começar o futuro pela elaboração de um novo modelo de clube a médio e longo prazo, em vez de se focar em títulos de curto prazo que geralmente são fugazes e não sustentáveis. O fundamental seria criar novas infraestruturas, modelar uma gestão ética e competente e reestruturar o complexo conjunto de prestação de serviços internos em torno da equipe de futebol.

Aqui, neste espaço, vimos a dupla Textor e Castro iniciar esse processo e 2022 parecia bem assegurado, já que os objetivos eram a manutenção na Série A e um lugar de aceso à Copa Sul-americana. No entanto, quando se chegou à última rodada com a possibilidade de classificação para a Copa Libertadores se vencêssemos o derradeiro jogo, toda a torcida se mostrava alvoroçada com a possibilidade. Compreende-se bem: há vários anos sem presença na Libertadores e sem títulos nacionais, a emoção do torcedor exacerba-se e expande-se.

Porém, perdemos o jogo. E a relação da torcida com o treinador alterou-se e logo foi contestado por uma parte dela, declarando-o ‘muito fraco’, ‘burro’ e ‘engessado’ – aliás, houve sempre uma minoria que o contestou desde o primeiro momento até ao último e mesmo depois de ter saído. Algo típico de um futebol brasileiro que não dá oportunidade aos técnicos para, em tempo adequado, imprimirem o seu estilo de jogo com consistência e até mesmo recuperarem de erros. E com isso também se retira a possibilidade de os treinadores considerarem útil a sua atualização, algo que não ocorre vulgarmente no futebol brasileiro. As torcidas contestam os treinadores ao primeiro erro e os dirigentes despedem-nos. No Botafogo deste século já foram despedidos treinadores em nove dias e até um deles não chegou a conduzir nenhum jogo.

Foi um momento de angústia.

O Mundo Botafogo não lastimou a ocorrência de não classificação à Libertadores. Embora nunca tenha sido dito publicamente, mas apenas entre os amigos, o editor deste espaço não desejava que o nosso Clube disputasse a Copa Libertadores em 2023 porque simplesmente não estávamos preparados para dar passo tão grande com pernas tão curtas – tal como se comprovou depois –, e fazer má figura é bem pior do que não ir. Devemos ir quando a ida se mostra capaz de bom desempenho. Pessoalmente o editor do Mundo Botafogo nunca aceitou ser empossado em um cargo sem preparação prévia adequada. Ir sem preparo é uma espécie de tiro no pé e seguir coxeando.

O nosso foco deveria ser a manutenção dos objetivos iniciais e preparar passo a passo o novo caminho, sem queimar etapas. Era fazer uma pré-temporada nos E.U. América, tal como Textor prometeu, e disputar o Carioca com a equipe B, porque permitia à equipe A preparar-se devidamente e à equipe B rodar os jogadores que, em princípio, alimentariam posteriormente a equipe A quando necessário.

A Federação ameaçou o Botafogo se o fizesse, e Textor, tomando uma decisão muito emocional, suprimiu por completo a pré-temporada, apesar de ainda se poder realizar uma minitemporada. Castro viu-se na eminência de fazer do Carioca a pré-temporada, até porque a maioria dos torcedores do Botafogo considera o Carioca sem valor – e realmente pouco valor tem. Mas depois viu-se que todos querem o Botafogo a ganhar o título que vale pouco, em vez de se preparar para os que valem muito…

O ano começou por correr aceitavelmente até que o equipe se destrambelhou emocionalmente – e surpreendentemente – nos clássicos contra o Vasco da Gama e o Flamengo, gerando-se várias expulsões de atletas, entre os quais estavam precisamente quatro jogadores experientes, além de Adryelson: foram expulsos Adryelson e Rafael contra o Vasco da Gama e Joel Carli, Tiquinho Soares e Marçal contra o Flamengo. Um absurdo numa equipe profissional com atletas experientes.

À época o Mundo Botafogo cometeu um lapso ao defender a saída de Castro, porque tendo os jogadores perdido o controlo emocional em simples jogos de um campeonato que valia pouco, era sinal que Luís Castro perdera o vestiário, e quando um treinador perde o vestiário não há nada a fazer além de o substituir, mesmo que ele tenha razão e os líderes de opinião do vestiário não a tenham. O Mundo Botafogo errou na única vez que não defendeu o treinador.

Foi um momento de angústia.

Porém, traduziu-se numa ocorrência crucial na nossa caminhada em 2023. Por um lado, nenhum de nós percebeu que os jogadores eram emocionalmente instáveis – talvez fosse essa a razão essencial para estarem encostados pelos seus clubes anteriores – e todo mundo se virou contra o treinador. Por outro lado, como foi referido na I Parte da publicação desta série, havia uma galera – como bem referiu Pedro Umberto – que contestava a centralização que Castro fazia. Aliás, já no final do campeonato – e demitido – Lúcio Flávio disse que só assistira a 3 ou 4 treinos, porque Castro até isso controlava. Na verdade, Castro não confiava na influência positiva de Lúcio Flávio e tinha muito boas razões para isso, como se viu quando ele assumiu a equipe e fracassou rotundamente. A sua experiência de lidar com vários staff era muito grande e percebeu que não poderia deixar entrar nem os fracassados, nem os sedentos de poder na gestão do plantel.

O terceiro aspecto importante desse momento crucial foi Castro assegurar que daria a volta à situação, e como isso realmente ocorreu mostrou a posteriori que o treinador conhecia bem o plantel e as suas limitações. Além de conhecer psicologicamente bem os homens que comandava, Castro também os conhecia ao nível dos seus desempenhos, porque em 2022 montou uma bateria permanente de sofisticados indicadores de gestão que lhe revelavam a par e passo todos os pontos fortes e fracos de cada jogador durante as suas atuações em campo.

Em suma, dentro e fora do Botafogo a maioria quis demitir Castro: staff, torcida e mídia. Os primeiros por interesse, os segundos por emoção, os terceiros para complicar a vida do Botafogo. Xingaram-no e ofenderam-no sem limites até ao último jogo da Taça Rio. Porém, Textor acreditou no seu parceiro e respaldou-o.

A relação com a torcida complicou-se muito devido a alguns fracos desempenhos, mas a Taça Rio completara o final da pré-temporada. Castro sabia o que fazia. Testou os seus jogadores até aos limites de cada um para tirar deles o melhor que cada um podia dar. Partiu para o Brasileirão em má relação com a torcida, em desentendimento com a tal ‘galera’ que internamente o queria demitir, em oposição à mídia que o esculachava, mas em contrapartida tinha o apoio incondicional de Textor e a sua garantia de reforços na janela de transferências, bem como tinha a confiança dos seus jogadores, que uniu através de um cimento de resiliência em torno de um foco e, sobretudo, uma certeza incomensurável no sucesso da equipe que comandava.

No entanto, um novo erro crucial de Textor ocorreu com a falta de reforços capazes na janela de transferências, mas a inesperada ascensão da equipe a líder disparada o Brasileirão foi um momento de exultação.

Porém, a esse clímax rapidamente se chegou ao ajuste de todas as contas e a um novo momento de angústia engendrada pelo temor do desmoronamento: a decisão de Castro rumar à Arábia Saudita, que evidenciou todas as causas pré-ato e as ligou às consequências futuras.

Isso é assunto para a III Parte da análise do Mundo Botafogo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Excelente esses textos I e II, ansioso pelo III. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Fico muito contente com as suas avaliações. Significa que continuo prestando um bom serviço a todos os botafoguenses, tal como sempre pretendi desde 2007. Obrigado.
Abraços Gloriosos.

jornal da grande natal disse...

Um relato preciso diante dos fatos.

Anónimo disse...

Ruy, não sei porque, mas meu nome não aparece nos comentários, o Anonymus sou eu Sergio Do Sabbato. Provavelmente deve ser por ter mudado de celular e meu nome não foi reconhecido. Vou averiguar. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Faço um esforço, Vanilson. Espero não adulterar a análise com observações imprecisas.
Abraços Gloriosos.

Ruy Moura disse...

Provavelmente é isso, Sergio. Terá que fazer outro registro, talvez.
Abraços Gloriosos.

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