por SOL DE
ANLAREC | Colunista do Mundo Botafogo
A mulher levantou
a tampa do notebook e imediatamente o
teclado se iluminou.
Aquele encontro
proporcionava a ele uma grande satisfação, coisa de que não desfrutava com os
demais usuários da casa, que, na maioria das vezes, o usavam com um ou, no
máximo, dois dedos. Era um contato que o aborrecia – monótono, frio e sem ritmo.
Já a mulher... Ela sabia como tocá-lo.
O teclado já
conhecia o ritual: no processo de encaixar os dedos sobre as teclas corretas, a
escritora produzia sobre ele sensações deliciosas.
Ele desconhecia os
símbolos nele inscritos e nem imaginava a finalidade a que se prestavam. Ressentia-se
por não ser o objeto das atenções da mulher. Morria de ciúmes da tela.
No entanto, se esquecia
de tudo à medida que ela executava os toques iniciais – ainda que hesitantes –,
lembrando um encontro amoroso entre parceiros tímidos e inseguros.
A escritora
buscava ideias. Palavras vagueavam por sua mente e ela as caçava para reunir em
frases. Aos poucos, o primeiro parágrafo era construído. Pausa. A digitação
cessava. Ela relia o texto. Insatisfeita, acionava o mouse.
Apertava DELETE, e voilà – a
tela voltava a ficar vazia.
Este processo se
repetia algumas vezes. O cursor piscava nervoso e insolente. Encarapitado no
início da página, parecia gritar: “Ei, tô aqui! Vai começar ou não?”.
Embora a mulher o
olhasse fixamente, não o notava, perdida entre os pensamentos que povoavam sua
cabeça. Os dedos, por sua vez, repousavam sobre o teclado, que, como um amante impaciente,
ansiava pelas novas carícias.
Ela recomeçava. Desta
vez com maior agilidade, denotando que o fluxo criativo ganhava novos contornos.
Após alguns minutos, contudo, nova pausa.
Enquanto relia o
texto na tela, passeava com delicadeza os dedos sobre o teclado. Ele exultava!
Finda a leitura –
um muxoxo de desagrado. Nova seleção. DELETE.
Puff! O texto sumia!
Sobre a tela
branca, o cursor solitário permanecia com seu ar desafiante e enfadado: “Afinal,
até quando vou ficar parado aqui?” – questionava.
Seguiam-se novas
tentativas e novos descartes. A coisa não acontecia!
Finalmente, num
instante mágico, eis que surgia a musa!
A etérea figura adentrava invisível no recinto,
rodopiando com suas finíssimas vestes esvoaçantes e os belos e longos cabelos. Envolvia
a mulher como em um turbilhão e dali começava a lhe sussurrar a inspiração, na forma de uma suave melodia.
A escritora
recolhia avidamente palavras e pedaços de frases, retornando os dedos ao
teclado. Era o momento em que os amantes – abandonando as dúvidas e os medos – se
deixam levar pelas emoções.
Ela se entregava
ao texto e o teclado entregava-se a ela, submetido a um delicioso frenesi. Os ágeis
dedos se movimentavam sobre ele com a volúpia de toques rápidos, aveludados e
cadenciados.
O orgasmo se dava
quando a escritora julgava ter colhido a maior parte da inspiração que lhe fora
soprada e, satisfeita, a via exposta sobre o cristal líquido.
O teclado –
esgotado de prazer – ofegava. Quanto ao cursor, após a longa corrida pela tela,
perdera a arrogância. Piscava agora – exausto – ao final do último parágrafo.
O teclado sabia
que, após o êxtase, viria uma nova etapa,
menos intensa que a anterior – mas não menos deliciosa.
A escritora
iniciava a revisão do grande mosaico de ideias colhidas, onde cada palavra era como
uma pequena peça que ela se punha a rearrumar: substituía algumas; trocava
outras de lugar; eliminava frases; e dividia parágrafos.
O teclado –
relaxado e usufruindo de um ritmo mais suave – sentia-se
um amante confiante em sua parceira.
Concluído o
texto, ela o salvava em um arquivo. O encontro chegara ao fim. O notebook era desligado. O teclado se apagava.
Ele se despedia
da mulher, vendo seu rosto desaparecer atrás da tampa do notebook que se fechava.
Resignado,
adormecia. Só lhe restava agora sonhar com as novas carícias de um próximo
encontro.
12 comentários:
Oi, Solange!
Gostei muito da crônica. Muito mesmo! Uma ideia super bem bolada , enSOLarada, cheia de toques safadinhos e altamente inspiradores!
UFA !!!!!
Mãos, dedos, teclas, telas e mouse misturam- se num ritmo sensualmente cadenciado,pra contar uma inusitada e ardente paixão gerada ,por um lado ,de inocentes e despretensiosos toques, em um teclado sufocado de tesão.
Delícia de texto. Depois de uma gotinha de chuva se sentir apaixonada por uma água presa em uma garrafa, agora temos um teclado apaixonado por toques irresistíveis de dedos, digamos....habilidosos!!!!!
Beijão, amiga !
Lúcia, vc sempre espirituosa!!!
"Teclado sufocado de tesão" é muito engraçado! Agora vou lembrar sempre disso quando olhar para o meu teclado!! 😂😂😂😂.
Muitos thanks a vc e ao Ruy pela oportunidade!
bjks,
Sol de Anlarec
Solange, o seu contributo no blogue é... precioso! Eleva a qualidade, presenteia os leitores com bela literatura e ainda me arrasta emocionalmente para sublimadas paixões 'liquefeitas' e 'digitais'... Que mais 'envolvências' irão acontecer?!... Muito obrigado!
Abraços Gloriosos.
Criativo, irreverente. Inusitado. Bela expressão de ideias. Adorei
Mas que teclado "safadjeño", hein?
👏👏👏👏👍
Se já tinha uma cronista ensolarada, Lucia, agora são duas, e haja calor no Mundo Botafogo.
Obrigada pelo apoio, Jornal da Grande Natal!!
Natal é também a Cidade do Sol, daí estarmos em total sincronicidade!!
Grande abç!!
Sol de Anlarec
😂🤣😂🤣
Eu é que agradeço seus estimulantes comentários!
bjks,
Sol de Anlarec
Ruy, vc é sempre gentilíssimo! Eu é que tenho a te agradecer (e à madrinha Lúcia, a cronista do Blog) por permitirem expor minhas ideias nesse glorioso espaço !
Quanto às novas "envolvências", só vamos descobrir quando a Gloriosa Musa voltar a nos visitar. Enquanto isso, o teclado continuará na espera ... daquele jeito ...😂😂😁
Grande abç,
Sol de Anlarec
Então, combinamos assim, Sol: estamos todos gratos uns aos outros!!! 🥳🥰
Abraços Gloriosos.
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