sexta-feira, 5 de abril de 2024

João Moreira Salles: ser Botafogo é minha identidade

Fonte: https://www.youtube.com/results?search_query=a+beleesa+de+ser+botafoguense

por JOÃO MOREIRA SALLES | Botafoguense, Cineasta e Documentarista | Publicação na Revista Piauí e reprodução parcial por Fogao.net

João Moreira Salles contou, entre outras, histórias impressionantes de torcedores alvinegros que evidenciam claramente o nosso perfil e elevada estatura desportiva.

Fê-lo na Revista Piauí, e o Portal Fogaonet reproduziu algumas dessas histórias, tendo o Mundo Botafogo selecionado três histórias que se referem ao que “é ser Botafogo”.

Se quiser ler mais excertos, acesse Fogao.net; se quer ler o fantástico texto completo, leia a Revista Piauí, nº 210, de março/2024.

História 1

Por que torcer? O que sobra de tanto investimento emocional mal correspondido? Aí é que está: sobra a torcida. Não qualquer uma, mas esta torcida. Sobra a sua beleza, a sua integridade. Sobra muita coisa. 

Um amigo com quem almocei depois das derrotas para Palmeiras e Grêmio sofria com o sofrimento do filho: “Por que eu fiz isso com ele?”, penitenciava-se. “Por que eu passei pro meu filho essa certeza do sofrimento?” O lamento dizia respeito apenas ao menino, nunca a ele próprio. Não conheço nenhum botafoguense que tenha se arrependido da escolha que fez (e fica para outra hora discutir se é mesmo uma escolha). Nenhum voltaria atrás – e, vamos combinar, isso exige explicação.

História 2

Quando a vaca já estava com três patas no brejo, cruzei na rua com um pai barrigudinho e sua filha pré-adolescente. Os dois vestiam a camisa do Botafogo, alheios ao risco das gozações que àquela altura começavam a pipocar na cidade. Fui até eles e elogiei o brio. Brio porquê? “Por causa das viradas, dos gols no último minuto, do campeonato que estamos entregando”, respondi. “Você é Botafogo?”, perguntou o pai. Sim. “E tá desanimado?”, prosseguiu com certa rispidez. Olhei para a filha, que me fez um sinal aflito de pelo-amor-de-Deus-não-envereda-por-aí-não. Ela ainda tentou contemporizar: “Pai…” Mas o pai não queria conversa: “Você não é um botafoguense de verdade. Nunca foi fácil. Se você já desistiu é porque não entende o que é ser Botafogo.” “Paaaai…”, a filha implorou. Antes que eu conseguisse me defender, ele a tomou pela mão, os dois me deram as costas e seguiram em frente. Fiquei ali, pasmo. E certo de que sou botafoguense por causa de gente como eles. Porque é difícil não admirar uma capacidade tão grande de amar sem exigir recompensa.

História 3

Em 2019, passei alguns meses no Pará para escrever a série Arrabalde, sobre a Amazônia. Num fim de semana em Belém, visitando a feira de livros da cidade, percebi que um rapaz me seguia pelos corredores dos estandes. Eu dobrava uma esquina, ele dobrava a esquina. Eu parava, ele parava, sempre a cinco ou seis passos de distância. A coisa seguiu assim por algum tempo, até que uma senhora me abordou. “Você é o João Salles?” Assenti. “Desculpa. É que eu estou com o meu filho ali e ele é muito tímido. Ele queria muito falar com você, mas está passado de vergonha. Você pode dar um minuto pra ele?” Podia, claro. A mãe acenou para o rapaz, que se aproximou sem tirar os olhos do chão. Tinha uns 16 anos e sinais de acne adolescente no rosto. Estendi a mão. Ele tentou dizer alguma coisa, mas travou. Quis ajudá-lo, e, como estávamos num ambiente de leitores, arrisquei: “Você gosta de jornalismo e lê a Piauí?” Ele arregalou os olhos e se virou para a mãe. Além de encabulado, agora estava confuso. Afoito, mudei a chave e pulei para outra atividade minha: “Ah, você gosta de cinema e se interessa por documentários?” Piorou: ele soltou um gemido, sofria cada vez mais e não entendia uma palavra do que eu dizia.

Eu tinha esgotado a minha munição. “Será que você tá falando com a pessoa certa?”, perguntei. Ele confirmou com a cabeça. “Então como posso te ajudar?” Criando coragem, ele murmurou: “É o Botafogo.” A situação do time claramente determinava parte não insignificante da alegria e da tristeza do rapaz. Naqueles dias, lutávamos para escapar do rebaixamento. Como se não bastasse, a nossa situação financeira era crítica. Eu vinha participando de um esforço coletivo de captação de recursos para ajudar o Botafogo a respirar um pouco, e por isso talvez o rapaz imaginasse que eu poderia saber de alguma boa novidade sobre o nosso clube do coração (não sabia). “Teu pai é botafoguense?”, perguntei. “Não”, ele respondeu. “Tua mãe?” Não. “Um tio, um irmão, um padrinho, um parente?” Não. “Um amigo de escola?” Também não. Eu estava ficando ansioso. “Então por que você é Botafogo?”, insisti. Ele entendeu que falávamos a mesma língua e respondeu de bate-pronto, me olhando pela primeira vez nos olhos: “Não sei, só sei que o Botafogo é muito importante pra mim.” Quando era mais novo, tinha visto um jogo pela televisão e “soube na hora”: “Esse era o meu time e eu não ia conseguir torcer pra mais ninguém. Não consigo não pensar no Botafogo.” Nunca me esquecerei desse encontro. De todas as escolhas que um adolescente tímido e socialmente desajeitado pode fazer para se tornar mais popular, virar botafoguense não é das mais indicadas. Que esse jovem esteja em Belém, a mais de 3 mil km do Rio de Janeiro; que more numa cidade onde raramente acontece um jogo do Botafogo; que ele não tenha idade para ter visto o seu clube erguer alguma taça relevante; que tenha sofrido as tantas decepções dos muitos anos de vigência da nossa mediocridade; que, apesar de tudo, não tenha desistido; e, principalmente, que o seu amor seja gratuito, sem influência de parentes ou de amigos, fruto portanto de uma eleição soberana, que esse rapaz seja o resultado desse conjunto de circunstâncias tão raras – isso é em tudo maravilhoso. Pede um tipo de pessoa especial, capaz de decidir por si o seu caminho, indiferente à sedução da popularidade. É mais seguro e reconfortante fazer parte da maioria.

O encontro também me fez compreender algo sobre mim. Me lembro de sentir uma ponta de orgulho ao me dar conta de que o rapaz me reconhecera por eu ser botafoguense. Para ele, era essa a minha identidade; para mim também é. Intimamente, o que me faz Botafogo me descreve bem mais do que o que me faz documentarista, por exemplo. Não sei explicar porquê. O que posso dizer é que estou mais à vontade na minha pele quando penso que sou Botafogo do que quando penso que sou alguém que faz filmes ou que escreve para a revista. Não sei se alguém escolhe o time de futebol pelo qual torce. Como para o menino de Belém, cujo nome infelizmente não guardei, virar botafoguense talvez estivesse inscrito na minha sina, mais ainda do que na minha vocação. Como se ele e eu não tivéssemos a liberdade de não ser alvinegros. Como se fôssemos predispostos por temperamento a torcer por esse time.

Fontes: Redação FogãoNET e Revista Piauí.

8 comentários:

jornal da grande natal disse...

Ser botafoguense se trata de um estilo. Não esses do modismo. Um estilo que em você é adotado sem se dar conta. Uma grife. Meu pai era botafoguense e America de Natal. Nunca pediu para torcer. A influência foi a convivência.

Ruy Moura disse...

Vanilson, é curioso que a maioria dos botafoguenses com quem me relaciono têm um estilo realmente próximo. Às vezes penso isto: não havia maneira de eu não ser botafoguense (rsrsrs).
Abraços Gloriosos.

Sergio disse...

Muito boas histórias, só um botafoguense consegue compreender esse amor.
Fui escolhido ser botafoguense, para mim foi natural, pois todos os meus familiares próximos eram botafoguenses e, mesmo passando por tantas decepções nas últimas décadas nunca me arrependi de ser torcedor do Botafogo, pelo contrário, sou cada vez mais convicto de ser torcedor do time que me escolheu. Quem viu os grandes times que o Botafogo teve e voltará a ter, nunca conseguirá torcer para outro time. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Amigo Sergio, não sei se escolhi ou se fui escolhido, o certo mesmo é que - como respondi ao Vanilson - "não havia maneira de eu não ser botafoguense". (rsrsrs)
Abraços Gloriosos.

Sergio disse...

É verdade. Quem ainda criança viu Garrincha, Nilton Santos, Amarildo, Quarentinha, adolescente vi Gerson, Manga, Jairzinho, Roberto Miranda, PC Caju, Rildo, chega né! Não tinha como não ser botafoguense, ainda mais nascendo numa família de botafoguenses e, frequentando GS desde os 3 anos de idade. Um dia te conto da minha aventura no vestiário das jogadores de basquete do Botafogo, tinha 3 anos, meus pais é que me contaram essa história. Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Vi esses todos e ainda o 'Príncipe Etíope', Didi. Histórias de GS e ida a GS nesse tempo é que eu não tenho, a não ser já como adulto. A minha família era vascaína. E tinha um tio que gostava muito do América. Que inveja boa tenho de si com idas a GS em criança e adolescente! E fico ansioso para que um dia me possa contá-las.
Abraços Gloriosos.

Chico da Kombi disse...

Caro Rui, mais uma vez vou clonar seu precioso trabalho de pesquisa botafoguense... Gloriosas Saudações Alvinegras!

Ruy Moura disse...

Pode clonar, amigo Chico, mas, neste caso, limitei-me a reproduzir Moreira Salles, atribuindo-lhe, obviamente, a autoria da publicação. Tudo bem consigo?... Mais animado para 2024 com este Botafogo difícil de altos e baixos?... (rsrsrs)
Abraços Gloriosos.

Escopo do Botafogo segundo o ChatGPT

  por CHATGPT O Mundo Botafogo inquiriu o Chat GPT sobre missão, visão, valores e objetivos estratégicos para o Botafogo de Futebol e Rega...