por SOL DE ANLAREC | Colunista do
Mundo Botafogo
Faz algum tempo que passei a me interessar por uma
atividade pela qual nunca antes – nem na infância – havia manifestado a mínima
afinidade: Desenhar.
Como todas as garotinhas da minha época, tive uma caixa
de lápis de cor, mas limitava-me a usá-los nos trabalhos escolares. Meus poucos
rabiscos naquela fase pareciam saídos de uma caverna pré-histórica.
Já na adolescência, durante aulas entediantes, lembro-me
de ficar desenhando olhos. Fazia-os bem grandes e com longos e espessos cílios
cobertos por bastante grafite ou tinta de caneta, à semelhança de diversas
camadas de rímel, provavelmente influenciada pelas fotos das modelos de então, com
suas maquiagens carregadas.
Décadas fluíram sem nenhum contato com o assunto.
Desenhar, realmente, não era minha praia.
Eis que, superado o auge da pandemia, busquei novas ocupações.
Fui atraída pela proposta de uma Oficina: exercitar a criatividade de uma forma
livre. Não tinha ideia sobre a técnica nela empregada. Assim, por precaução, logo
no primeiro encontro avisei a orientadora que não me viesse com nada que
envolvesse desenhos!
Não adiantou... De cara, ela me deu uma cartolina e mandou-me
reproduzir a natureza morta que montara sobre a mesa: uma garrafa e uma taça. Resignada,
fiz lá o que me parecia uma cópia da cena. Ao mesmo tempo, tal como no filme de
animação Divertida Mente, ouvia a autocrítica urrar: “ Isso aí está um
horror!”.
Os treinamentos se seguiram na Oficina, ao longo dos
quais fui impulsionada para além das órbitas dos mundinhos insossos dos lápis
HB – do colégio – e dos papéis A4 – do escritório!
Conheci os elegantes “primos” – os lápis aquarelados,
os sanguíneos e os de carvão. Descobri os papéis com gramatura. E comecei a manusear
pincéis. Sofri ao tentar usá-los com a desafiante aquarela, dona de uma fluidez
indomada. Por outro lado, apreciei as tintas acrílicas, de trato bem mais “amigável”.
Destaco que a prática com pincéis começou há pouco tempo.
Antes, eu recusara por diversas vezes os pedidos da orientadora para trabalhar em
tela, por conta de minha limitação com o desenho.
Esse assunto, como se vê, seguia me constrangendo.
O ponto de mutação ocorreu na Oficina, quando fui
apresentada a uma novidade – o giz pastel seco!
Deveria aplicá-lo sobre uma abstração que eu rabiscara
(justamente para me livrar do desenho). Lá fiquei misturando cores ao meu
bel-prazer para esfumá-las posteriormente com o dedo. Sentia-me uma garotinha
de 5 anos, divertindo-me a valer! Foi então que, ao retocar uma área, sem que
percebesse, produzi um movimento diferente. Surgiu uma sombra. Fiquei
encantada! Ela trouxe movimento e profundidade ao desenho. Meu olho não despregou
dali! Saí da Oficina pensando nisso. Cheguei em casa e continuei pensando
nisso.
Despontou o embrião da vontade de desenhar...
Ao mesmo tempo, a furiosa autocrítica persistia me
sabotando: “Tá maluca? Onde já se viu? Você não sabe desenhar nada! Vai
gastar dinheiro à toa!”.
Resolvi arriscar e comprei um bloco grande! Minhas toscas
tentativas iniciais foram sobre figuras de revistas. Um dia, vendo a foto de um
quadro de Portinari com um perfil feminino, quis experimentar reproduzi-lo. Minha
versão – ainda na vibe “garotinha
de 5 anos” – é risível: não há uma proporção correta, o olho está de
frente, e a pobre dama ficou reduzida a um perfil minoico. Menos mal para ela! Escapou
de ficar paleolítica...
Pois é... Apesar disso, gostei da coisa! Daí em diante,
as papelarias ganharam importância na minha vida, atraindo-me para as
prateleiras de lápis coloridos e outros materiais de desenho. Passei também a
vasculhar canais no Youtube.
Estava surpresa comigo mesma – a pesquisa não me era
tediosa! Ao contrário, ficava fascinada vendo os artistas que, partindo de simples traços sobre um plano, concluíam o
trabalho com uma imagem tão realista quanto à de uma fotografia!
Em consequência, fui levada a pesquisar assuntos mais
complexos: perspectiva; construção com figuras geométricas; uso de sombras e
texturas para simular volumes; criação
de tonalidades; e até – vejam só – anatomia!
Interessei-me por retratos. Aprendi que a construção do
rosto se inicia com uma circunferência – para representar o crânio. Sobre o círculo
formado serão aplicados os olhos, o nariz e as orelhas. Em seguida, faz-se um
traçado complementar para definir a mandíbula – onde será posta a boca. As
linhas do pescoço encerram o processo.
Constatar que todos esses elementos seguem proporções harmoniosas
que “conversam” umas com as outras – tal qual um quebra-cabeças, em que
cada peça depende do posicionamento das demais para que haja o encaixe perfeito
– gera um sentimento fascinante de que existe uma lei inteligente por trás de
tudo!
O passo seguinte, ainda mais incrível, é o de esculpir
dentro do esboço original o volume das complicadas estruturas – óssea e
muscular –, responsáveis pela sustentação da face. Trata-se de um processo
demorado, mas a sensação final – após horas
colorindo – é de total deleite.
Partilhar com o leitor o processo que venho seguindo na
Oficina foi divertido!
Permita-me acrescentar só mais uma coisinha: parei de ter
medo de crânios, essa parte tão associada a conceitos macabros. Não é que agora
acho qualquer caveira engraçadinha?
“Engraçadinha? Tá louca? ” – O leitor me pergunta perplexo.
Respondo afirmativamente e lhe faço uma pergunta: já
pensou na gama de fisionomias variadas que ele expressa ao longo do dia, de acordo
com seu temperamento? Pense bem: cada uma é uma máscara! E olha que temos máscaras
para tudo! Da tristeza à alegria; da amargura à fúria; da preocupação ao medo,
e por aí vai.
Mas... porém... contudo... todavia, preste atenção, leitor: inobstante
as máscaras usadas, debaixo delas, ironicamente – estamos sempre
sorrindo – não importando se somos homem ou mulher, velho ou criança, rico
ou pobre, branco ou preto, gordo ou magro, etc.!
Acaso não teria sido esse um recado deixado pela
Natureza, do tipo “Don’t worry – Be happy”?
Ih, o leitor deve estar achando esse papo sinistro à beça,
né? Por favor, releve! Veja só por quais
caminhos enveredei, desde aquele início com lápis e cartolina. Acabei tomando outros
– mais filosóficos e metafísicos!
E tudo culpa de uma sombra que decidiu aparecer – uma manhã – no meio do meu caminho criativo!!
15 comentários:
Que texto maravilhoso, me identifiquei com essa estória que se parece muito com o que foi em relação as artes plásticas, que desde jovem me atraía e na adolescência estudei desenho e pintura. Mesmo sendo a minha principal paixão a música, nunca deixei de desenhar, pintar, coisa que faço até hoje. Eu diria que a paixão por essas duas expressões artísticas são quase que no mesmo nível.
Mas o que me fez na adolescência explorar o desenho e a pintura foi a minha paixão por paisagens, talvez por esta razão eu ame os impressionistas, mas a paixão maior e van Gogh, embora um pós impressionistas, mas não só suas paisagens, mas suas obras parecem me falam e me emocionam em cada pincelada. A arte ( todas elas)é em minha opinião uma das maiores ferramentas para expressar a emoção. Abs e SB !
E eu tenho prova da sua paixão através da bela pintura que o Sergio gentilmente me ofereceu. E guardei a sua preciosa mensagem (20.05.2022). Muito grato.
Abraços Gloriosos.
Otima crônica! Interessante todo o teu trajeto começado na infância, atraída pelos estojos de lápis coloridos e, depois de tantas idas e vindas, acabou por te levar a um aprofundamento da técnica do desenho, culminando com a descoberta de uma fascinante SOMBRA que, inesperadamente, jogou muita LUZ no teu caminho, mexendo positivamente com a tua autoestima. Pensando bem, SOMBRA e LUZ , me traz a memória as geniais pinturas de CARAVAGGIO.´Será que essa bendita SOMBRA que te surgiu de repente, não teria vindo de uma influência inconsciente daquele que foi considerado o mestre do BARROCO???? KKKKK Sei lá, vai que.... kkkk.
Parabéns pelo belo texto! Beijão!
Foi de coração, inclusive para você matar a saudade de Petrópolis, embora Secretaria seja um distrito de Pedro do Rio que pertence ao município de Petrópolis, achei que você gostaria da paisagem. Grande abraço e Saudações botafoguenses!
Eu conheço Secretário. Lugar de botafoguenses!
Havemos de nos encontrar por lá.
Abraços Gloriosos.
Eu como sua admiradora sempre percebi uma crescente evolução independente da técnica aplicada. Gosto muito cada vez mais de admirar seu trabalho.
Parabéns!!!!
Fico feliz com seu comentario e por partilhar seu amor pela Arte!
Sol de Anlarec
Ruy, agradeço sua generosidade em fazer a publicação nesse Espaço GLORIOSO!!
Grande abraço!
Sol de Anlarec
Querida, vc sempre generosa em seus comentários! Vamos continuar procurando sentido nas "sombras" q aparecem vez ou outra e q nos levam para caminhos interessantíssimos! Bjks
Sol de Anlarec
Excelente texto. Identifico-me com as Máscaras.
Sol, é uma honra dispor das suas artes literárias no Mundo Botafogo, as quais conseguem, além das suas virtudes per si, envolver conexões com outras artes e ciências que se comunicam entre si.
Grande abraço!
🥰😘
Uma preciosidade de texto! Super orgulhosa dessa amiga talentosa e que muito se dedica a tudo que faz, tendo como resultado a excelência! Parabéns, Sol! Vc brilha todo o tempo! 👏👏👏👏💝
Que lindo texto! Foi como nascer de novo! Parabéns pelo seu dom e a sua perseverança, da ludicidade à perfeição!
Querida Sol,
me emocionei com sua maravilhosa crônica!!!
Fico muuuuuito feliz com as barreiras que foram ultrapassadas, para que você pudesse desfrutar do enorme prazer que as Artes Plásticas tem a oferecer a TODOS!
PARABÉNS!!!!
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