Emoções pré-natalinas

por LÚCIA SENNA, escritora e cantora

escrito para o blogue Mundo Botafogo

Acabo de me dar conta que o Natal já chegou, ao menos nos grandes estabelecimentos comerciais da cidade. Ligo a TV e ouço a antiga musiquinha anunciando que já é Natal na Líder Magazine. Os shoppings estão todos enfeitados com imensas árvores coloridas, muito brilho, lâmpadas pisca-pisca por todos os lados e uma decoração que nos faz querer acreditar que estamos no mais rigoroso inverno europeu. Carinhosas famílias de sedutores ursinhos polares distribuindo guloseimas, fazem a alegria da criançada.  Trenós puxados por altivas e elegantes renas levam um Papai Noel magro, tristonho e abatido – a cara do Rio de Janeiro.

Nossa gente está desanimada. O carioca – sempre tão festivo – anda perdendo a pose e a piada. O bronze da pele, o riso fácil e a gaiatice na ponta da língua saíram de cena. Por onde anda a nossa famosa e memorável carioquice? Onde o bom humor, o jeito charmoso e meio largado de ser e de viver? Onde?

O Rio, sabemos, está passando por momentos muito difíceis. Dias lindos de primavera, mas de ruas tensas e inquietas. Noites vazias, restaurantes vazios, comércio vazio e uma tristeza a permear a cidade que já foi maravilhosa. Impressiona-me a angústia estampada na fisionomia das pessoas rogando aos céus pelo fim de 2017. Ideal seria, disse-me alguém, que pudéssemos deletar o Natal e todas as comemorações referentes ao Reveillon para chegarmos mais rápido em 2018. O motorista do UBER, diante da minha provocação sobre estar animado para as festas de final de ano, responde-me que está louco que passe a fase dos festejos e que o ano acabe o mais rapidamente possível.

Essas contundentes declarações me fazem pensar como nós, seres humanos, temos a necessidade do fim e do recomeço. Faz parte da nossa essência. É assim que funcionamos. Somos seres cíclicos. Precisamos morrer para renascer. Se 2017 deixou a desejar, ansiamos por 2018 que há de nos inundar de esperanças em um futuro próspero e acalentador. É como se fosse um caderno novo, cuidadosamente encapado e etiquetado, onde capricharemos na caligrafia e, em respeitoso silêncio, juramos que seremos alunos nota dez. E a jura, já se sabe, perde a validade no exato momento em que o ano avança e perde o sabor de novidade.  E, desde que o mundo é mundo, assim caminha a humanidade!

A nossa ancestral dualidade interior é tão profunda que precisamos do fim e do início. Da noite e do dia. Do sol e da lua. Da luz e da sombra. Do fogo e da água. Do ponto e do contraponto. Da vida e da morte. Somos fênix e renascemos das nossas próprias cinzas.

Estou sentada à frente do computador escrevendo esta crônica e sou interrompida pelo telefone que toca na sala. É minha prima querendo saber sobre o Natal que, segundo ela, já está em cima do laço. Parece bem animada e sugere que a comemoração seja aqui em casa. Ouço atentamente mas, confesso, porque ainda não havia pensado sobre isso, que ando numa fase de grandes turbulências interiores, bateria descarregada e adoraria ter alguém que decidisse tudo por mim. Imediatamente prontificou-se a tomar a frente e, feliz da vida, desligou o telefone.

Volto para o computador e me ponho a refletir sobre o Natal. O primeiro pensamento que me ocorre é que a data vem carregada de muitas emoções, especialmente para quem já perdeu entes queridos. Desde o falecimento de minha mãe, a festa perdeu um bocado do encanto. Conheço gente que declara taxativamente não gostar de Natal. E, mesmo os que gostam, não escondem uma pontinha de tristeza. Acho até que abusamos dos enfeites coloridos e brilhantes na tentativa de ofuscar aquela dose de melancolia que, mesmo sem ter sido convidada, insiste em permanecer na festa.  E as músicas natalinas são tão lindas que é muito difícil segurar as lágrimas diante de um Tannenbaum.

Ainda não fizemos a digestão das emoções natalinas e já temos pela frente a festa do Réveillon. E lá está Roberto Carlos – que sempre reaparece nessas datas – cantando o velho sucesso: se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.  Concordo, Roberto, mas vamos combinar que é um superávit de emoções em curtíssimo espaço de tempo. Não dá nem mesmo para respirar mais fundo e tomar um folego extra. Haja Deus!

E também não dá para fugir daquela contabilidade interna que fazemos para saber se o Balanço Geral foi positivo ou se já vamos começar o ano em débito com o mundo e, oh céus, com a gente mesmo.

Termino esta crônica exausta, pois não tenho sangue de barata, sou emotiva, manteiga derretida, não tenho nervos de aço nem tampouco coração de pedra e já sinto um certo cansaço emocional por ter que cumprir todo um ritual festivo para o qual não me sinto preparada. Não este ano!

A crise que se abateu sobre o Rio de Janeiro, somada às nossas crises individuais, deixa-nos com o corpo mole, como quem levou uma surra violenta e injusta.

Ligo de novo a TV e ouço mais uma vez que “Já é Natal na Líder Magazine “. Os supermercados oferecem preços promocionais para quem se aventurar a comprar dois panettones de uma só vez e a SADIA anuncia que preparou a maior e melhor seleção de perus natalinos e tudo o mais para deixar a festa mais gostosa e aconchegante.

Que fofos! E nós insistindo em falar de crise. Que absurdo! Vou te dar uma boa sugestão: invista na compra promocional de dois panettones recheados com gotinhas de chocolate e tenha um Natal inesquecível.