[Nota preliminar do Mundo Botafogo: Geneton Moraes Neto faria ontem 62 anos de idade. Nasceu no Recife a 13 de julho de 1956 e faleceu no Rio de Janeiro a 22 de agosto de 2016, tendo sido jornalista e escritor. Geneton era torcedor do Sport em Recife e do Corinthians em São Paulo, enquanto no Rio era inicialmente Flamengo, mas rapidamente a sua lucidez lhe indicou o bom caminho: – “Virei a casaca. Passei de Flamengo para Botafogo e vivo um drama de consciência” – revelando a O Globo, em entrevista de 08.06.2010, que escolheu inicialmente o rubro-negro pela relação cromática do time com o Sport, mas que acabou se encantando pela história do alvinegro carioca.]
por PAULO MARCELO SAMPAIO,
jornalista
Publicação
autorizada pelo meu querido amigo Paulo Marcelo Sampaio
Geneta!
Há
poucos dias estive em Recife. Preferi o Centro Velho à praia de Boa Viagem. Fui
em busca de resquícios. Procurei, inutilmente, o Bar Savoy, abrigo tanto do meu
pai, então universitário, como seu. A sujeira assusta. A pobreza, ainda mais.
Mas a cidade, mesmo maltratada, é bela, imponente. E parece cultuar o passado.
Lá está a estátua de Capiba, mão direita levantada a saudar o Galo da
Madrugada. Porque o carnaval, todo o carnaval começa ali, no Galo da Madrugada.
E decido, como Capiba, andar pela cidade. Não percorro bairros distantes como
ele em "Recife, cidade lendária". Fico por ali mesmo. Ao lado de
outra estátua, bem modernista, a do carteiro, um camelô vende envelopes e
canetas. Canetas dos clubes da capital. Garanti duas, do Sport, pros seus
netinhos, que devem estar sentindo sua falta nessa época de Copa.
Os
jardins não estão tão lindos assim e não há mais velhos lampiões, como na velha
música. A febre do momento são os vendedores de capas e películas para celular;
estão por todos os lados, em muitas calçadas na avenida Conde de Boa Vista.
Naquele bairro, há uma boa concentração de sebos. Num deles, seu livro sobre a
Copa de 50 estava lá, na promoção, a dez reais. O preço baixo motivaria, claro,
brincadeira entre nós.
Algumas
pontes ainda conservam luminárias antigas. O casario da rua da Aurora recebe os
últimos raios de sol. E com eles o andar frenético de trabalhadores loucos pra
chegar logo em casa. Vagando pelas ruas, um grupo de meninos carentes espera
por uma alma caridosa. Qualquer pastel, qualquer pedaço de sanduíche grego de
carne de sol é bem-vindo.
Fui
também ao estádio do Arruda, acredite, ver um jogo da Série C – isso mesmo, o
Santa Cruz está na série C – do Brasileirão. Quando o Santinha entrou em campo,
lembrei de Ramon e Nunes, alcançados pela lente de sua câmera Super-8 naquele
seu curta antigo. E não pude me esquecer quando você, ainda muito jovem, corria
atrás dos craques da seleção que disputaria a Copa de 70. Os 'fi-de-uma-égua' e
os 'felas da puta' me faziam rir, além da ambulante que anunciava galetos
salgados e doces, mais conhecidos por aqui como pipocas. Tonho, do meu lado,
informa que pipoca só é galeto dentro do estádio. Fora dele, é pipoca mesmo. Vá
entender seus conterrâneos, Geneta...
Assim
como Veneza, há a opção de navegar. Naveguei pelo Capibaribe. O sol do outono
não faz suar, mas queima. A meu lado, um amigo aponta as torres gêmeas que
ficam perto do cais de onde saímos num catamarã. Lá de cima – diz ele – um
empresário, encrencado com empreiteiras, jogou sacolas de dinheiro pela janela.
"Foi a maior queda livre de cédulas de toda a história", comenta,
ironizando a tão falada mania de grandeza dos pernambucanos. Passamos por baixo
da primeira ponte - outrora ponte móvel - e logo me recordo da cena de um documentário,
o seu melhor documentário. No início da fita, uma "Evocação número 1"
diferente. O som de uma guitarra a la Robertinho do Recife sonoriza as imagens
rio adentro, invadindo os flancos de um velho rio tão maltratado. A guia,
microfone na mão, é uma senhora de meia idade; uma galega, provavelmente
descendente de Maurício de Nassau, que dominou as suas terras por 24 anos. E se
o conde estivesse ficado por aqui? Imagine, amigo, pernambucanos-holandeses sem
ninguém pra torcer nessa Copa?
Enquanto
na margem esquerda, esqueletos de obras do "Minha casa, minha vida"
são o retrato da corrupção, do outro lado as palafitas envergonham. O cenário
desolador não impede o aceno ingênuo do negrinho. Mesmo vivendo assim, ele
sorri. Não dá para avistar o estádio da Ilha do Retiro. Mas o Leão está
presente numa casa à beira-rio. Uma casa simples, pintada de vermelho e preto,
a sede de remo do Sport Club. Atolado num lamaçal, pertinho do baobá mais
famoso da cidade, um jacaré, imóvel, resiste. Como nós.
O
catamarã avança e não penso adiante, só no passado. As atrações por ali são
melancólicas. Vejo a estátua de Manuel Bandeira. Logo em seguida, de João
Cabral. E a guia nos aponta Ariano Suassuna, paraibano de nascimento e
pernambucano de coração. Há no passeio uma nostalgia. Uma nostalgia que eu não
queria sentir. Mas logo lembro de outro pernambucano, Nelson Rodrigues. "O
morto esquecido é o único que descansa em paz", dizia ele. Nesses tempos,
velho amigo, é difícil esquecer você.
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