Crédito da imagem: revista Placar –
abril de 2000
por PEDRO J. BONDACZUK
“Sempre que me lembro da Seleção Brasileira de 1970, ou que alguém, ou
algum jornal ou canal de televisão a menciona e que, para muitos, foi a melhor
que o Brasil formou em todos os tempos – no que discordo, pois considero, pela
ordem, que as de 1958 e 1950 lhe foram superiores – vem logo à memória o nome
de um sujeito controvertido, sumamente injustiçado pela posteridade, mas que
merece nosso respeito e reverência: João Saldanha. Foi ele que incutiu nos
nossos jogadores uma filosofia vencedora e montou a estrutura que acabaria
bem-sucedida no México, sob outro comando (o de Zagallo) e não mais o seu. Era,
sobretudo, homem ousado (muitos classificavam-no de atrevido), de firmes
convicções e personalidade forte. Tanto que ficou conhecido nos círculos jornalísticos
– dos que não se renderam à ditadura militar, pois a maior parte aderiu, e
alguns com entusiasmo ímpar, ao que classificavam de “revolução redentora” –
como João Sem Medo.
Sua coragem era tanta, que às vezes raiava à temeridade. Mas o futebol
brasileiro, humilhado em gramados ingleses, precisava, naquele momento, de um
líder desse porte. E ele foi a pessoa certa no momento adequado. Pena que
poucos reconheçam. […]
Em 1969, João Saldanha foi convidado pela então CBD para comandar a Seleção
Brasileira, desmoralizada e combatida, sem nenhuma credibilidade após o fiasco
de 1966. João Sem Medo não era de fugir de desafios. E não fugiu desse. […]
João Saldanha, antes de tudo, investiu na recuperação do moral dos nossos
atletas que, desde 1950, tinham fama de “pipocarem” diante de adversários mais
viris. Exigiu-lhes garra, muita garra, sem medo de cara feia, pois técnica eles
tinham para dar e vender. […]
João Saldanha disse que os atletas que convocasse, e que viesse a escalar,
teriam que ser, antes de tudo, valentes. Pretendia formar uma equipe de “onze
feras”. Afirmava que seus selecionados não poderiam se inibir diante da
truculência dos que pretendessem nos vencer na base da pancada. Ou seja,
defendia que a Seleção fosse técnica diante de adversários técnicos, mas forte
e viril com os que recorressem somente à força. Foi então que surgiram as tais
‘Feras do Saldanha’. […]
Ficou famosa uma briga de Saldanha com o técnico Dorival Knipel, conhecido
como Yustrich, então treinador do Flamengo. Era um sujeito truculento que
(dizem) chegava até a bater em jogadores que não seguissem à risca suas
instruções. Nosso João Sem Medo, contudo, não “afinou” diante do tal valentão.
Encarou-o, de revólver na mão, e a coisa só não foi mais longe por causa da
providencial intervenção da turma do “deixa disso”. E ademais, inexperiente ou
não, bom ou mau, o fato é que Saldanha, com um time base que era mescla do
Santos e do Botafogo, as duas melhores agremiações do País na época,
classificou o Brasil para a Copa do México e jogando bem. Foi o caso do bonito
e do eficiente. […]
Por isso, quando exaltarem o reconhecidamente bom trabalho de 1970, não se
esqueçam de quem pegou uma Seleção desmoralizada, esfacelada, ferida e
desmotivada e a entregou a Zagallo rejuvenescida, aguerrida e com espírito de
campeã”.
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