sexta-feira, 12 de março de 2021

Drible de grego

por RUBENS LEMOS

Museu da Pelada

Quem é, de fato, o algoz e quem expõe pavor na expressão corporal? A foto é de 1963, do primoroso jornalista Oldemário Touguinhó, do Jornal do Brasil. Nela, Garrincha está em alegria plena. Executaria o mais lindo dos fundamentos do futebol, Garrincha que dele foi pai: o drible. […]

O drible é a supremacia irreverente e absoluta de um homem sobre outro sem violência e com esbanjamento do verbo improvisar. Reverencio o driblador. Reverenciava, porque hoje não existe mais. […]

O drible é a flor da mulher amada, mesmo que não aceite o ramalhete. O drible consegue unir na fração do segundo, o cérebro e os pés pela ponte da inteligência sagaz, da artimanha vocacional. […]

Amo o drible. Amo Garrincha. Que driblava sem intenção de humilhar e humilhando. Amigos, Garrincha, em três minutos contra a Rússia em 1958, fez o jogo pender ao lado direito, deixando companheiros e adversários perplexos com o baile no pobre lateral Kusnetsov, que entrou em colapso emocional no intervalo.

Garrincha pairava sobre os estádios, campinhos e várzea nas ventanias sudoestes, pessoalmente ou em forma de fantasma anarquista. Durante e depois de Garrincha, todos os laterais-esquerdos do mundo entravam em campo amedrontados, quase a pedir um segurança armado por 90 minutos. […]

O mais belo entre os dribles de Garrincha está no replay de Brasil 2x1 Espanha na Copa do Mundo que Mané ganhou sozinho tal Maradona em 1986 e Romário oito anos depois. Mané está na linha lateral pela direita do ataque canarinho. Recebe, embalado em papel machê, o passe de Didi, o criador.

O marcador da Espanha, de suntuoso nome, Echeberría, parte com a fúria taurina de um Bodacious, o mais violento. Garrincha recebe a bola e cria sua câmera lenta pessoal. Na recepção a Echeberría, resolve avacalhar a cena.

Dá um toque, o perseguidor derrapa como trem sem condutor. Echeberría não consegue freio. Garrincha, ao primeiro bater na bola, toureiro, afasta o corpo, gira-o à frente do campo e segue enfileirando espanhóis ao sabor de Paella. Echeberría virou joia de quinta categoria.

Então, meu amigo de diálogo, monótono por formatação, senti uma piedade plena do pobre homem de camisa 2. O sorriso de Garrincha prenuncia a humilhação habitual e dominical de seus inúteis perseguidores. […]

O drible tragicômico. Eis o que descreve a fotografia. Falando como se oradora fosse, versão mulher de Demóstenes, retórica impecável da Grécia antiga. Demóstenes, o grego, nunca soube o que era um drible de Garrincha, capaz de entortar pórticos e colunatas milenares.

Texto completo em http://www.museudapelada.com/resenha/drible-de-grego

6 comentários:

leymir disse...

Olá Ruy!

Texto lindo, personagem lindo, assunto lindo, tudo aí é de grande beleza.

Viva o Mané!

Ruy Moura disse...

Poesia e romantismo! O MUseu da Pelada é muito bom!
Grande abraço, companheiro.

leymir disse...

Esse em especial, o Rubens Lemos, é talentoso demais. Eu babo em seus textos.

Um outro que faz um bonito trabalho de pesquisa, é o André Luiz Pereira Nunes, com quem aprendo muito.

Existem outros craques, mas tá faltando um texto do Ruy Moura, seria excelente!

Como se chama museu da pelada, tem que ter espaço também para o perna de pau, e lá tenho desempenhado esse papel! Hahahha

Um grande abraço, professor!

Ruy Moura disse...

É talentoso, sim.

Já tive colunas em diversos portais e blogues nestes 13 anos de Mundo Botafogo, mas confesso que com a pobreza do futebol brasileiro e botafoguense - os portais só querem falar de futebol - fartei-me. Deixei de escrever, exceto no Mundo Botafogo, e pouco. Perdi o estímulo para comentar sobre futebol, e até mesmo produzir matérias apologéticas como fiz no passado. Talvez um dia a vontade regresse. Por agora, o estímulo da escrita - que é a minha principal paixão - continua toda dedicada à produção de livros, capítulos e artigos científicos.

Grande abraço.

jornal da grande natal disse...

Rubinho, para os mais intimos, eh potiguar. Filho do falecido comentarista esportivo Rubens Manoel Lemos.

Ruy Moura disse...

Muito interessante a vida de Rubens Manoel Lemos, torturado pela ditadura militar, exilado, nobre figura potiguar com homenagem pública dando nome à Escola Municipal Jornalista Rubens Manoel Lemos. Obrigado, Maninho.

Abraços Gloriosos.

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