por
ESPAÇO CULTURAL MANÉ GARRINCHA
in Jornal Aroeira
13 de junho do presente ano [2015]. Data de oito anos de
nosso Espaço Cultural. Casa cheia, o maior número de ateus por metro quadrado.
[…] De repente, não mais que de repente, uma voz ecoou pela sala:
- Para Mané. Para Mané…; para Mané, para Mané, para Mané!
Os presentes não temeram o brado forte e, acompanhados
por um pandeiro, responderam em uníssono:
- Para Mané. Para Mané…; para Mané, para Mané, para Mané!
De súbito, como que de um imortal só outro imortal saberá
dizer, Vinícius veio até nós para saudar O Anjo das Pernas Tortas:
“… o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois
descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se
lança
Mais rápido que o próprio
pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola
trança
Feliz, entre seus pés – um
pé-de-vento!”
Após essa entrada triunfal do poetinha os incrédulos
caíram na graça e passaram a invocar toda sorte de espectros. E mesmo espírito
reacionário […] não se intimidou em baixar por lá:
“… Porque Garrincha não acredita
em ninguém e só acredita em si mesmo. Se tivesse jogado contra a Inglaterra,
ele não teria dado a menor pelota para a rainha Vitória, o lorde Nelson e a
tradição naval do adversário. Absolutamente. Para ele, Pau Grande, que é a
terra onde nasceu, vale mais do que toda a Comunidade Britânica. Com esse
estado de alma, plantou-se na sua ponta para enfrentar os russos. Os outros
brasileiros poderiam tremer. Ele não e jamais. Perante a platéia internacional,
era quase um menino. Tinha essa humilhante sanidade mental do garoto que caça
cambaxirra com espingarda de chumbo e que, em Pau grande, na sua cordialidade
indiscriminada, cumprimenta até cachorro.”
Ora, mas se até Nelson Rodrigues ali fez das suas, não seria o revolucionário Carlos Marighella que brilharia por ausência. Ele, que entregou a vida por sua gente, assim cantou em versos A Alegria do Povo:
“Um drible impossível…
Garrincha sai por um lado,
E o adversário se estatela no
chão.
Gargalhada geral,
O Maracanã estremece…
[…]
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
No balé estonteante
Do futebol brasileiro.”
E a coisa não parou por aí. Ainda que nossa pouca
experiência em ciências ocultas não nos autoriza a palpitar sobre o tempo de
incubação das almas na pós-morte, o fato é que a boa alma uruguaia de Eduardo
Galeano, morto recentemente, também se fez presente para a justa homenagem a
seu Mané:
“… nome de um passarinho
inútil e feio. […] Era um pobre resto de fome e de poliomielite, burro e manco,
com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e as duas pernas tortas para
o mesmo lado. Nunca houve um ponta direita como ele […] o homem que deu mais
alegria em toda a história do futebol…”
Mas se a alegria um dia vai embora, a esperança tarda em
janela drummondiana aberta ao mundo para, quem sabe, novamente vê-la passar em
sonho de indescritíveis pernas tortas. Descendo para uma boa prosa, disse o
mineiro de Itabira sobre Mané e o Sonho:
“Foi um pobre e pequeno mortal
que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas
voltam e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos
alimente o sonho.”
Assim fechamos nossa sessão espírita (sic) sem pedir
piedade a ninguém. Os tempos são difíceis e a sorte está lançada. Não iremos
retroceder. […] Lutaremos até o fim, fazendo nosso o conselho dado pelo poeta
concretista Décio Pignatari, na indicação pelo também poeta Souza Lopes, quanto
a Garrincha não ceder em fim de carreira às tentações da piedade assassina:
“Recuse a piedade assassina, seu
Mané! O que você desaprendeu pode ser aprendido de novo. Lute até o fim como o
Corisco diabólico do filme genial de Glauber Rocha! “Mais fortes são os poderes
do povo!” Onde a Comissão Técnica vai arranjar quatro pontas-direitas iguais a
você?
Três?
Dois? Um? Nenhum – se você se recuperar!”
É isso ai. Oito anos se passaram. A história continua. SEM PIEDADE MANÉ!
12 comentários:
Olá Ruy!
Hoje não comento, só bato Palmas!
Abração meu amigo!
Então... PALMAS!!!
Grande abraço.
Olá Ruy,
Iria postar no post do amor pelo rival mas não consegui acessar.
Peço licença ao sempre generoso mestre Garrincha, para lembrar que hoje é o centenário de Barbosa!
Se acreditassem em cliches, diriamos que Barbosa e Garrincha são praticamente figuras antagônicas, mas na verdade não são.
Garrincha não era todo tempo alegre e nem Barbosa o eterno amargurado como tentam vender. Ambos são gigantes e vitoriosos, mais Garricha que Barbosa mas esse não é um jogo de competição.
Esse é um jogo de encontros, encontro de dois craques, dois vitoriosos, de um goleiro negro de baixa estatura, com um caboclo de pernas arcadas. Dois anjos que conheceram através da bola o doce e o amargo da vida.
Graças ao bom Deus, mais doce que amargo.
Vida eterna aos dois gênios, a quem o futebol exigiu chagas depois de inúmeros milagres e que pra mim é a comprovação de vossas santidades.
Viva Mané, Viva Barbosa!
Barbosa, o 'Injustiçado'. Os culpados do 'Maracanaço' foram outros... Grande goleiro!
Abração.
Penso que os culpados não estavam em campo e nem no banco comandando.
Estes chegaram a final com um futebol de encanto.
Os Gênios da CBD que tiraram a seleção do Joa, e armaram o circo para variados políticos a usarem como trampolim eleitoral, são para mim os culpados.
Não culpo Barbosa, nem Bigode, nem Flávio Costa que tiveram erros e acertos nesse jogo, como também os craques Zizinho, Jair Rosa Pinto, Príncipe Danilo e Ademir Menezes.
Todos esses erraram compromissados com a vitória, eu culpo quem errou compromissado com a política.
Aqueles dirigentes que antecipam os que dão as cartas hoje, gente da mesma estirpe.
Abração Ruy!
Eu concordo que os cartolas foram uns estupores. Em 1950 como em 1966, como depois de 1970, mas... na minha ótica ainda há mais culpa... Aliás, creio que já lhe disse a minha opinião sobre 1950. O experiente Obdulio Varela fez o que quis em campo. Foi ele que ganhou em campo, e o Brasil perdeu no banco.
Abração, companheiro.
Sim, claro que lembro e respeito muito.
Eu acho que Flávio Costa falhou por não escolher Nilton Santos e por pedir para o Brasil não jogar com vigor.
Bigode normalmente não iria aliviar Ghiggia, mas teve medo de parar a jogada com falta e daí vir o gol do Uruguai.
Mas o próprio Bigode foi tirado a bailar nesse lance, e Barbosa se não falhou, toma um gol que tinha categoria mais que eficiente para evitar.
Para mim esses são erros de jogo, não falo por amor a Flavio Costa o alicate! (Eu lembro) Mas esses equívocos para mim sintetizam o péssimo ambiente e condução para aquela final.
Zizinho, Jair, Danilo e Ademir também estiveram muito abaixo do normal.
Nessa aqui nós dois pensamos um pouco diferente o que não é problema algum.
Quanto a Obdulio ele foi a alma daquela partida, eu concordo. Não havia liderança nem dentro nem fora de campo para cala-lo. Mas esse Brasil já havia vencido em outras ocasiões o Uruguai de Obdulio.
Acho que Flávio Costa já estava em declinio sim, mas não consigo coloca-lo como o culpado.
Abração, Professor!
E não só Nilton Santos, Leymir. FC tivera arrufos com Heleno de Freitas e não contou com ele. Como podia FC dar-se ao luxo de dispensar NS e HF?... Um erro trágico, porque com HF em campo o Obdúlio não faria o que fez. Heleno foi o líder que faltou em campo. Um dia destes publico algo sobre isso.
Abração, meu amigo.
Querido amigo,
Não sei se continuo por aqui ou pelo e-mail. O que pesquisei e posso ter pesquisado mal, aponta que Heleno já declinava desde 48. Tenho medo que questionar Heleno no blogue pode ser confundido com mau clubismo da minha parte, e não se trata mesmo disso.
Heleno de 40 a 47 foi um dos maiores atacantes de todos os tempos, mas após isso cada ano teve um peso terrível a sua sanidade e futebol o que o fez terminar a carreira em 51 com apenas 31 anos de idade.
O Heleno de 50 não era perto do Heleno fantástico de 45, aonde foi artilheiro da seleção brasileira no sul americano e vencendo com seu protagonismo o Uruguai de Obdulio por 3 x 0 com dois gols seus. Este Heleno seria imprescindível e formaria ao lado de Ademir, Zizinho, Jair Rosa Pinto um dos ataques mais fortes da seleção em todos os tempos.
Ele fracassa no Boca, ele vai mal no Vasco e podemos até entender que existe aí culpa de Flavio Costa, embora o mesmo Flavio Costa o tenha convocado para Copa Roca e sul americano de 45, em ambas competições foi titular e artilheiro.
Regular na Colômbia e quando volta ao Brasil em 51 já não consegue mais jogar, apresentando confusões mentais inerentes a doença e infelizmente seu vicio.
Heleno titular absoluto da seleção brasileira de 45 convocado por Flavio Costa, não se firma no expresso da vitória em 49 comandado pelo mesmo treinador.
Posso ter pesquisado mal e estou disposto a aprender, não fecho opinião e quero muito te ouvir. Mas até aqui acredito que o Heleno de 45 jogaria em qualquer seleção do brasil de qualquer copa, o de 49 e 50 não.
Um abração, e tenho certeza que vai entender que não estou comentando de mau espirito.
Espero ansioso por tua opinião.
Meu amigo, respeitando as suas leituras, a minha opinião é diversa. Já depois de 48, Heleno foi campeão pelo Vasco e boicotado pelos colegas, mas Flávio Costa simplesmente nunca gostou de Heleno de Freitas por ser um homem difícil que não se submetia ao possesso treinador que dominava tudo e todos. F. Costa nem se preocupava com o boicote que os outros jogadores faziam a Heleno no Vasco da Gama (talvez até o tenha atiçado), porque ele próprio o queria fora. O auge foi aqui: “Estes dois [Heleno apontou Maneca e Ipojucan] não me passam a bola porque não querem. Aqueles [indicou] não passam porque não sabem. Não tenho nada a fazer aqui.” Depois discutiu com Flávio Costa e a coisa desabou definitivamente. O ‘Príncipe Maldito’ era difícil, mas Flávio Costa não era melhor, e se achava o máximo. E com muitos erros de palmatória, como não perceber, já em 1962, além do colossal fiasco de 1950, e com vários anos de carreira, que colocar Gérson a marcar Garrincha era simplesmente abdicar da criação da sua equipe e dar o título de mão beijada ao Botafogo sem grande esforço.
Claro que a personalidade difícil de Heleno prejudicou-o, mas sobre o pseudo-declínio de Heleno em 48 há mais: F. Costa despachou-o para o colombiano Júnior de Barranquilla (1949 e 1950), e o jogador estava tão em declínio que o maior escritor da América Latina de todos tempos, Gabriel Garcia Márquez (em minha opinião, que sou fã da sua literatura), admirou profundamente Heleno e escreveu que “Heleno poderia ser romancista criminal soberbo, pelo seu senso de cálculo, seus movimentos calmos de investigador e os seus resultados rápidos e surpreendentes”. E, em menos de nada, quando saiu do clube colombiano ergueram a Heleno de Freitas uma estátua intitulada ‘El Jogador’. ‘O Jogador’, o tal, nada menos do que isso. E em tempo de ir à Copa do Mundo de 50, coisa que nunca ocorreria com F. Costa.
Na verdade, o único problema dele era a sua personalidade difícil e por isso acabou isolado, condenado pelo mundo do futebol. Um mundo, ele próprio, de perdição.
Mas ‘perfeição’ futebolística como a dele nunca existira até aquela época, e só um Clube muito especial, capaz de respeitar e acolher ‘loucos’ ou ‘quase-ingeríveis’ como Afonsinho, PC Caju, Marinho Chagas Túlio, Loco Abreu e tantos outros, poderia ter nas suas fileiras Heleno por mais de dois anos.
Grande abraço.
Linda resposta Ruy, gostei muito de ler.
E concordo que o Botafogo é um clube especial e também que Heleno foi um grande da história do futebol.
Abração!
Grande abraço, Companheiro!
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