por NELSON RODRIGUES
| Jornalista desportivo (1912-1980)
In Jornal dos Sports,
11 de julho de 1959
Gentileza (Acervo) de ANGELO ANTONIO SERAPHINI
[Nota preliminar: O texto reproduz fielmente a escrita da época.]
1 – Acho que, se fizermos amplas e meticulosas investigações no passado do ser humano, verificaremos o seguinte: – o homem já foi cavalo, algum dia. Ou, aliás, não pròpriamente cavalo, mas centauro. Desde criança que tenho uma admiração imensa por centauros. E vamos e venhamos: – como não admirar um ser que é metade homem e metade cavalo?
2 – Naturalmente os centauros existiram há milênios e milênios. Mas como eu ia dizendo: – há sujeitos que, ainda hoje, nos modos, nas patas, nas idéias, traem a condição de ex-quadrupedes. E só admira que êles não se ponham a relinchar e dar coices no próximo. Pois bem: – no esporte e, particularmente, no football, esbarramos, de vez em quando, com dirigentes que lembram os velhos centauros.
3 – Eu não vou citar nomes, evidentemente. Conheço, porém, um paredro centauro. Mas um centauro especialíssimo, que fôsse metade cavalo e a outra metade também. E se algum dia, eu o visse, na Presidente Vargas, cavalgado por alguém, não me admiraria nada. Pelo contrário: – acharia o fato absolutamente normal. Então, pergunto: – como reconhecer o centauro esportivo entre os que não o são?
4 – Amigos, parece difícil essa identificação, mas é fácil. Digo mesmo: – facílima. Geralmente, o que caracteriza o centauro é a sua voracidade. Sua medida de valer o dinheiro. Acha que tudo se vende e tudo se compra. Tem um problema único, que é o do preço. Exulta quando está com o bôlso cheio de amarelinhas. Em conclusão: – sempre que aparece, aqui, um emissário espanhol, encharcado de pesetas, o centauro põe-se a dar coisas de euforia equestre.
5 – Ora, o que confere a um sujeito a dignidade humana é, justamente, um certo patrimônio de bens inegociáveis, inalienáveis. Ou êle conserva esses valores intocáveis ou, então, já será muito mais cavalo e muito menos homem. Felizmente, nem todos, entre os dirigentes do football brasileiro, agem e reagem como centauros. Cito, desde logo, um exemplo, o Sr. Paulo Azeredo. E que fêz êle para que eu assim o destaque e assim o exalte?
6 – O Sr. Paulo Azeredo declarou, com a ênfase necessária, que Garrincha é inegociável. Amigos, há certos gestos e certas palavras que definem um clube. Quando o Sr. Paulo Azeredo disse que não vendia Garrincha nem a tiro, êle estava sendo Botafogo da cabeça aos sapatos. O Botafogo é assim, sempre foi assim. Desde o tempo em que Osni jogava de toalha ao pescoço, êle mantém um panache que nada modifica, nada diminui.
7 – Ao mesmo tempo, sem o querer, o Botafogo, pela bôca do Sr. Paulo Azeredo, deu uma luminosa e incisiva lição de vida. Há, nos momentos, no destino de um povo, de um homem ou de um clube em que é preciso chutar milhões. Eu falei de povo e cito o próprio exemplo do Brasil. O Brasil está de tanga, porque tem valores inegociáveis. Mas de tanga e, até, sem ela, êle constrói, vertiginosamente, a sua grandeza. É o que lhe dá fôrças, muito mais do que daria o dinheiro, é a sua pobreza, desaforada. Poderia nadar em ouro, se vendesse os tais valores sagrados.
8 – Amigos, o Sr. Paulo Azeredo e, por êle, o Botafogo, tiveram um pouco, a altivez do Brasil moderno, quando chutaram os milhões da Espanha. Fôsse outro presidente, que não o Sr. Paulo Azeredo, e outro o clube, que não o Botafogo, talvez trocassem Garrincha por quarenta dinheiros. Mas ai daqueles que vendem tudo! O football também tem a sua Providência Superior que dá medalhas ao mérito e castiga a iniquidade.
9 – Bela atitude, que devemos aplaudir aos berros. Pena é que nem todos façam isso. O football espanhol está querendo ser uma espécie de rapa no football brasileiro: – quer levar os heróis da bola, em nosso país. E é preciso fazer como faz o Botafogo: – correr com os milhões, escorraçá-los, enxotá-los, olé!
Nota do Mundo
Botafogo: A SAF Botafogo parece trazer um novo paradigma de gestão desportiva
moderna a que o país não estava habituado, incorporando nova visão, novos
métodos e novas gentes. Que saiba manusear milhões tendo em consideração que,
embora num quadro de sistema capitalista, trata-se de uma agremiação desportiva
cujos «clientes» são sócios apaixonados e não acionistas ávidos de lucros. Boa
sorte em 2023!
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