terça-feira, 11 de abril de 2023

Garrincha, maior que o Império Britânico

Nota preliminar: o texto publicado respeita rigorosamente a ortografia da época utilizada pelo autor.

por NELSON RODRIGUES | Jornalista desportivo

1 – Amigos, o jôgo Brasil x Inglaterra foi tão formidável que estava a exigir uma crônica como nunca se viu. Não falo pelos ingleses. Não. Os nossos caríssimos adversários entraram lindamente pelo cano. Quem mereceu ser cantado pelos homeros, pelos dantes, pelos gôngoras, é o scratch brasileiro. Anteontem, o Brasil foi simplesmente Brasil. Resultado é que enfiamos a Inglaterra numa banheira de mármore, uma banheira de Cleópatra, e a levamos, gloriosamente.

2 – Assim é o brasileiro de nossos dias. Quando êle dispõe a ser brasileiro, simplesmente brasileiro, precisa de dez para segurar, como o chinês da anedota. Mas dizia eu que o jôgo merecia uma crônica inédita. E, de fato, escrever sobre a batalha é uma grave função homérica. O cronista precisaria de uma ênfase, de uma efusão, de uma potencialidade verbal, que só encontramos nos nossos poetas gigantescos. Por exemplo: – Camões devia estar lá, com o seu ôlho vasado, tomando notas.

3 – A simples objetiva crônica convencional é muito pouco. Brasil x Inglaterra pede os longos, os largos poemas, cheios de infinitos. De um lado, o Império Britânico vivendo a Paixão; de outro lado, o Brasil vivendo a Aleluia. A Inglaterra não fez nada, rigorosamente nada, senão agonizar diante de nós. E vamos admitir, por hipótese, que o scratch brasileiro não tivesse onze homens, mas um só; e que esse homem fosse Garrincha.

4 – Pois bem. O Brasil atravessa um momento tão genial que sòmente Garrincha, solitário e épico, derrotaria o inimigo. Entre parêntesis, uma observação. Andam uns dráculas negando o Mané. Parece incrível, mas existe, na terra, quem discuta o fabuloso jogador. E uma coisa eu vos afirmo: – Deus, lá no alto, está tomando nota dos que rosnam contra Garrincha. E êles serão devidamente massacrados no Juízo Final.

5 – Fecho o parêntesis e continuo. Amigos, todo o scratch brasileiro, anteontem, estava em estado de graça, em estado de anjo. Só Gilmar é que, em dado momento, resolveu fazer um golpe de vista. Veio uma bola camarada, que êle devia apanhar, com toda a tranquilidade. Gilmar cruzou os braços, a bola bateu na trave e voltou para um inglês cabecear. Foi um goal dado. Houve êsse reles senão e nada mais. O scratch apresentou jôgo para uma escandalosa goleada.

6 – Mas como eu ia dizendo: – Nessa equipe de jogadores colossais, Garrincha foi muito mais colossal e se colocou num plano único e deslumbrante. Os bôbos, os retardados, os lorpas acham que um Pelé ou um Garrincha não ganha, sòzinho, um jôgo. Pois bem: – eu afirmo, sob a minha palavra de honra, um ou outro tem gênio para ganhar um jôgo, para papar um campeonato e, mais do que isso, um bicampeonato.

7 – Amigos, o que Garrincha andou fazendo, anteontem, transcende a nossa pífia, a nossa chôcha, a nossa impotente adjetivação. Dizer que êle foi “bom”, “ótimo”, “excelente” – é ridículo. Eu imagino que estivesse, aqui, em meu lugar, não o tímido verbal que eu sou, mas um Camões, ou um Homero, ou um Dante. Por exemplo: – Homero diria, com a sua cálida ênfase, textualmente, o seguinte: – “O que Mané fêz com a Inglaterra foi pior do xingar a mãe.”

8 – Acontece que o Brasil não anda com sorte nenhuma. Com a Tcheco-Eslováquia, Pelé teve aquela distensão. E sabemos, todos, que a distensão de Mané foi, para nós, uma tragédia nacional pior do que a de Canudos. Jogamos com dez homens. Com a Inglaterra, Amarildo, o possesso, teve outra distensão. Eis o Brasil, pela segunda vez, com dez homens. Graças a Deus, Garrincha vale, sòzinho, por um scratch. E, assim, não houve inferioridade numérica.

9 – Eu diria que o Mané marcou todos os goals. E, realmente, êle fez dois e deu um. Dizer que um homem dêsses “prende a bola”, é uma blasfemia. Semelhante restrição só ocorre a um necrófilo. Eu dira que, pelo contrário: – o Mané não deve passar a bola para ninguém. E pergunto: – por que é que Deus lhe conferiu tantos dons? Para que êle fique com a bola, para sempre, ou até à consumação dos séculos.

Fonte: Jornal dos Sports, 12.06.1962.

2 comentários:

Sergio disse...

Por isso que na época perguntaram de que planeta veio o Garrincha, um verdadeiro fenômeno.
O curioso é que apesar de ter feito o que fez, parece que a mídia brasileira propositalmente fala pouco do Mané, talvez por ser do Botafogo, clube que quem não torce para o Glorioso é sistematicamente boicotado, como certa vez um comentarista na copa deo mundo, se não me falha a memória a de 2018, disse que depois do Pelé o Neymar era o jogador mais importante da seleção brasileira! Em termos de seleção eu considero o Garrincha o jogador mais importante que o Pelé pelo que o Anjos das pernas tortas fez em duas copas.
Bom, se o Garrincha tivesse sido jogador vice 4 vezes esse ano, com certeza seria o maior jogador do universo. ABS e SB!

Ruy Moura disse...

Claro que sempre foi esquecido por causa do Botafogo! A inveja dói... Os paulistas naturalmente relevam Pelé, os cariocas, comandados pelo FLAPITO e FLAGLOBO, claro que têm que obscurecer o Grande Garrincha para enaltecer o pequeno Zico.

Neymar poderia ter sido um dos maiores jogadores de futebol todos os tempos, mas nem lembrado será no futuro. O caráter dele destruiu a sua potencialíssima carreira.

A sua última frase é CERTEIRÍSSIMA!

Abraços Gloriosos.

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