por SOL DE ANLAREC | Colunista do
Mundo Botafogo
Há um ano atrás, num raro encontro com primos
d’além-mar, um deles me repassou documentos que obtivera após pesquisa sobre
nossos antepassados. Soube, então, quais eram os nomes de meus bisavós e
trisavós paternos!
Chegando em casa, montei um quadro, e,
partindo do meu nome, fiz toda a cadeia retroativa até chegar aos meus oito
trisavós. Os ponteiros do relógio do tempo retrocederam aproximadamente 200
anos na minha cabeça. Que bizarro!! Aqueles desconhecidos tinham gerado meus
dois avós; e estes, meu pai!
Cara, que fantástico!! Impossível não
desenvolver uma certa ansiedade sobre essas pessoas. Se fôssemos todos da
nobreza, não haveria qualquer dificuldade para conhecer seus rostos e saber de
suas vidas.
Mas, como não é esse o caso, acabei
engrenando uma verdadeira viagem na maionese, fantasiando sobre suas aparências
e seus cotidianos. Só consegui imaginar o quanto a vida lhes deve ter sido
dura! Pensem numa isolada aldeia portuguesa aos pés da Serra da Estrela, em
pleno século 19!
Sacaram? Nada de luz elétrica! Nada de água
encanada! Nada de supermercados! Nada de loja de departamentos! E, para piorar:
nada de Internet!
Retornando os ponteiros para a época atual,
tomei ciência de que nunca tinha desenvolvido qualquer laço afetivo com meus
avós. Isso se explica: fui uma garota criada muito longe deles. Só vim a
conhecer os rostos de minhas avós por meio de fotos antigas. Quem conhece sabe:
aquelas com tamanhinho reduzido e péssima qualidade de imagem.
Ou seja, antes de receber aquela informação,
meus avós me eram quase como seres alienígenas: distantes, ausentes e sem
qualquer familiaridade. Não havia ainda me interessado pela história deles,
quanto mais a dos que os precederam!
Foi uma sensação estranha...
Despertada a curiosidade e favorecida pela
tecnologia, que atualmente nos disponibiliza as mais variadas informações (e
desinformações também...), passei a acessar canais do Youtube que tratam sobre
povos antigos.
Houve uma reformulação em meu pensamento,
substituindo o raciocínio estreito, cristalizado desde a escola, acerca das
grandes civilizações da Antiguidade, no qual parecia que só elas existiam num
momento histórico, enquanto o resto do mundo era um completo vazio.
Mas não era assim... Além das civilizações
“famosas”, apresentadas nos livros e museus, muitos outros povos se espalhavam
por extensões de terras que hoje conhecemos pelos nomes de África, Europa, Ásia
e Américas.
Voltei minha atenção para a Península
Ibérica, afinal, 50% de meu DNA veio de lá. Dei de cara com histórias
surpreendentes.
Se, antes, na minha santa ignorância, o que
eu cogitava ser o mais antigo para a região remontava aos romanos, descobri
estar completamente errada!
Quando ainda nem se sonhava ver as legiões
chegando no pedaço com seus temidos estandartes SPQR, a península já fervilhava
com grupos étnicos dos mais variados nomes, surgidos, sabe-se Deus de onde,
quiçá atrás de: alimento, abrigo, riquezas, aventura, garotas bonitas...
Essa galera ocupava as terras trazendo suas
línguas e costumes...
... e também seus DNA.
Senti um frisson ao considerar que os traços
desses povos poderiam estar contidos nos genes que atravessaram séculos até
chegarem a meu pai, concebido numa aldeiazinha, onde jazem esquecidos – entre
as matas da Serra da Estrela – túmulos de visigodos, um dos povos germânicos,
chamados de bárbaros, que ocupou aquela região.
Minha imaginação foi longe ao pensar que
posso ser a ponta do encadeamento de uma sucessão de genes provenientes de
lugares os mais remotos, a qual excede o tamanho de muitas galáxias e orbita
indefinidamente dentro das hélices de meu DNA.
As sensações mal compreendidas em relação aos
antepassados ficaram adormecidas em mim, até que, tempos depois, outra serra
surgiu no meu caminho.
Viajei para um local fascinante: O Parque
Nacional Serra da Capivara, no sudeste do Piauí. Há milhões de anos ali existia
um imenso mar, que foi sendo expulso em direção ao que é hoje a costa cearense,
à medida que o balé das placas tectônicas fazia evoluções sobre a crosta e
porções de terra colidiam umas com as outras.
A Natureza esculpiu pacientemente durante
milênios – cavernas, cânions e platôs – os quais podemos apreciar hoje. Além
deste acervo natural, há outro – as pinturas rupestres feitas pelos humanos da
Idade do Bronze.
Poder observar – a poucos centímetros do rosto
– desenhos que ainda guardam traços da cor original, foi impactante. São
verdadeiros retratos do cotidiano e me fizeram reviver a sensação estranha
sobre quem teriam sido aqueles desenhistas perdidos no escuro do tempo.
O que queriam expressar: Arte? Comunicação?
Estética?
Só Deus sabe...
Os pré-históricos também deixaram os
contornos de suas pequenas mãos espalmados nas paredes dos rochedos. Era como
se gritassem: “Olá!”; “Olhem para mim!”; “Sou eu aqui!”.
Este comportamento me trouxe mais emoção,
pois sabemos que ele persiste até os dias de hoje: crianças pequenas,
frequentemente, o repetem quando começam a brincar com tintas.
Creio que esse ato simbolize o eterno desejo
do homem de deixar uma marca e afirmar sua individualidade.
Voltei do Piauí com essas impressões girando
em minha cabeça. Dias depois, resolvi fazer um teste de Ancestralidade, assunto
que já circulava em meus pensamentos.
De cara, fui avisada de que só teria acesso à
linha materna, afinal, não tenho o cromossomo Y. Imaginei, então, que
predominariam em mim traços indígenas. Nada disso! Da região Amazônica só
herdei 6% dos genes!
Do total geral, 65% é oriundo do povo Ibérico
(que, por si só, já é sinônimo de muita mistura!) somado ao material de povos
do norte da Itália. Acrescente-se 8% de povos germânicos, incorpore 6% da turma
do Magreb e finalize com uma pitada de 5% dos esquentados Bascos!
Céus!! Sou um insólito coquetel mitocondrial!
Creio que não só eu, como também meus
neurônios, ficamos surpresos com essas informações. Embriagados com o tal
coquetel, eles se puseram a combinar meu teste de Ancestralidade com as
impressões advindas da visita à Serra da Capivara, gerando sinapses e mais
sinapses. O resultado disso? Uma ressaca existencial das boas!
Cheguei à conclusão de que não mais me
importa como eram os rostos dos meus bisavós e trisavós, assim como os dos que
vieram antes deles.
O que importa é a emoção que sinto agora, ao
pensar que atrás de mim existiram muitas e muitas pessoas, sendo que, de apenas
duas, pude conhecer os rostos e conviver durante um tempo.
Os demais estão perdidos na história. Eu os
honro como ancestrais. Cada um me deu um pedacinho de si. Eles fazem parte do
que se denomina humanidade.
É um raciocínio muito estreito, portanto,
quem se julga um povo puro! Somos diferentes por fora, mas bem semelhantes
dentro de nossos embaralhados códigos genéticos, que nos acompanham desde
quando os humanos deixaram pegadas na África, fizeram pinturas em cavernas da
Europa, sentiram frio nos gelados mares do Norte, cavalgaram pelas estepes, e
caçaram animais extintos nos arredores da Serra da Capivara.
Todos eles desapareceram, mas os códigos que portavam
continuam por aí. Quem sabe, neste século, não estejam integrando este exemplar
de Homo sapiens sapiens, que, confortavelmente instalada diante do
computador, escreve uma crônica para o blog Mundo Botafogo!
9 comentários:
Belíssimo texto. Parabéns por escrever algo de forma tão brilhante e sensível. Só mesmo no Mundo Botafogo temos acesso a textos tão interessantes. Abs e SB!
Muito grata por seu gentil comentário, Sergio! Grande abraço!
Sol de Anlarec
Oi, minha amiga!
Sim, muito além da importância de saber como eram os rostos de teus antepassados, a emoção que foi tomando conta de ti durante todo esse fascinante processo, é o que verdadeiramente importa.
Afinal são elas - as emoções- que fazem com que a gente se sinta viva!
Parabéns pelo tocante texto!
Vc sempre sábia, Lucia querida! Vivamos as boas emoções!!
Sol
Parabéns! Um texto muito interessante e legal de se ler. Tenho vontade também de procurar minha ancestralidade.
É um texto soberbo, Dinafogo. É o que designo por um texto TOTAL!
Abraços LIBERTADORES!
Muito grata à Dinafogo e ao Ruy pela generosidade dos comentários. Foram meu presente de Natal! Mais uma vez agradeço a vc, Ruy, e tb à madrinha Lucia, a oportunidade de poder partilhar minhas ideias nesse espaço GLORIOSO!
BOAS FESTAS a todos dessa comunidade!!
Sol, Feliz Quadra Festiva com muita saúde e alegria para lhe inspirar 2025!
Abraço!
😍🥰🎄
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