por DINAFOGO | Coluna “Botafogo nisso!” | Colaborador do Mundo Botafogo
Prelúdio
A construção de vínculo, identificação,
reconhecimento e respeito dentro de uma instituição, seja ela esportiva ou não,
é concretizada a longo prazo, exige renúncia, dedicação, lealdade, paciência e
a superação de muitos desafios coletivos e individuais, particulares e
profissionais. O porte de uma instituição e o prestígio daqueles que
construíram com excelência e feitos impressionantes a sua grandeza torna a
tarefa mais árdua ainda. Por fim, muitas das vezes tempos difíceis impedem que
talentos floresçam ou alcancem voos mais altos, devido à falta de oportunidades
do presente ou até mesmo acabam sendo injustiçados por erros coletivos.
Nosso arqueiro e ídolo vivenciou todos esses sabores e dissabores com a nossa sagrada camisa de forma digna, corajosa e comprometida, como somente os grandes sabem fazer, e em 2024 soube dar fim ao maior ciclo da sua carreira de forma épica e pela porta da frente, recebendo merecidamente todos os aplausos da massa preta e branca. É hora de relembrarmos um pouco dessa história, que é extensa, porque, afinal, foram oito temporadas envergando nossa gloriosa camisa e defendendo a nossa meta, repleta de momentos especiais e conquistas eternas.
2017: O Início Desafiador e
a Pré Libertadores da América
Roberto Júnior Fernández Torres, mais
conhecido como Gatito Fernández, foi contratado pelo Botafogo no final de 2016,
um ano de retorno do Alvinegro à prateleira mais alta do futebol brasileiro e
marcado por dificuldades financeiras, incertezas e desafios. Apesar disso,
conseguimos de forma valente, estratégica e superando nossas limitações,
chegarmos na pré-Libertadores de 2017. Tínhamos um elenco limitado entre os
anos de 2016 e 2017 e sem grandes estrelas, com a exceção do nosso ídolo e
também goleiro Jefferson, que infelizmente sofreria uma lesão que o deixaria
fora por um ano.
É com a missão de substituir Jefferson,
e já numa Libertadores da América, que Gatito inicia seu primeiro ano no clube.
Seu início não foi animador e, de substituto da titularidade de Jefferson,
acabou tornando-se banco para o goleiro das nossas bases, Helton Leite, que,
embora fosse regular, não transmitia a segurança exigida pela torcida. O
Botafogo começou a pré-Libertadores contra o Colo-Colo do Chile, vencendo por
2x1 no Rio de Janeiro e empatando na volta por 1x1. O próximo e último desafio
antes da fase de grupos seria o Olímpia do Paraguai, o maior rival do Cerro
Porteño, clube que revelou o nosso paredão. O primeiro jogo foi no Rio de
Janeiro, vitória magra por 1x0, com Helton na titularidade. A volta seria no
Paraguai, no estádio Defensores Del Chaco, e a pressão seria enorme. Helton
ainda era o titular naquela noite, até os 15 minutos da etapa final, quando
sairia lesionado, dando a oportunidade de Gatito recuperar a vaga, que ele
aproveitou bem, diga-se de passagem.
Entrou sob vaias efusivas da torcida local, pela sua já mencionada identificação com o Cerro. O jogo seguiu, e o time da casa continuava pressionando, até que, enfim, aos 34 minutos, acharam o gol de empate, que levaria a partida para os pênaltis. Além disso, uma virada naquela altura seria fatal. Eis que o juiz apita, e vamos para os pênaltis. Ali, a história de Gatito com a Estrela Solitária de fato começou. Ele defendeu três dos quatro pênaltis cobrados pelo adversário e foi o grande responsável naquela noite por nos colocar na fase de grupos. Esse jogo é memorável, e a sua narração merece sempre ser revista. Daí em diante, Gatito não saiu mais da titularidade e brilhou com o time na fase de grupos e oitavas de final daquela Libertadores. Também fez jogos memoráveis na Copa do Brasil, em um deles defendendo um pênalti de Diego Souza, que foi crucial para alcançarmos a vaga nas quartas de final. No Brasileirão também fez jogos regulares, mas o time acabou na décima colocação.
2018: Campeão Carioca
O ano de 2018 foi um ano apagado e
marcado pelas contusões de Jefferson e Gatito. O Botafogo fez campanhas pífias
nos campeonatos nacionais e foi eliminado na Sul-Americana pelo Bahia. Mas um
capítulo se salvou naquele ano: a final do Carioca de 2018, onde Gatito e
Carli, dois dos estrangeiros que mais vestiram com honra a nossa camisa e
ídolos recentes, símbolos de raça e amor, brilharam juntos. Vamos relembrar.
Botafogo e Vasco da Gama se enfrentaram
na final do Carioca em 2018, após o Cruzmaltino ter eliminado o Tricolor na
semifinal. Já o Glorioso eliminou o time da Gávea, em um jogo que ficou
lembrado pela comemoração de Luiz Fernando no início do gol da partida. A
primeira partida da final terminou com vitória cruzmaltina por 3x2, de virada,
em um jogo eletrizante nos domínios alvinegros, o que deixou os vascaínos
empolgados para o segundo duelo.
A partida derradeira foi truncada, com o
Vasco adotando uma postura defensiva durante boa parte da partida, enquanto o
Botafogo pressionava em busca do gol que levaria para os pênaltis. A missão do
Alvinegro ficou mais difícil já na reta final, quando, aos 47 minutos, Valencia
foi expulso. Nesse momento, alguns torcedores cruzmaltinos já comemoravam e até
estampavam faixas de campeão. Contudo, aos 50 minutos da etapa final, após um
cruzamento na área, Carli aproveitou o rebote e abriu o placar para o Glorioso.
Heroico! Um gol que silenciou o Maracanã.
A disputa foi para os pênaltis e voltamos o foco ao nosso personagem principal. Dos três pênaltis cobrados pelo rival, dois foram parados por Gatito Fernández, novamente mostrando a sua enorme habilidade como exímio defensor de pênaltis. O Botafogo se sagrava campeão carioca de 2018 de maneira heroica, aguerrida e inesquecível (bem diferente da imagem de time pipoqueiro que tentam nos empurrar), com o protagonismo de dois ídolos marcantes.
2019 e 2020: Gatito conhece
o inferno
A temporada de 2019 foi um ano para
esquecer, por vários motivos, especialmente pelas campanhas que fizemos: não
nos classificamos no Carioca, tivemos uma eliminação precoce na Copa do Brasil,
fomos eliminados pelo Atlético-MG (pasmem!) na Sul-Americana, e tivemos uma
campanha ainda pior no Brasileiro em comparação com os dois anos anteriores.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e, em 2020, Gatito fez parte de um
dos piores e mais vexatórios momentos da nossa história, fruto da
irresponsabilidade de amadores, o que comprometeu muito a imagem do clube e dos
jogadores.
2021: A lealdade de um
ídolo, seguindo os passos de Jefferson e a ausência dos gramados
Assim como Jefferson permaneceu conosco em 2015, no caminho tortuoso da Série B, Gatito também ficou em 2021. No entanto, sofreu uma grave lesão no joelho e não atuou em nenhuma partida, exceto no último jogo contra o Guarani. Naquele momento, após os momentos marcantes vividos em 2017 e 2018, Gatito estava enfrentando, junto com a massa preta e branca, um verdadeiro calvário — talvez o mais temido dos últimos anos. Iríamos disputar aquela que foi considerada a Série B mais difícil de todos os tempos (antes desse termo virar moda), enfrentando enormes dificuldades financeiras, a ponto de alguns já decretarem a nossa falência.
2022: O Início da era SAF, o
retorno à Elite e a Batalha do Beiro Rio
O ano de 2022 é um ponto de virada crucial
na nossa história, pois trouxe-nos a Era SAF com a chegada de John Textor. Um
momento que esperávamos a vida toda: a volta do profissionalismo, da nossa
dignidade, de campanhas à nossa altura e o deslumbre de um futuro promissor
para a torcida e os atletas. Muitos jogadores de altíssima qualidade e
comprometimento passaram pelo Botafogo sem grandes conquistas, convivendo com
campanhas ruins devido ao amadorismo, elencos fracos e pouca presença em
grandes competições. Só para citar alguns nomes, podemos mencionar Jefferson,
Carli, Loco Abreu, Seedorf e outros, que no máximo conquistaram um Carioca ou a
série B.
Nesse ano de chegada da SAF, Gatito e
Carli eram os últimos remanescentes desse passado e os que viveram mais de
perto esse contraste. No entanto, somente o paraguaio teria a oportunidade de
ser campeão em campo do maior campeonato nacional e também da maior competição
continental que um clube brasileiro pode alcançar — mas isso só ocorreria dois
anos depois.
Não tivemos conquistas naquele ano e o elenco, apesar de não ser nem sombra do que temos hoje, era bem melhor, mais estruturado e planejado que os elencos limitados do passado. Não fomos bem novamente no Carioca e na Copa do Brasil, e fizemos uma campanha de meio de tabela no Brasileirão. Destaque para a vitória contra o Internacional no Beira-Rio, no primeiro turno, de virada por 3x2, que foi uma verdadeira batalha e uma sinopse do que viria a ser a SAF.
2023: Não era a hora ainda
A penúltima temporada de Gatito pelo
Botafogo poderia ter sido marcada pela redenção e consagração de uma linda
história de profissionalismo e amor ao clube, mas o destino e a vida são
imprevisíveis. O ano de 2023 começou sem grandes expectativas, devido a uma campanha
modesta no ano anterior, uma campanha sem graça no Carioca de 2023 e pela SAF
não ter feito contratações que chamassem a atenção da mídia. Não sabíamos que
aquele ano seria tão intenso e marcante; contudo, dessa vez não viveríamos
fortes emoções na parte de baixo da tabela do Brasileiro, mas sim na parte de
cima, o que não experimentávamos há anos.
Nessa temporada, Gatito voltou a se
lesionar e retornou ao banco de reservas, com Lucas Perri sendo o titular.
Mesmo assim, seguiu sendo convocado para a seleção paraguaia e manteve forte
liderança, respeito e lealdade de seus companheiros.
Aquele elenco de 2023 fez um primeiro
turno avassalador, de deixar qualquer botafoguense de queixo caído, e entramos
em um estado de graça jamais visto. Foram muitas vitórias, no tapetinho, e os
olhos brilhando de esperança com a possibilidade de uma grande conquista, ainda
mais em tão pouco tempo de SAF. Porém, o final se transformou em uma das
maiores dores e decepções da torcida. Após um primeiro turno inesquecível, tivemos
um segundo turno esquecível, perdendo um título ganho, além de uma virada dura
contra o time verde de São Paulo. Gatito viveria novamente instabilidade,
cobranças e o calvário com o alvinegro. Ficaria marcado como
"pipoqueiro" junto aos seus colegas e até chegou a ser vaiado.
Poderia ser mais um daqueles capítulos finais que não terminam da forma como deveriam, aqueles finais mal contados de uma história cativante e bonita, ou até mesmo estragar uma relação e reduzir o nosso arqueiro a uma suposta "pipocada". Por sorte, Gatito resolveu esperar mais um pouquinho e o último ato ficou para 2024, a parte 2 do filme, que aparece no pós-créditos.
Epílogo: Adeus, Ídolo! A
Glória Eterna de Gatito e a Conquista do Brasil: Missão Cumprida!
O adeus de um ídolo deve ser digno do
que ele fez pelo clube e por tudo o que representou. Não por acaso, muitos
clubes fazem jogos de despedida para dar um "tchau" de uma forma
melhor. Contudo, o destino foi generoso e não foi necessário que o Botafogo
marcasse um jogo de despedida, pois ele já estava reservado. O ano de 2024 foi
a consagração de um trabalho profissional sólido, calcado na lealdade, entrega,
respeito e em quem apostou no clube, mesmo diante das inúmeras dificuldades,
sempre com coragem e talento. Gatito merecia muito vivenciar esse momento com o
Botafogo, pois era a melhor forma de dizermos "obrigado". É verdade
que Gatito permaneceu no banco boa parte dos jogos, mas sempre que entrou não
comprometeu, e nos anos em que foi exigido assumir a titularidade, sempre o fez
com excelência.
O ano de 2024 começou tenso devido à
campanha de 2023. A torcida estava muito ferida e a esperança voltou a ser
escassa nas arquibancadas da massa preta e branca. Aquela torcida extremamente
fiel, apaixonada e grandiosa não entendia por que o destino havia lhe pregado
mais uma peça. A campanha do Carioca repetiu a dose e disputamos a Taça Rio. A
mídia fazia o seu papel e tentava a todo custo colocar a fama de "pipoqueiro"
no time, se deliciando com o insucesso da SAF. Alguns jogadores de 2023
permaneceram no elenco e sofreriam com as vaias da torcida. Não parecia que
seria um ano muito diferente dos demais. Contudo, havia uma diferença entre a
SAF e as diretorias de outrora: planejamento e visão a longo prazo.
Começamos o Brasileiro com derrota para
o Cruzeiro e a necessidade de peças de reposição para o elenco. Aos poucos, o
Botafogo iria se reerguer em relação a 2023, voltar a criar casca no Brasileiro
e a encorpar o seu elenco. Em meio a oscilações normais de um início de
temporada, tivemos vitórias marcantes, como os 2x0 contra o rival da Gávea fora
de casa, a vitória contra o algoz do ano anterior, entre outras. Mas foi a
partir das oitavas de final da Libertadores que começamos a enxergar ainda mais
o potencial daquele elenco e do que éramos capazes de construir. Gatito estava
vivenciando, em cada partida e classificação, a construção do maior Botafogo do
século, após ter passado pelo inferno com o clube. Tenho certeza de que sua
liderança foi fundamental para as duas conquistas.
E quando, no dia 30 de novembro,
conquistamos a América pela primeira vez, foi um desfecho de cinema, quando
nosso ídolo teve a honra de erguer a taça, recebendo o reconhecimento do
capitão Marlon Freitas por seu trabalho e experiência dentro do clube. Foi um
desfecho de cinema e de encher os olhos de lágrimas. Merecido! Mas ainda não
havia acabado. Gatito teria a chance de não somente receber as medalhas e
títulos como espectador passivo dos fatos, mas retornaria de forma triunfal
como titular, sendo essa a última vez que veríamos o nosso arqueiro com a nossa
gloriosa camisa.
No dia 04 de dezembro, o Botafogo não
contaria com seu goleiro principal e titular, John, pois o mesmo estava suspenso.
Assim como em 2017, Gatito teve que atender ao chamado de socorro do clube e,
da mesma forma, não comprometeu. Pelo contrário, fez uma das partidas mais
seguras e defesas de suma importância, que nos deu a tranquilidade de poder até
empatar em casa e nos sagrarmos campeões brasileiros, em um incrível intervalo
de oito dias. Era surreal todo aquele roteiro, ainda mais em tão curto espaço
de tempo. Ninguém esperava que chegaríamos aos céus tão rápido e de maneira tão
espetacular, mas chegamos e consagramos.
No dia 08 de dezembro, Gatito não estava
na titularidade, mas estava presente para o último grande ato daquele ano e,
consequentemente, da sua trajetória no Glorioso. O Botafogo derrotou o São
Paulo por 2x1, dentro do Estádio Nilton Santos, e alcançou a primeira grande
conquista na nossa casa. Tudo perfeito! Clube, torcida, atletas eram premiados
por sua dedicação, amor, lealdade, destemor, luta e sacrifício até o ápice.
Tinha que ser assim.
*****
FICHA DE GATITO FERNÁNDEZ
Realizações e
Estatísticas
1. Jogador
estrangeiro com mais jogos com a gloriosa camisa do Botafogo.
2. Goleiro
estrangeiro com mais jogos no Campeonato Brasileiro de pontos corridos (desde
2003), totalizando 157 jogos.
3. Defendeu 15
cobranças de pênaltis pelo Botafogo.
4. Segundo jogador
que mais atuou em nossa casa.
5. Melhor goleiro da
Copa do Brasil 2017 e vencedor do prêmio Troféu EFE Brasil de melhor
estrangeiro do Brasileirão.
Títulos Conquistados
Campeonato Carioca:
2018
Campeonato
Brasileiro – Série B: 2021
Taça Rio: 2023 e 2024
Copa Libertadores da
América: 2024
Campeonato
Brasileiro: 2024
3 comentários:
Parabéns pelo texto, brilhante. Embora não afete em nada a beleza e a qualidade do artigo, sugiro a correção de duas datas: a partida contra o Internacional foi em 04/12 e não em novembro e contra o SP 08/12.
Gatito e Jeferson são ídolos eternos do Botafogo, não apenas pela qualidade como goleiros, mas sobretudo pela lealdade ao clube, pelo seu amor não abandonando o Botafogo em seu pior momento. Merecem estar sempre no coração de todos os botafoguenses, principalmente no momento em que vemos um episódio de abandono se repetir 2 anos depois. Obrigado Gatito pelo seu profissionalismo e amor ao Botafogo, não o abandonando em seu momento mais difícil, você merece nosso respeito e admiração e sobretudo esses dois títulos conquistados esse ano. Obrigado. Abs e SB!
Reli o texto todo, que é excelente, e também não reparei na troca de dezembro por novembro. Já está corrigido. Gatito e Jefferson eternizaram-se no Botafogo.
Abraços LIBERTADORES!
Artigo antológico, histórico e definitivo de uma campanha há inédita personificada na trajetória de um atleta exemplar e recordista fechada com estrelas douradas!
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