terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sobre o futebol e o estupro

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[O texto que se segue faz parte do meu arquivo há anos. Nunca o publiquei porque não gosto da ideia contida no texto, já que o esporte, para mim, assenta nos princípios defendidos pelo Barão de Coubertin. No entanto, a propósito da necessidade que os torcedores ‘urubus’ têm de invadir os espaços dos outros e xingar sem nenhum respeito nem civilidade, fiquei cogitando o porquê da coisa e lembrei-me deste texto, que apesar de se referir ao pacífico botafoguense Nilo adequa-se mais a certos torcedores menos pacíficos. E descobri subitamente que se uma parte da torcida do Flamengo, os flamenguistas, ovacionam o esporte tal como eu e muitos outros milhões de pessoas, os torcedores ‘urubus’, semelhantes a esses predadores necrófagos sem eira nem beira, tratam o esporte e o futebol com a mesma filosofia execrável dos estupradores.]

por Rubem Alves
Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA

Já contei do meu primo Nilo, aquele que morreu por causa de seu amor ao Botafogo: bebia para comemorar quando o Botafogo ganhava, bebia para apagar a tristeza quando o Botafogo perdia. Mas, de repente, me veio uma situação para a qual não encontrei resposta: “E quando o Botafogo empatava, o que é que o Nilo fazia?”.

Depois de muito meditar conclui que, quando o Botafogo empatava, o Nilo bebia dobrado, porque não existe coisa mais chata que jogo que termina empatado. Jogo empatado é feito transa não consumada, os dois na cama, uma coisa emocionante tem de acontecer, os dois se esfregam, o tempo todo, pelejando para ver se pinta alguma emoção, mas tudo é inútil pedindo desculpas ao outro, sem saber o que dizer e fazer. O jeito é beber...

A partida terminou empatada. Os dois times broxaram. Não adianta dizer que o espetáculo coreográfico foi maravilhoso, que os times exibiram técnica de rara beleza. Ninguém vai ao futebol para ver beleza. Beleza em futebol só é bonita quando o time da gente ganha. Futebol não é concerto. É pra sofrer e fazer sofrer: um espetáculo depravado, perverso, onde o orgasmo acontece sobre o sado-masoquismo. Ninguém assiste a um jogo de futebol por razões estéticas. O tesão do futebol se encontra, precisamente, na possibilidade de fazer o outro sofrer.

Pois o que é um gol? Um gol é um estupro. O prazer do gol é o prazer de ter estuprado o adversário, de ter metido a bola da gente no buraco dele contra a vontade dele. Uma partida de futebol é uma tentativa de estupro estilizada. Vai um time levando a bola, a bola tem de estar bem cheia, dura, vai o jogador ludibriando as tentativas de defesa, passando a bola no meio das pernas, o outro time faz tudo para evitar, fecha os buracos, todos lutando, não querem que a bola entre no lugar mais sagrado do seu time, aquele buraco guardado pelo goleiro, vem o chute potente, a bola vai, o goleiro se estira, inutilmente, a bola entra. Gol! O estupro aconteceu.

A torcida grita de prazer. É o orgasmo. E geme a torcida do estuprado: qualquer penetração violenta dói muito. Mas o prazer do estuprador está precisamente nisso: é o sofrimento do outro que lhe dá uma medida da sua potência. Nada mais broxante para o estuprador que encontrar uma vítima que não ofereça resistência, que se abra toda e até goste. A tentativa de estupro terminaria na hora. O estuprador ficaria broxa. O mesmo com o futebol. É a resistência ao estupro que dá ao estuprador a medida de sua macheza. Cada prazer de gol é prazer de um estupro bem sucedido.

* Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, Minas Gerais, em 1933. Bacharel em Teologia – Seminário Presbiteriano de Campinas, SP. Mestre em Teologia – Union Theological Seminary, NY, USA. Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA. Psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Foi Professor Adjunto e Titular da Faculdade de Educação (UNICAMP), livre-docente pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Diretor da Assessoria de Relações Internacionais daquela Universidade.

Fonte
Acervo de Rui Moura
Jornal ‘Correio Popular’

6 comentários:

Fernando Gonzaga disse...

excelente texto meu caro amigo

de fato, o empate é a coisa mais sem graça do futebol, e olha que de empate nós alvinegros entendemos muito bem...

veja em meu blog uma relação de estatísticas e curiosidades do glorioso!!

abraço!!!

Rodrigo Federman disse...

Muito bom, Rui! Muito bom!
Abs e SA!!!

Muga disse...

Distinto Rui,
te mandei um convite do aniversário
do Mané,recebeste ?
Peço a fineza da publicação deste
no teu magnífico e caprichado blog.
E que Deus salve nosso Botafogo.
Forte abraço botafoguense!

Ruy Moura disse...

Xiiii, Fernando... Tanto chute e tão pouco gol... Temos que afinar pontaria e passes...

Abraços Gloriosos!

Ruy Moura disse...

Abraços, Rodrigão!

Ruy Moura disse...

Vai sair, Muga! Vai sair!

Abraços Gloriosos!

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