[O texto que se segue faz parte do meu arquivo há anos. Nunca o publiquei porque não gosto da ideia contida no texto, já que o esporte, para mim, assenta nos princípios defendidos pelo Barão de Coubertin. No entanto, a propósito da necessidade que os torcedores ‘urubus’ têm de invadir os espaços dos outros e xingar sem nenhum respeito nem civilidade, fiquei cogitando o porquê da coisa e lembrei-me deste texto, que apesar de se referir ao pacífico botafoguense Nilo adequa-se mais a certos torcedores menos pacíficos. E descobri subitamente que se uma parte da torcida do Flamengo, os flamenguistas, ovacionam o esporte tal como eu e muitos outros milhões de pessoas, os torcedores ‘urubus’, semelhantes a esses predadores necrófagos sem eira nem beira, tratam o esporte e o futebol com a mesma filosofia execrável dos estupradores.]
por Rubem Alves
Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA
Já contei do meu primo Nilo, aquele que morreu por causa de seu amor ao Botafogo: bebia para comemorar quando o Botafogo ganhava, bebia para apagar a tristeza quando o Botafogo perdia. Mas, de repente, me veio uma situação para a qual não encontrei resposta: “E quando o Botafogo empatava, o que é que o Nilo fazia?”.
Depois de muito meditar conclui que, quando o Botafogo empatava, o Nilo bebia dobrado, porque não existe coisa mais chata que jogo que termina empatado. Jogo empatado é feito transa não consumada, os dois na cama, uma coisa emocionante tem de acontecer, os dois se esfregam, o tempo todo, pelejando para ver se pinta alguma emoção, mas tudo é inútil pedindo desculpas ao outro, sem saber o que dizer e fazer. O jeito é beber...
A partida terminou empatada. Os dois times broxaram. Não adianta dizer que o espetáculo coreográfico foi maravilhoso, que os times exibiram técnica de rara beleza. Ninguém vai ao futebol para ver beleza. Beleza em futebol só é bonita quando o time da gente ganha. Futebol não é concerto. É pra sofrer e fazer sofrer: um espetáculo depravado, perverso, onde o orgasmo acontece sobre o sado-masoquismo. Ninguém assiste a um jogo de futebol por razões estéticas. O tesão do futebol se encontra, precisamente, na possibilidade de fazer o outro sofrer.
Pois o que é um gol? Um gol é um estupro. O prazer do gol é o prazer de ter estuprado o adversário, de ter metido a bola da gente no buraco dele contra a vontade dele. Uma partida de futebol é uma tentativa de estupro estilizada. Vai um time levando a bola, a bola tem de estar bem cheia, dura, vai o jogador ludibriando as tentativas de defesa, passando a bola no meio das pernas, o outro time faz tudo para evitar, fecha os buracos, todos lutando, não querem que a bola entre no lugar mais sagrado do seu time, aquele buraco guardado pelo goleiro, vem o chute potente, a bola vai, o goleiro se estira, inutilmente, a bola entra. Gol! O estupro aconteceu.
A torcida grita de prazer. É o orgasmo. E geme a torcida do estuprado: qualquer penetração violenta dói muito. Mas o prazer do estuprador está precisamente nisso: é o sofrimento do outro que lhe dá uma medida da sua potência. Nada mais broxante para o estuprador que encontrar uma vítima que não ofereça resistência, que se abra toda e até goste. A tentativa de estupro terminaria na hora. O estuprador ficaria broxa. O mesmo com o futebol. É a resistência ao estupro que dá ao estuprador a medida de sua macheza. Cada prazer de gol é prazer de um estupro bem sucedido.
* Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, Minas Gerais, em 1933. Bacharel em Teologia – Seminário Presbiteriano de Campinas, SP. Mestre em Teologia – Union Theological Seminary, NY, USA. Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA. Psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Foi Professor Adjunto e Titular da Faculdade de Educação (UNICAMP), livre-docente pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Diretor da Assessoria de Relações Internacionais daquela Universidade.
Fonte
Acervo de Rui Moura
Jornal ‘Correio Popular’
por Rubem Alves
Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA
Já contei do meu primo Nilo, aquele que morreu por causa de seu amor ao Botafogo: bebia para comemorar quando o Botafogo ganhava, bebia para apagar a tristeza quando o Botafogo perdia. Mas, de repente, me veio uma situação para a qual não encontrei resposta: “E quando o Botafogo empatava, o que é que o Nilo fazia?”.
Depois de muito meditar conclui que, quando o Botafogo empatava, o Nilo bebia dobrado, porque não existe coisa mais chata que jogo que termina empatado. Jogo empatado é feito transa não consumada, os dois na cama, uma coisa emocionante tem de acontecer, os dois se esfregam, o tempo todo, pelejando para ver se pinta alguma emoção, mas tudo é inútil pedindo desculpas ao outro, sem saber o que dizer e fazer. O jeito é beber...
A partida terminou empatada. Os dois times broxaram. Não adianta dizer que o espetáculo coreográfico foi maravilhoso, que os times exibiram técnica de rara beleza. Ninguém vai ao futebol para ver beleza. Beleza em futebol só é bonita quando o time da gente ganha. Futebol não é concerto. É pra sofrer e fazer sofrer: um espetáculo depravado, perverso, onde o orgasmo acontece sobre o sado-masoquismo. Ninguém assiste a um jogo de futebol por razões estéticas. O tesão do futebol se encontra, precisamente, na possibilidade de fazer o outro sofrer.
Pois o que é um gol? Um gol é um estupro. O prazer do gol é o prazer de ter estuprado o adversário, de ter metido a bola da gente no buraco dele contra a vontade dele. Uma partida de futebol é uma tentativa de estupro estilizada. Vai um time levando a bola, a bola tem de estar bem cheia, dura, vai o jogador ludibriando as tentativas de defesa, passando a bola no meio das pernas, o outro time faz tudo para evitar, fecha os buracos, todos lutando, não querem que a bola entre no lugar mais sagrado do seu time, aquele buraco guardado pelo goleiro, vem o chute potente, a bola vai, o goleiro se estira, inutilmente, a bola entra. Gol! O estupro aconteceu.
A torcida grita de prazer. É o orgasmo. E geme a torcida do estuprado: qualquer penetração violenta dói muito. Mas o prazer do estuprador está precisamente nisso: é o sofrimento do outro que lhe dá uma medida da sua potência. Nada mais broxante para o estuprador que encontrar uma vítima que não ofereça resistência, que se abra toda e até goste. A tentativa de estupro terminaria na hora. O estuprador ficaria broxa. O mesmo com o futebol. É a resistência ao estupro que dá ao estuprador a medida de sua macheza. Cada prazer de gol é prazer de um estupro bem sucedido.
* Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, Minas Gerais, em 1933. Bacharel em Teologia – Seminário Presbiteriano de Campinas, SP. Mestre em Teologia – Union Theological Seminary, NY, USA. Doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, NJ, USA. Psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Foi Professor Adjunto e Titular da Faculdade de Educação (UNICAMP), livre-docente pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Diretor da Assessoria de Relações Internacionais daquela Universidade.
Fonte
Acervo de Rui Moura
Jornal ‘Correio Popular’
6 comentários:
excelente texto meu caro amigo
de fato, o empate é a coisa mais sem graça do futebol, e olha que de empate nós alvinegros entendemos muito bem...
veja em meu blog uma relação de estatísticas e curiosidades do glorioso!!
abraço!!!
Muito bom, Rui! Muito bom!
Abs e SA!!!
Distinto Rui,
te mandei um convite do aniversário
do Mané,recebeste ?
Peço a fineza da publicação deste
no teu magnífico e caprichado blog.
E que Deus salve nosso Botafogo.
Forte abraço botafoguense!
Xiiii, Fernando... Tanto chute e tão pouco gol... Temos que afinar pontaria e passes...
Abraços Gloriosos!
Abraços, Rodrigão!
Vai sair, Muga! Vai sair!
Abraços Gloriosos!
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