segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sabor de desodorante


por Gerson Soares

Esse é um assunto do qual me custa muita falar, por se tratar de um vício que tem tirado do nosso convívio personalidades criativas, gloriosas, famosas mundialmente. Refiro-me ao alcoolismo. No entanto, registro o fato para destacar a forma solidária com que Mané Garrincha ajudou a tratar certas pessoas atingidas por mal tão destruidor.

Na época em que morávamos em Jacarépagua, havia dois senhores, chamados Valdlr e Wilson, que viviam o dia inteiro no bar de uma esquina do bairro. Na realidade, não viviam no bar, sucumbiam ao orgulho, à falta de dignidade com que eram tratados, por estarem doentes, vítimas do vício: Valdir e Wilson eram alcoólatras.

No bar, ficavam à espera de alguém que lhes pudesse pagar uma bebida, já que não tinham como sustentar o vício. Ambos haviam perdido tudo na vida, até a identidade.

Quando embriagados, várias vezes lamentavam a maneira como haviam sido abandonados por suas famílias. Falavam, sempre com voz embargada e carregada de emoção, lágrimas nos olhos, da insensibilidade dos filhos e das mulheres.

Mas eles tinham um amigo: Mané. Mané os respeitava, compreendia-os, e demonstrava, com gestos e atenção, que reconhecia neles pessoas de bem. Brincava com eles, contava piadas ou jogava bilhar. Mané os confortava. Sabendo da necessidade de ingerirem álcool, pagava alguns tragos. Mas sempre fazendo questão de enfatizar, como que alertando os dois, que deveriam procurar ajuda médica.

Num desses encontros, Mané não pagou a bebida, como esperavam Valdir e Wilson. Mané surpreendeu ao convidá-los para irem até nossa casa. Um dos motivos do convite era mais do que compreensível: Elza estava viajando – se não estivesse, jamais concordaria em vê-lo acompanhado de dois alcoólatras, dois homens entregues ao vício, que jamais demonstravam força para tentar, pelo menos, superar o angustiante problema.

Valdir e Wílson, ainda meio sem acreditar que estavam na sala da casa de Mané e Elza, passaram a prestar atenção nas palavras do anfitrião.

Mané levou-os até uma parede que necessitava de reparos, dizendo que confiava neles e que ao voltar do treino tomariam uma cerveja juntos. Forneceu-lhes o material necessário para o pequeno serviço: cimento, areia, pedra e as ferramentas de que precisariam.

Na realidade, o que Mané queria era provar que ainda poderiam trabalhar e, com ajuda adequada, retornar a seus lares totalmente recuperados do vício, orgulhosos de si mesmos.

Para evitar qualquer surpresa, Mané guardou as bebidas que encontrou. Ordenou aos empregados que dessem toda a assistência aos dois, mas que em hipótese alguma lhes oferecessem bebida que contivesse álcool.

Valdir e Wilson aceitaram fazer o serviço, agradeceram a confiança e força que Mané demonstrava mas ressaltaram que o esperariam para a cerveja prometida. Mané repetiu a proposta, seguida de uma promessa que os deixou visivelmente alegres:

"Se fizerem o serviço direitinho, vamos jantar e tomar até três geladinhas.

"Mané saiu para treinar, enquanto Valdir e Wilson puseram mãos à obra. Às 18 horas, Mané voltou. Ao entrar em casa, foi diretamente ao local onde estavam Valdir e Wilson. Não os encontrou. O serviço estava começado e não terminado.

Lúcia, uma das empregadas da casa, disse que eles queriam beber algo para continuar o serviço. Então, fez café, que foi rejeitado. Levou-lhes sucos, que não beberam. Até que disseram que sairiam para comprar algo para concluir o serviço e não voltaram. Mas o mais surpreendente foi que, ao entrar no banheiro de empregados, Lúcia encontrou três frascos vazios de um desodorante líquido.

Mané foi ao bar e lá conversou com eles. Cabisbaixos, envergonhados, disseram que não haviam agüentado ficar sem uma bebida, suas mãos tremiam e não lhes deixavam trabalhar. Como a empregada não lhes servira qualquer bebida, ingeriram os desodorantes que estavam nos frascos do armário do banheiro e fugiram para não serem descobertos.

Fonte: www.sosserve.com.br 

4 comentários:

Lorismario disse...

Caro Rui. Esta historia me fez imediatamente lembrar uma reportagem que assisti na TV Bandeirantes com o jogador Jorge Mendonça ex Palmeiras e que colocou o "fenomenal" Zico no banco de reservas na Copa de 78 na Argentina. Indagado pelo repórter o que havia acontecido com ele que estava morando em uma edícula(barracão de fundo de quintal seria mais apropriado do que edícula) na casa de uma de suas filhas ele respondeu : " o dinheiro acabou acabou o amor". Até a esposa o havia deixado. Garrincha, Wilson, Vilson e Jorge Mendonça, assim como muitos outros, antes de serem vítimas apenas do vício alcool, também foram vítimas de um dos inúmeros vícios dos humanos; o desrespeito.Abração com presságios horrorosos para nosso futebol botafoguense no ano de 2010. Loris

Ruy Moura disse...

Perfeito, Loris. Na minha opinião, o Garrincha não foi o alcólatra que pretendem (sobretudo os cathartiformes), nem o ignorante que pretendem. Era um ser genial, uma alma límpida, uma sabedoria empírica notável. Os homens desrespeitosos e invejoisos é que o levaram aonde chegou. São esses homens, simulacros de gente, que nunca pouparei através da minha escrita.

Abraços Gloriosos!

Lewis Kharms disse...

Rui,
O Garrincha merece mais um filme, mais um livro, mais homenagens e boas lembranças, mas o mundo do futebol da FIFA talvez não mereça mais um Garrincha. E nem há como. É tudo muito parecido; e ele, um excepcional.

O ex-jogador Sócrates, numa entrevista, foi perguntado se a técnica do passado poderia ser usada hoje e respondeu que não. Disse que os esquemas táticos são tão semelhantes e ‘eficientes’, que fazem com que o aspecto físico acabe se tornando mais importante que a técnica em si.

Isso é discutível quando dito assim, sem maior aprofundamento. Acho que ele quis dizer que os melhor preparados fisicamente teriam vantagem sobre os tecnicamente mais bem providos e ao final das contas, a técnica entraria como um fator diferencial positivo, mas somente quando a questão atlética estivesse equilibrada.

Seja como for, a FIFA não está interessada nessas questões conceituais, já que a indústria de resultados se mostra bastante eficiente, quando o dinheiro não consegue atingir seus objetivos por meios capitalistas.

Mas por quê que eu estava falando nisso? Acho que era pra me resignar frente ao fato de que não haverá mais nenhum Garrincha. Um sujeito que não estava dentro dos padrões de comportamento socialmente eleitos como ‘adequados’, mas que, mesmo assim, é uma figura que ainda precisa de um contorcionismo retórico enorme pra ser diminuída. Porque, mesmo não sendo um tipo ‘helênico’, ele carrega uma série de atributos do herói grego, o que é universal e ninguém consegue lhe subtrair. Que são as qualidades menos importantes na personalidade do Garrincha, pelo menos para a visão que tenho de humanidade.

Saudações alvinegras!

Ruy Moura disse...

Luiz, concordo inteiramente sobre os atributos de herói grego que Garrincha possuía.

E Sócrates tem inteira razão. Eu escrevi isso mesmo num artigo publicado no Arena Alvinegra. Incluindo que as arbitragens protegem mais os jogadores mais bem preparados fisicamente do que os melhor preparados tecnicamente. Aliás, isso começou, de certa forma, com Garrincha, quando os árbitros o ameaçavam de expulsão - e chegaram a fazê-lo -porque ele "driblava demais". Porém, agora não fazem o mesmo com a predominância física, isto é, não expulsam os jogadores que possuem "dotes fisicos demasiados".

Abraços Gloriosos!

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