quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Oldemário manda notícias

[Paulo Marcelo Sampaio é o autor destas crônicas, interpretando os protagonistas pelos quais assina; as crônicas publicadas no Mundo Botafogo são uma gentileza do autor.]

por Oldemário Touguinhó*

Quem me avisou que o Botafogo ia estrear de fato na Taça Libertadores foi João Ignácio Mûller, o Jim. Desde que chegou aqui, em agosto do ano passado, temos conversado muito. Médico de muito prestígio, sempre procurava ajudar o clube. Não queria saber como. Assim nasceu nossa afinidade. Na década de 1970, ele se aproximou de Xisto Toniato, um torcedor fanático, comerciante que fornecia carne para os melhores restaurantes do Rio de Janeiro. As famílias tradicionais do clube estavam acostumadas a saborear suas picanhas e mignons, mas torciam o nariz para Toniato. E ele nem aí. Como eu, quando falavam mal do Emil Pinheiro. Eu, que ralei com minha Lambretinha comprada a prazo – ela me ajudava a tornar mais curto o caminho entre a quitanda em que trabalhava , na Lapa, e a redação do Jornal do Brasil – ficava fulo da vida com esses preconceitos. E daí que o cara era bicheiro? Tanto bacana que poderia ter ajudado o Botafogo e não ajudou, ora bolas. Quando chegou ao clube até bola Emil teve que comprar.

É considerado veterano quem está por aqui há dez anos. Como subi em 2002, cabe a mim dar as boas vindas a quem chega. Engana-se quem pensa que o céu é uma calmaria só. Todos os dias procuro uma história. Já que Jim me anunciou que enfrentaríamos o time do Papa, há clima para confissão. Não estava muito preocupado com a estréia do Botafogo. Não que não estivesse preocupado. Não tinha tempo pra me preocupar. Futebol, pra mim é, antes de prazer, trabalho. E tinha uma pauta boa aqui em cima. Dava os últimos retoques na matéria que sairia mais tarde no ‘Diário de São Pedro’, uma reportagem sobre os 89 anos de Heleno de Freitas. “Então, Oldemário, você pode repercutir com o Heleno como é enfrentar um time argentino, a virulência deles”, sugeriu João Ignácio. Achei uma boa idéia. Coincidentemente veio chegando Heleno, numa beca de impressionar: terno de casimira, camisa de puro algodão, gravata de cetim. Estava num bom humor incomum. Mas, ao ouvir minha pergunta, logo se encrespou. “Não fala merda. Nas areias de Copacabana é que o bicho pega”, resmungou, apontando para o velho amigo Neném Prancha.

O velho roupeiro está um pouco distante, olhando o mar. Sim, no céu também tem mar. Parece animado com o vento, que pode trazer robalos e sardinhas, dizem os pescadores da Colônia do Posto Seis. Decidimos ir até lá. Tenho tempo porque a matéria já está pronta. Entrevistei Sandro, Saldanha, Otávio de Moraes, Nilton Santos, Oswaldo Baliza. Todos conviveram com Heleno. Bem ou mal. Mas quem sabe não tiro algo a mais desse encontro? Um homem divide o banco com Neném Prancha. Parece tímido. “Seu Neném, o sujeito aqui – e aponta pra mim – quer saber da dureza dos argentinos”, ironiza Heleno. Neném dá de ombros. Explico que tudo na vida tem suas dificuldades. E conto do dia em que consegui uma foto de um jogador gigante da seleção russa de basquete. A edição do Jornal do Brasil já estava rodando na gráfica. Aí menti. “Foi o Lemos que mandou enfiar isso aí”. Lemos era o Carlos Lemos, na época um carioca de Vila Isabel, pai de três filhos e já secretário de redação. Minha insubordinação, pro bem do leite das crianças, provocou um largo sorriso no chefe.

Minha história, contada pra distrair e desanuviar o ambiente tenso, não faz sucesso. Antes de retomar a conversa, ouvimos a voz do sujeito tímido. Ele se diz preocupado com o jogo de logo mais. Mas pergunta se por acaso alguém se anima em descer. Dali todos estão um pouco desanimados. Conto que sou do tempo em que os jogadores eram mais acessíveis. Ninguém tinha assessor de imprensa. Não existiam as tais coletivas de imprensa. Hoje futebol é negócio. Lá de dentro da sala de estar, Carlos Imperial avisa, com aquela voz possante de ‘dez, nota dez’. “Vai começar”. Todos corremos. Escolhemos as poltronas, aleatoriamente. Fico ao lado daquele senhor antes encabulado. Bola rolando já há um tempo e, de repente, ele começa a soluçar. Pergunto o que houve. “É que estou me lembrando da última vez que vi o Botafogo lá embaixo. ‘Tava muito mal no hospital. Pedi ao meu filho que me levasse pra casa. Foi no meu quarto que vi o Botafogo sapecar um 2 a 0 no flamengo e ir pra final da Taça Guanabara do ano passado”. Interrompo. ‘Chuta, Jorge Wagner, chuta’. Ferreyra pega a sobra. Gol. ‘Olha aí a garra dos tais argentinos aí, Heleno!”, ouso provocar o aniversariante. Tamanha a balbúrdia ele não escuta. Estou livre de qualquer desaforo.

Na volta do intervalo, ninguém muda de lugar. Meu vizinho se impressiona com a garra e a pegada do time. “Muito parecido com o Força e Saúde, do futebol de praia, lá da República do Peru”, compara Stelio Teixeira. Não demora muito e sai outro gol, num chute de efeito. “Meu filho sempre pedia pros jogadores dele fazerem isso. É mais fácil porque a bola é mais leve”, revela. Ao lembrar de Leonardo, Stelio deixa escorrer uma lágrima. Disfarça. Melhor assim. Não tenho tempo de consolá-lo. ‘Me desculpe, gente, tenho que ir’, aviso, ‘tenho que contar tudo isso. Vocês vão fechar a reportagem. As máquinas não podem esperar’.

*Oldemário Touguinhó era jornalista

1 comentário:

Anónimo disse...

IMPERDÍVEL ESTÁ LEITURA

SAUDAÇÕES ALVINEGRAS GLORIOSAS

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