quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Megafone do esporte: Garrincha e o "olé"

30 anos depois do desaparecimento de Mané Garrincha, Deixa Falar: o megafone do esporte* saiu em edição extraordinária para lembrar o craque e uma de suas criações: o Olé, através de um texto clássico de João Saldanha à época (1958), técnico do lendário time do Botafogo. O texto, inédito, foi extraído do livro Os Subterrâneos do Futebol de João Saldanha, lançado em 1963 pela editora Tempo Brasileiro.
‘Olé’ nasceu no México, terra de touradas

por João Saldanha

O Estádio Universitário ficou à cunha. Cem mil pessoas comprimidas para assistir ao jogo. É muito alegre um jogo no México. É o país em que a torcida mais se parece com a do Rio de Janeiro. Barulhenta, participa de todos os lances da partida. Vários grupos de "mariaches" comparecem. Estes grupos, que formam o que há de mais típico da música mexicana, são constituídos de um ou dois "pistões" e clarins, dois ou três violões, harpa (parecida com a das guaranias), violinos e marimbas. As marimbas são completamente de madeira, mas não vão ao campo de futebol, sendo substituídas por instrumentos pequenos. O ponto alto dos "mariaches" é a turma do pistão, do clarim e o coro, naturalmente. No campo de futebol, os grupos amadores de "mariaches" que comparecem ficam mais ativos em dois momentos distintos: ou quando o jogo está muito bom e eles se entusiasmam, ou, inversamente, quando o jogo está chato e eles "atacam" músicas em tom gozador. No jogo em que vencemos ao Toluca, que estava no segundo caso, os "mariaches" salvaram o espetáculo.

O time do River era, realmente, uma máquina. Futebol bonito e um entendimento que só um time que joga junto há três anos pode ter. Modestamente, jogamos trancados. A prudência mandava que isto fosse feito. De fato, se "abríssemos", tomaríamos um baile.

Foi um jogo de rara beleza. E não foi por acaso. De um lado estavam Rossi, Labruña, Vairo, Menéndez, Zarate, Carrizo. De outro, estavam Didi, Nilton Santos, Garrincha etc. Jogo duro e jogo limpo. Não se tratava de camaradagem adquirida em quase um mês no mesmo hotel, mas sim da presença de grandes craques no gramado. A torcida exultava e os "mariaches" atacavam entusiasmados.

Estava muito difícil fazer gol. Poucas vezes vi um jogo disputado com tanta seriedade e respeito mútuos. Mas houve um espetáculo à parte. Mané Garrincha foi o comandante. Dirigiu os cem mil espectadores. Fazendo reagirem à medida de suas jogadas. Foi ali, naquele dia, que surgiu a gíria do "Olé", tão comumente utilizada posteriormente em nossos campos. Não porque o Botafogo tivesse dado "Olé" no River. Não. Foi um "Olé" pessoal. De Garrincha em Vairo.

Nunca assisti a coisa igual. Só a torcida mexicana com seu traquejo de touradas poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um "Olé" daquele tamanho. Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: "Ôôôôô"! O som do "olé" mexicano é diferente do nosso. O deles é o típico das touradas. Começa com um ô prolongado, em tom bem grave, parecendo um vento forte, em crescendo, e termina com a sílaba "lé" dita de forma rápida. Aqui é ao contrário: acentua-se mais o final "lé": "Olééé!" – sem separar, com nitidez, as sílabas em tom aberto.

Verdadeira festa. Num dos momentos em que Vairo estava parado em frente a Garrincha, um dos clarins dos "mariaches" atacou aquele trecho da Carmem que é tocado na abertura das touradas. Quase veio abaixo o Estádio Universitário.

Numa jogada de Garrincha, Quarentinha completou com o gol vazio e fez nosso gol. O River reagiu e também fez o dele. Didi ainda fez outro, de fora da área, numa jogada que viera de um córner, mas o juiz anulou porque Paulo Valentim estava junto à baliza. Embora a bola tivesse entrado do outro lado, o árbitro considerou a posição de Paulinho ilegal. De fato, Paulinho estava off-side. Havia um bolo de jogadores na área, mas o árbitro estava bem ali. E Paulinho poderia estar distraindo a atenção de Carrizo.

O jogo terminou empatado. Vairo não foi até o fim. Minella tirou-o do campo, bem perto de nós no banco vizinho. Vairo saiu rindo e exclamando: "No hay nada que hacer. Imposible" – e dirigindo-se ao suplente que entrava, gozou:

– Buena suerte muchacho. Pero antes, te aconsejo que escribas algo a tu mamá.
. 
O jogo terminou empatado e uma multidão invadiu o campo. O "Jarrito de Oro", que só seria entregue ao "melhor do campo" no dia seguinte, depois de uma votação no café Tupinambá, foi entregue ali mesmo a Garrincha. Os torcedores agarraram-no e deram uma volta olímpica carregando Mané nos ombros. Sob ensurdecedora ovação da torcida. No dia seguinte, os jornais acharam que tínhamos vencido o jogo, considerando o tal gol como válido. Mas só dedicaram a isto poucas linhas. O resto das reportagens e crônicas foi sobre Garrincha.

As agências telegráficas enviaram longas mensagens sobre o acontecimento e deram grande destaque ao "Olé". As notícias repercutiram bastante no Rio e a torcida carioca consagrou o "Olé". Foi assim que surgiu este tipo de gozação popular, tão discutido, mas que representa um sentimento da multidão.

Já tentaram acabar com o "Olé". Os árbitros de futebol, com sua inequívoca vocação para levar vaias, discutiram o assunto em congresso e resolveram adotar sanções. Mas como aplicá-las? Expulsando a torcida do estádio? Verificando o ridículo a que estavam expostos, deixam cada dia mais o assunto de lado. É melhor assim. É mais fácil derrubar um governo do que acabar com o "Olé".

Não poderia ter havido maior justiça a um jogador que a que foi feita pelos mexicanos a Mané Garrincha. Garrincha é o próprio "Olé".

Dentro e fora de campo, jamais vi alguém tão desconcertante, tão driblador. É impossível adivinhar-se o lado por onde Mané vai "sair" da enrascada. Foi a coisa mais justa do mundo que Garrincha tivesse sido o inspirador do "Olé".

Arte: Gonza

4 comentários:

Gil disse...

Rui,

Como gostaria de ver e viver esse lendário Botafogo!
Conheci um senhor (pai de uma amiga do Danilo) no jogo contra o Volta Redonda. Na saída conversamos sobre times e ele descreveu o Botafogo que humilhava o esgoto da Gávea! Disse que humilhava de todo o jeito! Pelo alto e na troca de passes. Disse ter visto o Botafogo dar olé em cabeçadas!
Comentou o motivo de tanta raiva, até hoje, pelas humilhações e desclassificações vergonhosas impostas ao lixo!
Pensei que fosse Botafoguense e a filha me disse que era vascaíno. Ele riu e disse o que todos nós sabemos, ou seja, que nos anos sessenta muitos iam ao estádio ver o Botafogo jogar.

Abs e Sds, Botafoguenses!!!

Ruy Moura disse...

A raiva vem d elonga data, dos anos 40, quando Heleno e Cia. faziam os cathartiformes sentarem-se em campo, abandonarem jogos e fazendo outras ameaças. A década de 1960 foi a confirmação, desta vez não com Heleno e Cia. mas com Garrincha e Cia. Depois disso veio a Ditadura e a Globo atrelada à Ditadura...

Abraços Gloriosos!

Sergio Di Sabbato disse...

Compreende-se porque tanta inveja e raiva do Botafogo. Afinal ele fez história no futebol mundial sem precisar de títulos ganhos de forma duvidosa, mas com jogadores fantásticos que todos queriam ver. Cada vez mais concordo com o Saldanha: "quem faz a história do futebol são os craques". Abs e SB!

Ruy Moura disse...

Sim, claro, sem craque so futebol mal existiria. Que seria hoje do futebol mundial sem Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Rooney, Ibrahimovic, Iniesta, Balotelli e tantos outros? Seria uma medíocre feira de vaidades, talvez...

O Botafogo conseguiu ganhar fama com as exibições dos seus craques pelo mundo fora quando conquistaram torneios im portantíssimos batendo o barcelona, o Manchester United, o Boca Juniors, o River Plate, o Benfica, etc. Títulos mundiais bem mais importantes do que a partida única amistosa da Taça Sulamérica-Europa de natureza privada, realizada no Japão e patrocinada por uma empresa de automóveis.

Abraços Gloriosos!

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