Oh, Abre alas...

por LÚCIA SENNA, escritora e cantora

escrito para o blogue Mundo Botafogo

Sem pedir permissão, chega chegando com seus instrumentos de percussão, invadindo e atropelando o pobre mês de janeiro que, apesar de ser o primeiro, timidamente encolhe-se diante do clamor dos pandeiros e do rufar dos tamborins.

Sai Papai Noel, entra Rei Momo – representantes oficiais da festa máxima cristã e da folia pagã. Ambos simpáticos, bonachões e bochechudos. Gordos, não mais. A gordura, antes sinal de formosura, caiu em desgraça e chocou-se com o politicamente correto que decretou peso pluma para os anfitriões dos nossos eventos carnavalescos e natalinos. Adeus às panças! Agora, magros, sarados e saudáveis, estão aptos a percorrer a cidade a pé, pregando a ordem celestial ou o caos infernal.

Como uma autêntica brasileira, rendo-me à cadência e ao ritmo quente do samba.

Acordo com os longínquos acordes, escancaro portas e janelas e todas as frestas para que a festa possa invadir-me de vez com a sua deliciosa prepotência.

Choro com a cuíca, agito-me com a escandalosa bateria, emociono-me com o som do surdo, vibro com os tambores, repiques, reco-reco e agogô.

Carnaval é, antes de tudo, a possibilidade que nos é dada de transgredir a ordem social, de virar a casaca, de chutar o pau da barraca, de trocar de lado, de batucar na lata, de fazer arruaça em qualquer rua, em qualquer  praça. Nesses dias de intensa magia, o pobre vira nobre, o homem vira mulher, o sério vira palhaço, a moça educada vira pistoleira, a pistoleira vira freira e a freira faz cara feia e vai pra igreja orar pelo bem da humanidade.

Carnaval é ludicidade. Vida cotidiana interrompida, planos prorrogados, compromissos adiados e o povo feliz, saindo de dentro dos armários com suas máscaras cintilantes e brilhantes fantasias. Carnaval é confete, serpentina, purpurina. É ver a triste sina do apaixonado pierrô chorando pelo amor da colombina.

Carnaval é sedução, ilusão, encantamento.  O povão e a elite, lado a lado, vivendo um pacto de felicidade e alegria momentânea. Há quem considere esse rompimento com as regras sociais uma grande falsidade. Não vou entrar no mérito da questão. Acho que o melhor a fazer é abandonar as críticas, deixar a rabugice de lado e vivenciar as emoções e a beleza contida na festa da desconstrução do sistema social.

Ah, meus amigos, minha ligação com o carnaval é umbilical. Vem de longa data e posso garantir que é uma paixão real, sólida e vitalícia. Revendo fotos antigas, constato que já nasci fantasiada de índia, apesar de ter chegado dois meses atrasada para a festa. Mas o meu nascimento também foi um acontecimento e, levada pelos bons ventos dos deuses tropicais, acabei por chegar na hora certa de um outro evento: os festejos da tribo Mawyana, que nada mais são do que uma espécie de carnaval tupiniquim. E aí foi só pegar um chocalho e entrar na roda.

Nascia uma carnavalesca.