por RUY MOURA | Editor do Mundo Botafogo
Gabriel García Márquez nasceu há 91 anos, no dia 6 de
março, mas o seu gosto pelo futebol surgiu apenas aos 23 anos de idade quando
se encantou com a partida Júnior Barranquilla 2x1 Millionarios.
A primeira obra que dele li foi ‘Cem Anos de Solidão’ e
senti a magia de um escritor que me ‘acompanhou’ toda a vida. Brilhantíssimo!
Neste momento de homenagem ao fantástico escritor,
jornalista, editor, ativista e político colombiano, eu não poderia deixar de
destacar que García Márquez fascinou-se por futebol e pelo Júnior Barranquilla
justamente em 1949-1950 quando o grande Heleno de Freitas jogava no clube.
Então, segue-se a crônica de García Márquez extraída
do seu livro Obra Jornalística – Vol. 1 – Textos caribenhos (Editora Record,
2006, pp. 238-239), na qual o grande ídolo botafoguense é retratado pelo escritor na sua estreia em terras colombianas:
‘O doutor De Freitas’
No primeiro dia do
mês em curso escreveu-se nesta seção uma crônica sobre abril. Esperava este
jornalista que no transcurso desses trinta dias acontecessem algumas coisas
interessantes, entre elas, que Pafúncio se fartasse com um pratarraz de feijão
com arroz no boteco do Perico; que Clark conseguisse seduzir a Srta. Lane sem
necessidade de transformar-se em Super-Homem e que Tarzan deixasse de praticar
suas bobagens atleticamente selvagens.
Parece que no que já
transcorreu do mês nada disso aconteceu, como não acontecerá no que falta dele,
segundo se pode suspeitar. Quanto ao casamento de Ingrid Bergman, as últimas
notícias dão a entender que o diretor Rosselini ainda espera saber com quem se
pareça a criança antes de lançar ao pescoço a coleira conjugal. Em síntese, a
única coisa que parece ter dado certo naquela crônica de saudação aprilina foi
a comprovada reivindicação do Dr. Heleno de Freitas no gramado do campeonato
nacional. Um acordo que poderia encher de orgulho o próprio dr. Gallup, não
tanto por sua precisão, mas pela circunstância especial de que quem revelou a
notícia a respeito do jogador brasileiro jamais se sentou nas gerais de um
estádio.
Tenho o costume – e
isso pode ser uma das formas da inclinação pelo esporte – de observar, nas
tardes dos domingos, o rosto daqueles que deixam o estádio. A tarde em que o
dr. De Freitas apresentou-se pela primeira vez, é muito possível que, se ele
tivesse a capacidade de entender certas interjeições castelhanas, teria
regressado ao Brasil no primeiro avião. O tempo passou e no domingo seguinte,
depois de treinar incansavelmente com os companheiros de seu time, o dr. De
Freitas deve ter chegado à conclusão de que, mais do que tais práticas
esportivas, lhe seria melhor uma prática metódica e consciente da gramática
castelhana. Foi assim que pôde realizar bem melhor sua segunda apresentação,
mostrando-se já capaz de compreender que a gritaria vinda das tribunas não era
de aprovação, mas de descontentamento. E já em sua nova apresentação em
Barranquilla, de volta de Cáli, o dr. De Freitas mostrava-se capaz de conjugar
perfeitamente os tempos simples do verbo “fazer”. “Farei milagres”, declarou à
imprensa, ao dar-se conta de que o público queria exatamente isso. Que fizesse
milagres. E, segundo me contam alguns que estiveram nesse dia no Estádio
Municipal, o que o brasileiro fez foi uma milagrosa atuação. Praticamente,
disseram, o dr. De Freitas – que deve ser um bom advogado – redigiu nesta
tarde, com os pés, memoriais e sentenças judiciais não apenas em português e
espanhol alternadamente, mas também citações de Justiniano no mais puro latim
clássico.
Agora ninguém mais
discute que abril foi o mês definitivo para o dr. De Freitas, e isso porque ele
aprendeu a traduzir para o espanhol toda essa gíria esportiva que tanto
prestígio lhe deu em seu país de origem. Como diz um grande contista nosso: “O
importante é a gramática.”
4 comentários:
Muito interessante a crônica de Gabo. Não chega a ser uma Lúcia Senna, mas o gajo, quero dizer, o Gabo, leva jeito KKKKK
Brincadeiras à parte, Gabriel Garcia Marquês é extraordinário! O último livro que li dele foi " Minhas putas tristes". É a história de um jornalista que descobre pela primeira vez o amor já no fim da vida e com uma prostituta menor de idade. O tema pode parecer chocante. No entanto, Gabo trata-o de forma incrivelmente enternecedora. Alías, se houve um tema que ele nunca se cansou de explorar, esse tema foi o AMOR.
Ah, o Amor e suas deliciosas contradições... KKKK
Mais umas lições contigo e o García Márquez talvez conseguisse fazer crônicas como as tuas! (rsrsrs)
CEM ANOS DE SOLIDÃO - foi assim que descobri Garcá Márquez aos 17 anos. Uma delícia. Mais tarde reli, obviamente. Eu me Gabo de ele ser um dos meus grandes autores de literatura.
Beijos Gloriosos.
E eu me GABO de ti, por seres quem és, um homem de dimensões imensas. Criador do MUNDO, adotando vida afora um comportamento absolutamente íntegro e transparente. Contigo tudo é preto no branco. És fantástico e não me canso de dizer.
Gloriosos beijos.
Cansa-te, querida, porque não sou assim tão fantástico, embora aceite ser... preto e branco! (rs) Mas conto-te um segredo: conheço uma cronista que é... fantástica!
Beijos Gloirosos.
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