Há
muito tempo que não escrevo um texto de fundo sobre futebol neste espaço
Glorioso, suponho que pelo menos desde que Jair Ventura saiu do Botafogo
desiludindo todos aqueles que nele acreditavam e lhe creditavam um saldo
positivo no modo como recuperou a esfacelada equipe deixada por Ricardo Gomes e
o Botafoguismo quase destruído por Maurício Assumpção.
Muitos
torcedores sul-americanos continuam convictos que treinador é fator mínimo e
que os craques devem jogar com liberdade para resolver os desafios
criativamente. Direi que sim, no tempo de Nilo, Carvalho Leite, Leônidas da
Silva ou Heleno de Freitas; ou no tempo de Pelé, Garrincha, Didi ou Jairzinho.
Diria que sim, antes do fim do século XX, quando especialmente o Brasil
produzia craques em quantidades exorbitantes.
Porém,
os europeus perceberam que competir dessa forma, contra craques cujos talentos
eram deixados pelos treinadores ao livre arbítrio dos atletas, e por isso nunca
houve treinadores realmente diferenciados no Brasil, seria um suicídio por
décadas, particularmente quando também a Argentina produzia craques de nível
mundial e de Copa do Mundo.
Então,
tudo mudou.
Os
europeus iniciaram um caminho de busca de ‘promessas’ nas equipes de base e,
sobretudo, prepararam fortíssimas escolas de treinadores de futebol, refletiram
profundamente em centenas de seminários internacionais e decidiram mudar o rumo
do seu futebol. Da técnica à tática, da arte à preparação física, dos ‘rachões’
a treinos milimetricamente preparados, do exercício comandado pelos técnicos ao
exercício minuciosamente planeado em máquinas especiais. E depois de tudo isso,
e mesmo paralelamente, reformular completamente a lógica da gestão do futebol,
do marketing, das competições continentais, da caça de talentos sul-americanos enquadrando
os talentos em novos sistemas táticos em busca permanente de novas soluções.
E
o futebol mudou. Definitivamente a favor dos europeus.
Nas
oito Copas antes de 1990 os sul-americanos venceram 5 copas e os europeus 3
copas. Porém, nas oito Copas do Mundo depois de 1990 os europeus conquistaram 6
Copas contra apenas 2 Copas sul-americanas (Brasil). Os quatro semifinalistas
da atual Copa são europeus.
Os
quatro maiores craques credenciados nesta Copa do Mundo (CR7, Messi, Neymar e
Salah) jogam na Europa e só o português é realmente europeu.
Todos
os maiores craques do mundo jogam na Europa, e em fim de carreira ingressam na
MLS. Talvez proximamente também no Extremo Oriente.
Nenhum
treinador brasileiro dirige grandes ou médias equipes europeias.
Os
torcedores europeus não envergam camisas do Corinthians, do Flamengo, do São
Paulo, do Santos ou do Botafogo, mas os torcedores sul-americanos passeiam-se
com camisas do Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Manchester City,
Arsenal, Chelsea, Liverpool, Juventus ou Bayern München. O futebol brasileiro
de clubes não tem nenhum peso de âmbito mundial. Resta ganhar de vez em quando
um Mundial de Clubes, competição que pouco entusiasma os europeus na fragilidade
dos moldes em que se pratica. E agora é oficial. Imagine-se quando o pseudo
título mundial de clubes era uma mera Taça da Toyota sem nenhuma validade. nem
oficial nem representativa de coisa alguma.
Estas
reflexões vêm a propósito de duas ocorrências:
[1]
Um querido amigo meu, que até entende de futebol, a propósito da saída de
Lopetegui da Seleção Espanhola, ficou tão entusiasmado por entregarem a equipe
a um dirigente espanhol ‘não treinador’, que afirmou, a 13 de junho, “confesso
que agora torcerei pra Espanha ser campeã do mundo” (mesmo em desfavor do
Brasil), porque entendia que esta fabulosa seleção sem esquemas táticos muito
enquadrados poderia finalmente mostrar os seus talentos e ser campeã do mundo. Porém,
face ao desastre da inexistência de tática e eliminados pelos russos de futebol
quase exclusivamente tático, o mesmo amigo confidenciou que “se todos os times
jogassem igual a Espanha, o futebol ia ser menos popular que esgrima”.
[2]
O excerto de um texto de Globoesporte.com diz o seguinte: “O Brasil não jogou mal. Pelo contrário.
Dominou dois terços do jogo, como disse o treinador, mas caiu diante de um
rival mais efetivo e que soube mudar sua tática para seguir na Copa do Mundo.
[…] A vitória da Bélgica começou antes de
a bola rolar. O técnico Roberto Martínez fez mudanças táticas no time. As mais
importantes no ataque: Hazard e Lukaku viraram pontas, enquanto De Bruyne jogou
de falso 9. A estratégia era jogar nas costas dos laterais brasileiros e deu
certo.”
Dois
exemplos de táticas que me parecem flagrantes: a tática belga de sucesso que
não permitiu que o craque Neymar resolvesse a partida; a tática absurdamente
errada da seleção portuguesa que não permitiu que o craque CR7 resolvesse a
partida, devido ao treinador abrir largura de jogo com Guedes e CR7 nas pontas e não metendo
ninguém na área, quando quem lá devia estar era CR7, o único verdadeiro
goleador de Portugal. Em suma, a tática belga fez a seleção seguir em frente; a
tática portuguesa fez o colapso da própria seleção.
A
tática, os sofisticados meios de treino, o regime alimentar, a preparação
física monitorizada, a disciplina na vida social, as competições de elevado
nível, as arbitragens muito melhoradas e já com o VAR em funcionamento nos
campeonatos alemão, italiano e português, os projetos especiais de caça
talentos em todo o mundo, a sedução crescente de adeptos nos estádios e toda a
máquina profissional em torno do futebol que agrega as melhores competências
continentais, são a receita de sucesso. Os talentos dos jogadores enquadram-se
no esquema. O craque decide muitas vezes, mas no enquadramento tático comandado
por treinadores como Klopp, Guardiola, Mourinho, Simeone, Zidane, Emery,
Allegri, Tabaréz e até mesmo o citado Roberto Martínez e muitos outros que
brilham em clubes europeus.
Em
suma, tudo isto para sublinhar e reafirmar que os dirigentes da Confederação
Brasileira de Futebol envolvidos em grandes escândalos, os dirigentes das
Federações estaduais comprometidos com esquemas de toda a espécie, os responsáveis
pelas comissões de arbitragens e os árbitros favorecendo os seus ‘mais
queridos’, os magistrados dos tribunais desportivos usando de dois pesos e duas
medidas, os treinadores ex-jogadores mais ou menos empíricos e pouco
estudiosos, os jogadores da balada e da vida fácil, os narradores e
comentaristas parcialíssimos e roçando por vezes a postura imbecil, são de uma
debilidade profissional inqualificável e não largam as suas ‘capelas’ e os seus
‘galinheiros’, onde favorecem uns clubes e desfavorecem outros, onde pelos seus
comportamentos e atitudes não estabelecem uma competitividade saudável e de
alto nível pela bitola da imparcialidade, onde não reconstroem o futebol
brasileiro – umas vezes humilhado, outras ferido, outras ainda apalhaçado, com
o seu principal craque a fazer figuras infantis de cai-cai e de respostas
agressivas e arruaceiras –, mas, em vez disso, afundam cada vez mais o futebol
nacional de clubes, não travam o êxodo dos melhores futebolistas para a Europa,
não tomam quaisquer medidas inovadoras e modernas, não perceberam que o futebol
mudou e que os europeus dominam o futebol mundial desde há pelo menos 28 anos. E não se vislumbra que assim deixe de ser...
6 comentários:
Paramos no tempo...não mudou nada tomando de 7 a1 em casa, não vai ser com uma derrota digna , que irá mudar.O problema é que ficamos no meio do caminho..não conseguimos progredir tecnicamente e olhando o tamanho dos belgas perto dos pigmeus brasileiros, até na preparação fisica temos ficado para trás.Não tenho nenhuma ilusão, já q as divisões de base se tornaram um covil de empresarios e treinadores, ruins, mal intencionados e na cupula do nosso futebol nem se fala.Os clubes, a bancarrota, não valorizam o campeonato brasileiro, não chamam para si a responsabilidade de gerir seus proprios negocios e campeonatos e ficam a mingua subservientes a um canal de TV, que está acabando com o nosso futebol.Nem falo mais de corrupçao.O Brasil se tornou um antro em todos os niveis.Cercaram o país e fizeram disso aqui um curral.Ninguém olha para cá, pois sabe que nos tornamos toscos, uma provincia , uma ilha continental das bananas e dos bananas, que somos nós.Seguimos na contra mão da história...para vc ver , até o calendário é diferente do resto do mundo do futebol.Nem nisso nos modernizamos.Como se modernizar, com cameponatos estaduais, com grandes clubes(?) jogando para 300, 600 pessoas(?).É duro , mas é real.Seleção virou um balcão de negocios.Não nos pertence mais...nem circo temos mais, nem vou falar de pão....Vespasiano, o imperador romano, deve morrendo de rir onde é que que esteja ao lado filho, Tito...
Grande Texto, sintetizou bem o que ocorre aqui.
Abraços
"Seguimos na contra mão da história". - é a frase, Flavio. Antes, todo o futebol mundial olhava para o Brasil; hoje, todo o Brasil olha para o futebol mundial. E os seus 'homicidas' continuam impunes à frente de duas grandes instituições nacionais...
Abraços Gloriosos.
Fico satisfeito que tenha gostado, Jatahy, mas ainda me esqueci de incluir uma entidade mais ou menos execrável do futebol brasileiro e que muito o prejudica: empresários!
Um grande abraço, meu querido amigo!
Rui, acho que a derrocada começou pela Lei Pelé. Os clubes formadores ficaram nas mãos de empresários.
Os clubes, sem se adequarem à nova lei, caíram nas garras da Rede Goebbels. Virou círculo vicioso. Sem dinheiro, tomando dinheiro emprestado à emissora. Como evidenciam investigações, o Fifagate, suborno sempre foi a tônica nos contratos televisivos, seja entre emissora e clube, seja entre federações e emissora.
Some-se a isso, a derrubada de limite de estrangeiros na Europa, no começo dos anos 90. E muitas e muitas outras coisas...
Ah, claro, eu devia ter introduzido esse aspecto no texto. A Lei Pelé é contemporânea da auto-revelação do futebol europeu. Enquanto uns se enterraram, outros emergiram. Porém, o mesmo aconteceu à Argentina. Não sei se teve alguma lei do tipo Pelé, mas a sua decadência creio que ainda foi maior que a decadência do futebol no Brasil. Não sei ao certo. O Émerson estará mais a par disso do que eu. Certo mesmo é que Brasil e Argentina declinaram e os europeus tomaram o comando das operações. E agora vai ser muito difícil superar o assunto. O Brasil e a Argentina poderão vir a ser campeões do mundo proximamente, mas ao nível de clubes não creio que haja proximamente muito futuro para o Brasil e a Argentina. Uma pena. Especialmente pelo nosso Botafogo, que não tornará muito provavelmente à glória mundial antiga. Mas poderá vir a ganhar uma Libertadores a médio prazo, coisa que por enquanto está ao alcance de qualquer equipe, e isso mostra como a competição se enfraqueceu.
Abraços Gloriosos.
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