O neto sueco do “anjo
das pernas tortas” está nas reservas do Brentford, e um dos seus filhos jogou e
morreu em Portugal.
MARCO VAZA
15 de Setembro de 2018
Não há uma
certeza absoluta quantos filhos gerou Mané Garrincha. Como escrevia Ruy Castro
na biografia “Estrela Solitária” (que teve em Setembro deste ano uma edição
portuguesa), Garrincha era “uma máquina de fazer sexo” e, se estão confirmados
14 filhos biológicos do “anjo das pernas tortas”, é provável que tenha gerado
muitos outros que não são conhecidos. Foram 11 filhas e três filhos, e alguns
deles partilharam o destino trágico daquele que chamava João a todos os defesas
que lhe apareciam pela frente. Garrinchinha, o seu único filho com Elza Soares,
morreu afogado com nove anos após um acidente de automóvel. Neném, o único dos
filhos de Garrincha que deu em futebolista, também foi vítima de um acidente de
automóvel, em Portugal (e também jogou em Portugal, mas já lá vamos).
É da
descendência do filho sueco que Garrincha nunca conheceu que o seu património
genético ainda sobrevive nos relvados. Henrik Johansson, médio internacional
sub-19 pela Suécia, é neto de Garrincha e filho de Ulf Lindberg, gerado em 1959
numa noite em que Garrincha se escapou de um hotel em 1Umea, perto de
Estocolmo, durante uma digressão do Botafogo pela Europa. Mané passou a noite
com uma rapariga sueca em casa dela e até conheceu os pais, antes de voltar
durante a madrugada ao hotel. No dia seguinte, a polícia foi ao hotel para
recolher uma amostra de sangue de Garrincha. Se a rapariga engravidasse,
explicaram as autoridades, o estado sueco só iria contribuir financeiramente
para a educação da criança se soubesse quem era o pai.
Nove meses
depois, nascia Ulf e a mãe, sem condições para o manter, deu-o para adoção.
Neste processo, Garrincha recebeu a visita de um representante do consulado
sueco no Rio de Janeiro para que o craque assinasse um documento a renunciar a
todos os direitos de paternidade sobre o seu filho sueco. Ulf nunca seria
jogador de futebol, embora tivesse experimentado quando era adolescente e há
fotos dele em pose de futebolista e com uma bola nas mãos. “O futebol para mim
acabou cedo porque tive uma doença reumática na adolescência”, contava numa
entrevista ao Mais futebol em 2014.
Mas um dos
seus quatro filhos, Henrik, foi mesmo para o futebol. Jogou na formação do
Halmstad, foi internacional jovem pela Suécia e, no ano passado, assinou um
contrato de dois anos e meio com o Brentford, clube da segunda divisão inglesa.
Henrik ainda não passou da equipa de reservas, até porque esteve lesionado, mas
talvez haja naquelas pernas (bem menos tortas que as do seu avô paterno) alguma
da magia do homem que foi bicampeão com o Brasil.
Não é, no
entanto, preciso olhar com muita atenção para descobrir parecenças entre o neto
e o avô. Henrik é que não gosta de falar muito do assunto porque a herança de
Garrincha é demasiado pesada. “Não gosto de falar muito nisso porque não quero
que prejudique o meu futebol ou a minha vida, mas está sempre na minha cabeça.
E gosto de pensar que há qualquer coisa dele na forma como eu jogo. Sou um
jogador de ataque com técnica e que gosta de marcar golos”, disse Henrik, um
extremo, no dia em que foi apresentado no Brentford.
Garrincha
nunca conheceu a sua descendência sueca – morreu em 1983 – mas chegou a estar
relativamente presente na vida de Neném, embora não o tenha reconhecido logo
como seu descendente. Manuel Castilho, “Neném”, nasceu em 1961, fruto de uma
relação extraconjugal prolongada de Garrincha com Iraci e, entre o fim do seu
casamento com Nair (a primeira mulher e mãe de nove das suas filhas) e os
primeiros anos da relação com Elza Soares, ele nunca teve qualquer contacto com
o filho. Neném tinha 15 anos quando um olheiro do Fluminense reparou nele
durante um jogo de miúdos em Pau Grande, uma cidade nos arredores do Rio de
Janeiro e onde Neném (e Garrincha) vivia.
Alguém disse
ao olheiro do Fluminense que aquele miúdo era filho de craque e o “tricolor”
ficou com ele. A história saiu nos jornais e, pouco tempo depois, Garrincha não
teve outro remédio que não assumir a paternidade. Neném parecia ter, de facto,
algum talento (e as pernas tortas também), para além de ser a cara chapada de
Garrincha, que, nos seus últimos anos, quis que ele tivesse o seu apelido. “Não
precisa meu pai, meu rosto é a minha certidão de nascimento”, terá respondido o
jovem, segundo a biografia de Ruy Castro.
Neném também
era um ponta-direita, como o pai. Num artigo publicado em 1980 na revista
brasileira “Placard”, é reproduzida uma conversa entre os dois em que Garrincha
dá conselhos ao jovem candidato a craque. “De nada adianta correr muito se a
bola é uma coisa estranha pra você, aprenda a tratá-la bem pois é disso que o
povo gosta”, dizia o homem que também era conhecido como a “alegria do povo”.
Neném não
vingou no Fluminense e, segundo várias fontes, ainda terá tentado a sua sorte
no futebol português no início dos anos 1980. Terá chegado a Portugal para
representar o Belenenses, mas acabaria por não ser inscrito por não haver
vaga para mais jogadores estrangeiros nos "azuis" do Restelo, tendo
seguido depois para o Fafe (onde jogou entre 1981 e 1984), para o Felgueiras
(1984-1986) e para o Lixa (1986-87). Acabaria por experimentar o futebol suíço,
fixando-se em Locarno, onde se terá tornado pedreiro, acabando por morrer em
1992, num acidente de automóvel em Fafe, quando passava férias em Portugal. O
dia da sua morte foi 20 de Janeiro, exatamente o dia de 1983 em que Mané
Garrincha morreu.
Sem comentários:
Enviar um comentário