Desenho de Paulo Mendes Campos
por ELVIA BEZERRA* e JULIA MENEZES
18 de janeiro de 2013
Botafoguense de sete
costados, o cronista e poeta Paulo Mendes Campos, se vivo fosse, não deixaria passar
em branco a data que assinala os 30 anos da morte de Garrincha: 20 de janeiro
deste 2013. Autor de pelo menos três crônicas memoráveis sobre Manuel Francisco
dos Santos, nome de batismo do menino que, de tanto gostar de caçar passarinho,
ganhou o apelido hoje célebre, Paulo não só se referiu a Garrincha em muitos
outros textos, como ainda se aventurou a fazer um desenho do ponta-direita do
Botafogo.
O desenho integra o
arquivo do escritor mineiro, sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde
2011. Entre as muitas pastas em que organizou, por temas, seus papéis, Paulo
destinou duas a assuntos de futebol, e nelas colecionou recortes de jornal, boa
quantidade deles sobre o mítico camisa 7 do Botafogo.
“Garrincha é como
Rimbaud: gênio em estado nascente”, escreveu ele na crônica “Mané Garrincha”.
Seu entusiasmo era tamanho que em 1953, bem antes de as pernas tortas de
Garrincha ganharem o mundo, publicou artigo na Revista da Semana instando
o técnico a convocar o jogador com fama de “doidinho” para disputar a Copa do
Mundo de 1954, na Suíça. Zezé Moreira, no comando da seleção brasileira, fez
ouvidos moucos e acabou voltando pra casa depois de engolir a derrota no jogo
contra a Hungria.
Mas Paulo Mendes
Campos não desanimava na campanha, e na crônica “Botafogo dos Botafogos”
escrevia:
Eu vos conjuro,
botafoguenses de todo o Brasil, a comparecer ao Maracanã; para o que der e
vier; aquele é o Garrincha, ei-lo que vem como um cabrito montês, saltando os
obstáculos; eis que entra na área adversária, causando um pânico formidável.
Teve de esperar mais
quatro anos para ver, na copa seguinte, em 1958, Garrincha ostentar o número 11
nas costas e trazer, da Suécia, o primeiro título de campeão mundial. Mas não
tinha sido fácil para o jogador ser integrado ao time de Feola – justifica
Paulo na crônica “Garrincha”:
Em 1958, vai no
selecionado, mas como reserva de Joel, jogador da particular confiança técnica
de Feola. Apesar de ter feito misérias no jogo amistoso contra o Fiorentina,
apesar de estar na cara o milagre de seu futebol, Mané ficou na cerca até o
momento em que três pessoas mudaram seu destino. E o nosso Didi, Nilton e
Belini conseguiram convencer os dirigentes que o Brasil não venceria a Rússia
sem Garrincha. O resto todo mundo sabe.
Imagine-se com que
arrebatamento Paulo Mendes Campos quis fazer uma biografia de Garrincha logo
depois da conquista da taça. Aproximou-se do jogador, entrevistou-o. O agora
ídolo nacional marcava almoços, desmarcava, e o futuro biógrafo, frustrado por
não conseguir acompanhar o ritmo do “maior driblador da história do futebol”,
dizia ele, recuou: “Eu não tinha saúde para marcá-lo”. Deixou a tarefa para Ruy
Castro, que anos depois escreveria Estrela solitária.
É preciso passar a
palavra de vez a Paulo Mendes Campos, autor desta magnífica e sucinta análise
psicológica de Mané na mesma crônica aqui mencionada. O texto, aliás, foi
publicado dentro de uma reportagem maior na revista Diners, em
1968. com o título “Garrincha na cerca: o que é que nós temos com isso”. O
texto original, mais curto, do qual se reproduz o parágrafo a seguir, seria
incluído no livro O gol é necessário:
Era a própria
candura. Todo mundo, em todas as profissões e fora das profissões, sonha com a
candura como um bem supremo. Mas somente Mané Garrincha e uns poucos ungidos
nasceram e cresceram com essa proeza, com essa espontaneidade inalterável.
Nunca houve homem famoso menos mascarado, menos cônscio de sua importância.
Algumas pessoas, à custa de autodomínio, conseguem isso. Mas a Garrincha não
custava nada. Ele era desimportante sem saber que o era. E era também
perfeitamente espontâneo – e isso é ainda mais raro de se achar – ao receber
alegremente a glória e o carinho do povo. Cândido mas não ingênuo. Pelo
contrário, Mané é, antes de tudo, um astuto. Dentro e fora do campo. A
qualidade ardilosa de sua inteligência – tão comum, aliás, em nosso homem do
interior – pode ser imediatamente notada em um detalhe: Mané fala errado, à
maneira do homem da roça, de propósito, por astúcia, porque se tentasse falar corretamente
cometeria erros involuntários.
* Elvia Bezerra é
coordenadora de literatura do IMS e Julia Menezes é arquivista na Reserva
Técnica Literária.
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