por LETÍCIA MARCOLAN & MARCUS VINICIUS COSTA LAGE
Graduanda em História pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais | Doutor
em História pela Universidade Federal de Minas Gerais | Ambos participam do
Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes da UFMG e do Grupo de
Estudos e Pesquisa Memória FC
Recentemente o PVC, renomado comentarista de futebol da
SporTV, usou uma pesquisa da Ibope Repucom, e a fala do diretor da empresa,
para sustentar a tese de que o Glorioso alvinegro carioca está diante de uma
encruzilhada. Se ele voltar a ganhar, sua torcida “rejuvenesce” e ele se
agiganta. Caso contrário, ele põe tudo a perder e se apequena, tornando-se,
quem sabe, um América do Rio.
A base argumentativa de PVC e de seus interlocutores era
a seguinte: “dentre os 12 grandes” do Brasil, o Fogão é o clube com o maior
número de torcedores mistos. Aqueles que torcem pra mais de um time. De acordo
com eles, a cada dez botafoguenses, quatro também torcem pra outro time. Aliás,
é mais do que isso: de cada dez torcedores alvinegros, dois são Flamengo e um
ou outro é Vasco.
De fato, esses números não são nem um pouco
alvissareiros para as pretensões botafoguenses. Quem tem mais simpatizantes que
rivais, ou um grande número de simpatizantes entre aqueles que deveriam ser
rivais, corre o risco de ver seu séquito minguar ao sabor dos resultados. Para
o torcedor misto, se seu time não lhe satisfaz, ele vai logo correndo pro
amante. Se ele ganha eventualmente, ele vira, quando muito, o queridinho do
povo. Um clube simpático, bem quisto por todos, inofensivo, que não faz mal a
ninguém.
E como, nos últimos anos, a vida do Glorioso alvinegro
vem sendo mais marcada por duras perdas, dentro e fora de campo, paulatinamente
ele tem se tornado o segundo time de coração de muitos torcedores. Só pra
relembrar, desde os anos 1970 ele viveu vinte longos anos sem grandes
conquistas, perdeu sua sede social e seu estádio por conta de dívidas fiscais,
foi rebaixado duas vezes para a segundona do Brasileiro nas duas últimas
décadas (2002 e 2014) e se habituou a jogar a Série A pra não cair. Os títulos
de expressão, bastante efêmeros, como o da Copa Conmebol de 1993 e o Brasileiro
de 1995.
Não por coincidência, o Botafogo chega a essa nova
década do século XXI em uma posição meio indefinida, que, em alguns aspectos,
muito se aproxima do caso athleticano que trabalhamos em nosso último texto.
Muitos simpatizantes, crises político-administrativas recorrentes e, no último
ranking de pontuação acumulada do Brasileirão construído pelo Uol, ocupou a 12ª
posição; ou seja, ele ficou no “limite” dos “12 grandes” (o Athletico,
por exemplo, ficou no décimo lugar).
Mas será que esses argumentos fazem mesmo sentido? Será
que essa leitura não seria apenas um pretexto para que alguns defendam a
inclusão de novos clubes, como o Athletico, no rol dos grandes? Ou não seria
este um discurso sustentado por grupos políticos do Botafogo interessados em
modificar seu modelo de gestão? Afinal de contas, o diretor da Ibope Repucom,
botafoguense esperançoso na volta dos títulos, acredita que o “início da
transformação” do clube passa pelo “nascimento” do “Botafogo S/A”. Será que o “velho”
Botafogo não cabe mais no “futebol moderno”, dos clubes-empresas?
Se o Botafogo corre ou não o risco de se apequenar – se
é que isso é possível – só o tempo dirá. De todo modo, acreditamos que ele está
longe de ser um clube pequeno. De acordo com as últimas pesquisas Datafolha e
Lance!, ele faz parte dos 20 clubes mais populares do país. No plano nacional,
ele está ao lado de Bahia, Fluminense, Sport, Santa Cruz, Fortaleza, Vitória e
Ceará, com cerca de 1% de torcedores no país. Enquanto no Rio ele fica em
quarto lugar com quase 13%.
Marcas que estão longe de serem inexpressivas e que,
provavelmente, se explicam pelo seu passado glorioso. A ponto da
Fifa reconhecê-lo, no início dos anos 2000, como um dos maiores daquele
século. E não é pra menos.
Até hoje o Botafogo é o clube que mais cedeu jogadores
para a Seleção. Depois de conquistar o tetracampeonato carioca nos anos
1932, 1933, 1934 e 1935, seu time serviu de base para as seleções brasileiras
nas copas da década de 1930. Em 1934 foram nove e em 1938 cinco. Mas seria
mesmo no fim da década de 1950 que o clube revelou sua principal jóia: Mané
Garrincha, que ao lado dos companheiros de clube, Nilton Santos, Didi e Zagallo
ajudaram a Seleção Brasileira a conquistar sua primeira Copa do Mundo em 1958.
Na Copa de 1962 o “gênio das pernas tortas” comandou a Seleção rumo ao
bicampeonato mundial. Com ele, mais quatro jogadores do Botafogo: Nílton
Santos, Didi, Zagallo e Amarildo. Também no início da década 1960, o Botafogo
de Mané foi bicampeão carioca (1961 e 1962) e conquistou dois torneios Rio-São
Paulo (1962 e 1964). Não seria, portanto, um exagero dizermos que o Botafogo
será, eternamente, o time que revelou Garrincha e seu venerado “futebol-arte”
para o mundo.
Mesmo com o fim precoce de sua carreira, o Glorioso
continuou revelando craques que conquistaram novamente um bicampeonato carioca
em 1967 e 1968, além da Taça Brasil de 1968. Mais uma vez o clube da estrela
solitária torna-se base da Seleção Brasileira, campeã do mundo em 1970 com os
craques botafoguenses Jairzinho, o “Furacão da Copa”, Paulo Cézar Caju e
Roberto Miranda.
Talvez seja esse passado que, ainda hoje, permita ao
Botafogo viver alguns momentos espetaculares, mesmo que efêmeros, como a
campanha que lhe garantiu o quarto lugar no Brasileirão de 2013, as
participações na Libertadores de 2014 e 2017 e a contratação de estrelas do
quilate de Seedorf, Honda e Kalou. E que lhe possibilitaram administrador o
moderno e grandioso estádio olímpico de Engenho de Dentro, que, carinhosamente,
foi rebatizado com o nome de um dos maiores ídolos de sua história.
Trocando miúdos, o Botafogo é, sem dúvida, um dos clubes
mais tradicionais do futebol brasileiro. Sua história é vitoriosa,
especialmente no século passado, e sua torcida ainda deve ser considerada como uma
das maiores do país. Talvez seu principal desafio, para ver de vez afastada as
especulações em relação à sua grandeza, seja voltar a conquistar títulos. […]
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