Nani, 33 anos, futebolista português, atacante, revelado
pelo Sporting CP, campeão mundial e europeu pelo Manchester United e campeão
europeu por Portugal, joga atualmente no Orlando City e assinou um artigo
impressionante no ‘The Players Tribune’
[…] Toda esta
história começou porque nós passávamos fome. Quando era muito jovem, fiquei
convencido que Deus me tinha escolhido para ser futebolista. Estava a viver com
a minha mãe e oito dos meus irmãos numa casa só com um quarto. O chão era cheio
de buracos com ratos e lagartos. Não tínhamos nada para comer. Estávamos a lutar
pelas nossas vidas. […]
Eventualmente,
os ratos e os lagartos passaram a ser algo normal para nós. É incrível ao que
te consegues adaptar quando és uma criança. Mas uma coisa que nunca te
consegues habituar é a ter fome. A fome é difícil de explicar. Algumas pessoas
dizem: ‘Coitadas daquelas crianças em África’. És capaz de vê-las com fome, mas
se tentasses passar por isso. Sentir a boca seca, o estômago a gritar. A dor no
corpo é tão forte que pensas que algo está a rasgar a tua pele, ou se esta é
uma condição a que tens de te habituar. Senti muito isso. Acho que a única
coisa boa em passar fome, é que te obriga a encontrar soluções. Um dia, um dos
meus irmãos, Paulo Roberto, teve uma ideia. Acho que eu tinha uns dez anos. Ele
tinha mais cinco que eu e, basicamente, ocupou o lugar deixado pelo meu pai.
Ele ensinava-me tudo. Então ele disse: ‘porque não vamos para a parte rica de
Lisboa e pedimos comida?’. Não estava certo que fosse funcionar, mas ele estava
seguro que estas pessoas tinham comida de sobra. Tinha razão. Deram-nos pão,
sopa e bolachas. Alguns até nos convidavam para as suas casas. Outros davam-nos
dinheiro para comprarmos a nossa própria comida. Até fizemos novos amigos. Acho
que as pessoas gostavam de nós porque escolhíamos não roubar. Pedíamos, éramos
honestos. […]
Um dia, eu e o
meu irmão estávamos a jogar à bola quando avistámos uma Pizza Hut. Quando
pedimos comida, eles disseram que não tinham nada. Mas, quando estávamos a ir
embora, uma mulher veio ter connosco e pediu-nos para esperar. Dois minutos
depois, apareceu com uma pizza que estava praticamente acabada de fazer. Aquela
pizza… Era incrivelmente boa. Se nunca conheceste o que é verdadeiramente
sentir fome, podes pensar que estou a exagerar. Mas, se o viveste, sabes que
estou a dizer a verdade quando te conto que ainda consigo sentir o sabor
daquela pizza.
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