quinta-feira, 16 de julho de 2020

A infância de Nani, campeão da Europa: habituas-te aos ratos, mas à fome nunca

Nani, 33 anos, futebolista português, atacante, revelado pelo Sporting CP, campeão mundial e europeu pelo Manchester United e campeão europeu por Portugal, joga atualmente no Orlando City e assinou um artigo impressionante no ‘The Players Tribune’

[…] Toda esta história começou porque nós passávamos fome. Quando era muito jovem, fiquei convencido que Deus me tinha escolhido para ser futebolista. Estava a viver com a minha mãe e oito dos meus irmãos numa casa só com um quarto. O chão era cheio de buracos com ratos e lagartos. Não tínhamos nada para comer. Estávamos a lutar pelas nossas vidas. […]

Eventualmente, os ratos e os lagartos passaram a ser algo normal para nós. É incrível ao que te consegues adaptar quando és uma criança. Mas uma coisa que nunca te consegues habituar é a ter fome. A fome é difícil de explicar. Algumas pessoas dizem: ‘Coitadas daquelas crianças em África’. És capaz de vê-las com fome, mas se tentasses passar por isso. Sentir a boca seca, o estômago a gritar. A dor no corpo é tão forte que pensas que algo está a rasgar a tua pele, ou se esta é uma condição a que tens de te habituar. Senti muito isso. Acho que a única coisa boa em passar fome, é que te obriga a encontrar soluções. Um dia, um dos meus irmãos, Paulo Roberto, teve uma ideia. Acho que eu tinha uns dez anos. Ele tinha mais cinco que eu e, basicamente, ocupou o lugar deixado pelo meu pai. Ele ensinava-me tudo. Então ele disse: ‘porque não vamos para a parte rica de Lisboa e pedimos comida?’. Não estava certo que fosse funcionar, mas ele estava seguro que estas pessoas tinham comida de sobra. Tinha razão. Deram-nos pão, sopa e bolachas. Alguns até nos convidavam para as suas casas. Outros davam-nos dinheiro para comprarmos a nossa própria comida. Até fizemos novos amigos. Acho que as pessoas gostavam de nós porque escolhíamos não roubar. Pedíamos, éramos honestos. […]

Um dia, eu e o meu irmão estávamos a jogar à bola quando avistámos uma Pizza Hut. Quando pedimos comida, eles disseram que não tinham nada. Mas, quando estávamos a ir embora, uma mulher veio ter connosco e pediu-nos para esperar. Dois minutos depois, apareceu com uma pizza que estava praticamente acabada de fazer. Aquela pizza… Era incrivelmente boa. Se nunca conheceste o que é verdadeiramente sentir fome, podes pensar que estou a exagerar. Mas, se o viveste, sabes que estou a dizer a verdade quando te conto que ainda consigo sentir o sabor daquela pizza.


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