por RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo
No dia 8 de dezembro de 2007, homenageando a data da fundação do Botafogo de Futebol e Regatas a 08.12.1942, foi fundado o blogue Mundo Botafogo, o maior espaço de Internet sobre o passado, o presente e o futuro do mundo de um Clube que possui as mais fabulosas histórias desportivas brasileiras e os mais extraordinários craques em 40 modalidades já praticadas, tendo sido campeão nacional e internacional por diversas vezes em atletismo, basquetebol, boliche, futebol, futebol 7, futebol de areia, futsal, futvôlei, natação, polo aquático, remo e voleibol – e campeão mundial em aeromodelismo, bridge, futebol 7 e futebol juvenil.
Em 13 anos o blogue registrou 6.436.070 acessos, desde o 1º de julho de 2010 (data de início da contagem), publicou 15.695 artigos em texto ou imagem e recebeu 35.525 comentários.
Para comemorar este dia, o Mundo Botafogo oferece aos seus milhares de leitores a 1ª crônica que o editor publicou no dia 1º de março de 2008 – quase três meses após a fundação do blogue –, no portal Arena Alvinegra, do qual era membro da equipe de coordenação:
BOTAFOGO, uma vocação universal!
por RUY MOURA
Colunista do Arena Alvinegra
1960, o primeiro ano mágico da minha vida. Foi nesse ano que a saga botafoguense se apossou literalmente da minha alma e nela instalou para sempre a Estrela Solitária que guiava os remadores botafoguenses nas alvas manhãs de finais do século XIX.
Eu era, então, um ‘pequeno’ lisboeta no Rio de Janeiro, que contava apenas 8 anos de idade, mas que não escolheu torcer pelo campeão de 1959, nem pelo campeão de 1960. Nem sequer pelo clube da família, o Vasco da Gama.
Terá sido o inigualável ‘anjo das pernas tortas’ responsável pela sua escolha tão insólita?... Terá sido a ‘enciclopédia do futebol’?... Terá sido o ‘príncipe etíope’?... Terá sido o ‘possesso’?... Terá sido o maior e mais discreto artilheiro botafoguense de todos os tempos?... Ou terá sido o mais elegante goleiro de sempre do futebol brasileiro?...
Talvez fosse uma ‘predestinação celestial’. Talvez fosse porque a criança já se predispunha a possuir uma ‘senha para a cidadania’. Talvez fosse devido ao Botafogo ser um ‘menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol’. Talvez fosse resultado de a criança querer ser de um clube com o ‘orgulho de Grande de Espanha’.
Talvez tenho sido tudo isto que revelou ao menino de 8 anos um universo único, ‘símbolo ao mesmo tempo de fulgor e solidão’, o qual o havia de acompanhar sempre – fazendo vibrar na sua alma uma paixão incomensurável pelo clube da Estrela Solitária.
O jovem regressou ao seu país de origem, levando uma irmã carioca, e mesmo rodando mundo durante décadas, num ir e voltar incessante, eis que o homem permanece um ‘menino botafoguense’ que não envelheceu e continua profundamente emocionado com o ‘seu’ Botafogo.
Hoje, o homem continua a levar consigo, para onde quer que vá, a vibração dos mesmos sentimentos de outrora, e continua a catalogar, no seu acervo preto-e-branco, tal como fizera nos cadernos da sua infância, as façanhas do seu amado clube e as jornadas de glória, angústia e esperança que paulatinamente construíram uma história inigualável.
Tal como dizia Roby Porto, quando radicado nos Estados Unidos da América, também para mim “o Botafogo é a maior saudade que tenho do Brasil”. Foi provavelmente o Botafogo que me fez compreender, em toda a sua extensão, a belíssima frase de Fernando Pessoa: “Minha pátria é a língua portuguesa”.
Ademais, o Botafogo faz uma ligação transatlântica absolutamente notável, porque a designação do antigo bairro da Zona Sul e a denominação do clube provêm justamente do Galeão São João Batista, o maior navio de guerra da Europa do século XVI. Mandado construir por D. João II, o galeão pesava mil toneladas e possuía 200 peças de artilharia pesada, razão pela qual o seu poder de fogo e as suas afamadas conquistas o fizeram ser conhecido pelo apelido de 'Botafogo'.
Izzo Rocha e Vilson Santos assinalaram, no Hino do Centenário do Botafogo de Futebol e Regatas, o início de tudo: “Há muito tempo atrás, no Continente Europeu / Um grande poder de fogo, muitas batalhas venceu / O Galeão Português barco formoso, poderoso de além mar / de Botafogo foi batizado por tudo conquistar”.
Antes de existir, o Botafogo já tinha uma história planetária nos mares do mundo. E quando nasceu para as regatas, em 1894, foi para defender a pureza do remo do século XIX. E quando nasceu para o futebol, em 1904, foi para criar um clube de rapazes que colocou a honra no cimo do seu pedestal. E quando fundiu o futebol e as regatas, sob a égide do poeta Schmidt, foi para honrar o seu atleta fulminado em plena quadra e trilhar o caminho de glórias que levariam o Botafogo de Futebol e Regatas ao topo do mundo.
Esse Botafogo nascido subitamente para o mundo através de um par de pernas tortas, trazia consigo a honra de remadores e de futebolistas que defenderam a essência desses esportes com valores reconhecidamente universais. O Botafogo é muito mais do que um simples clube que nasceu num bairro de uma ‘cidade maravilhosa’. O Botafogo é um clube conhecido e respeitado em todo o mundo, é um clube que já mostrou o seu futebol em mais de cem cidades estrangeiras, é um clube que tem o maior quinhão de responsabilidade na conquista de três copas mundiais, é um clube que inspirou mais de sessenta ‘Botafogos’ em todo o mundo – em África, na América do Sul e na Europa.
O Botafogo tem história antiga que transcende as simples fronteiras territoriais do país e desperta paixões exacerbadas, porque na sua alma habita a vocação universal do galeão português e o orgulho de um ‘Grande de Espanha’ – uma vocação universal de carácter impoluto e de valores intemporais.
Perguntar-me-ão: “mas porquê essa vocação universal?...” Responderei que ignoro, mas que todos sabemos que foi sempre assim. Responderei que os mistérios são isso mesmo, porque se ignora os segredos que os revelam como tais. O Botafogo é o meu mistério universal, mas… como o conheço tão bem! Conheço-o tão bem como a minha própria alma! Que não se explica, que é cega, surda e muda, mas que se me revela tão bem como a Estrela Solitária das alvas manhãs da Enseada de Botafogo em finais do século XIX.
É que… eu estava lá, meus amigos! Eu presenciei o nascer dessa estrela. Eu e todos vós estávamos lá. Porque este amor que habita na minha alma e na vossa alma é feito da própria energia revolucionária do Luiz Caldas, dos sonhos concretizados do Flávio Ramos, da poesia da estrela solitária do Augusto Frederico Schmidt… Este amor é feito das superstições do Carlito Rocha, das obsessões do João Saldanha, dos gols fantásticos do Heleno de Freitas, dos dribles absurdos do Mané Garrincha…
Este amor que habita a nossa alma é tão radical quanto foi o Botafogo em 1911 ao abandonar a liga para defender Abelardo De Lamare, arriscando a própria extinção. O acontecimento que decidiria qualquer clube a mudar de rumo tornou o Botafogo ainda mais irredutível na sua decisão. Muita gente não entendeu o Botafogo, porque o avaliou pelos padrões dos outros clubes e os nossos padrões eram únicos e inimitáveis.
O Botafogo significava, primeiro, uma união de remadores que puseram em jogo a própria vida – e alguns perderam-na –, depois, uma união de rapazes que tinham a honra acima de tudo, como se fossem um só. E, como dizia Mário Filho, “Abelardo De Lamare era um deles, era eles também, era o Botafogo.” – Éramos nós!
Hoje, em
mais uma hora difícil para todos os botafoguenses, urge mostrar quem é o
Botafogo, urge entrelaçar todos, desde o topo ao torcedor anônimo – PORQUE O
BOTAFOGO SOMOS TODOS NÓS!
10 comentários:
Grande Ruy,
Excelente momento para relembrar a Belíssima mensagem, principalmente em um momento tão complicado que os péssimos dirigentes colocam o Nosso Amado Botafogo!
Permita repetir uma frase do Armando Nogueira e quem sabe os péssimos dirigentes aprendam alguma coisa:
“O Botafogo é bem mais que um clube - é uma predestinação celestial. Seu símbolo é uma entidade divina. Feliz da criatura que tem por guia e emblema uma estrela. Por isso é que o Botafogo está sempre no caminho certo. O caminho da luz. Feliz do clube que tem por escudo uma invenção de Deus. Estrela solitária”.
Abs e Sds Botafoguenses!
Que texto lindo,Ruy!!! Um clube(remo) que viveu praticamente clandestinamente entre 1891 até a fundação em 1894 por perseguição do governo da época. E um clube(futebol) perseguido por federação e que enfrentou uma crise financeira e uma quase extinção em apenas 7 anos de existência(olha o 7 aeee)
Um texto escrito em 2008 e 12 anos depois(21 ao contrário kkk) continua atualíssimo!!!
Abraços!!!!
Magnífico, brilhante. Lágrimas escorreram ao t ler tão magnífico texto e ver o que é o atual Botafogo. Triste ver que vem sendo destruído há décadas, e pior, por aqueles que se dizem botafoguenses. Parabéns querido Ruy. Abs e SB!
Não é pra todo mundo expressar tão bem, um amor tão grande!
Parabéns e obrigado pelo blogue!
O Botafogo é eterno, Gil. Não sei como, mas ressuscitaremos! O ressurgimento é inevitável num Clube com tão grande história!
Abraços Gloriosos.
Ah... boas menções e superstições, Carlos Eduardo. Em 1894 fundado por homens incorruptíveis e em 1904 por garotos sonhadores. Por isso temos tanta ética e tantos sonhos ainda!
Abraços Gloriosos.
Não são botafoguenses, Sergio. Foram oportunistas que se serviram do Botafogo, que destruiram sem piedade em interesse próprio e depois sumiram deixando atrás de si terra queimada e pontes destruídas. Um deles até era tocedor do América que jogava futebol de areia... Os ainda atuais também se deixaram apagar intencionalmnete por um tal de Comitê e vão sumir... Se Durcesio falhar teremos que encontrar um núcleo duro que com outro Botafogo ressurja das cinzas.
Abraços Gloriosos.
Obrigado pelas suas palavras, Leymir. Sempre oportuno e amigo!
Grande abraço.
Prezado Rui, este texto está entre os melhores que eu já li sobre futebol, tal como os de Mário Filho, Saldanha, Eduardo Galeano, Armando Nogueira, Marcos Caetano, Nelson Rodrigues e Douglas Ceconello. Ainda tem a particularidade de ser sobre o nosso Grande Botafogo! Aprendi com este texto que jogar com grandeza é para poucos, e é isso que entra para história de forma indelével. Foi isso que eu encontrei no Botafogo e ainda tenho esperança de rever um dia no futebol alvinegro.
Ufa!... Esperava por tudo menos ser equiparado a tão célebres escritores de futebol. Estou estupefacto, exultante e reconhecidamente grato!
Jogar com Grandeza está reservado aos eleitos pela galhardia dos seus comportamentos. E quem competiu tantas e tantas vezes com o garbo e a distinção de um grande de Hespanha há de ressurgir das cinzas e brilhar por entre novas labaredas crepitantes deste nosso e imenso Botafogo!
Bem haja e acredite!
Abraços Gloriosos.
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