domingo, 18 de abril de 2021

Deuses de Carne e Osso

Dinorah, à porta da casa da Piedade

por LEYMIR MORAES

Matéria autorizada pelo autor

Publicado originalmente no ‘Museu da Pelada’

Deus deu a alguns um talento divino, e a outros uma devoção sobrenatural. A união das duas medidas transfigura a imortalidade desportiva aonde tais como Garrincha, Ademir Menezes, Rivelino e Zico habitam.

Ocorre que o Criador em sua grande generosidade não limitou o céu aos gênios e deixou a porta aberta para que humanos o alcançassem se assim merecessem. Viajaremos nesse primeiro momento pela epopeia de quatro lendas dos gigantes do Rio, e sua seguinte beatificação.

As histórias serão contadas por ordem cronológica e relacionadas aos surgimentos das Instituições:

1. Botafogo 1894

2. Flamengo 1895

3. Vasco 1898

4. Fluminense 1902

A escolha da personagem foi sugerida por Ruy Moura, editor do mundobotafogo.blogspot.com, um estimado amigo e brilhante professor a quem sempre serei grato pelo tempo e ensinamentos a mim destinados.


Dinorah de Assis – O Alvi e o Negro do Botafogo

Se existe um clube aonde glória e tragédia se orlam, esse clube é o Botafogo, e se engana quem supõe ser esta a exposição de uma fraqueza. A dualidade entre os dribles mais alegres da história do futebol, e dores dilacerantes como a perda de seu lar, desenham a complexa alma do torcedor alvinegro.

O âmago de um clube não é a quantidade de títulos que carrega, é sim a relação de sua gente com o emblema que ostenta.  O Botafogo da apolínea Diva navega em águas tranquilas, o Botafogo do dionisíaco Heleno de Freitas conduz ao caos, ambos produzem paixão e encanto em medidas semelhantes e é nesse paradigma que se constituem as massas alvinegras.

Sem dúvida é divino o Botafogo, e sua divindade está atrelada ao fato de ser demasiadamente humano.

Dinorah de Assis defendeu outros emblemas como o Internacional de SP e o America do RJ, um antes sem depois do clube da Estrela Solitária. Depois de vestir a camisa do Botafogo nenhuma camisa mais lhe caberia, pois é daqueles casos raríssimos de ligação simbiótica para com o Clube.

De 1909 a 1911, foi campeão, zagueiro, atacante, goleiro e juiz.  Atrevo-me a dizer que ao lado de Luiz Caldas 17 anos antes e Heleno de Freitas 30 anos depois, é definidor de um dos traços marcantes da alma do clube, a abnegação alvinegra.

Essa é uma história de amor, não o sentimento doentio que levou Euclides da Cunha ao Bairro da Piedade para, em seus próprios termos, “matar e morrer” em nome de uma suposta defesa da honra.

Essa é uma história de amor, e não a história de Euclides, Anna ou Dilermando, essa é uma história Botafoguense, é a história do nosso herói Dinorah que teve atravessado às costas um balaço a se alojar em sua espinha, numa tarde vadia de agosto de 1909. O que seria para qualquer um apenas um terrível ocaso, é para Dinorah um misto de desgraça e eternidade, uma eternidade cara, oriunda de paixão e pólvora, sim, só poderia ser no Botafogo.

Gloria ao Botafogo gentil, pura glória ao gentil Dinorah, vítima inocente de Euclides da Cunha e herói inconteste do Panteão da Estrela Solitária. O homem que entrou em campo para disputar um clássico contra o Fluminense quatro dias após ser baleado. O homem que jogou o campeonato de 1910 com uma bala alojada em sua espinha que de forma sorrateira roubaria seus movimentos. Dos 10 jogos do cantado a verso e prosa “campeão desde 1910” Dinorah de Assis foi e é o herói de cada jogo.

A fantástica campanha de 1910 entrega ao Clube a justa alcunha de Glorioso, em seu elenco jogaram juntos, entre outros, Dinorah de Assis e Mimi Sodré, duas facetas opostas e complementares do que é ser Botafogo.

Se Mimi Sodré junto a Carvalho Leite compreendem o cavalheirismo e a fidelidade Alvinegra, Dinorah de Assis expõe a dualidade que Heleno de Freitas e Garrincha viriam sintetizar décadas depois.

Me furtarei a comentar o final de sua vida, mas todo torcedor alvinegro de fé deve ao menos uma prece a Dinorah de Assis, eu não sou e pago a minha. Todo torcedor alvinegro ateu, necessita entender agora que é Dinorah um Deus pareado a Didi e Nilton Santos que teve a honra de herdar e imortalizar a sua camisa.

Dinorah, o jogador mais shakespeariano de todos, do clube mais shakespeariano entre todos. Ganha a eternidade sendo demasiadamente Botafogo!

3 comentários:

Carlos Eduardo disse...

Que texto lindo, Leymir!
Como é bonito ver o botafoguismo ser escrito e entendido por torcedores de outros clubes.
E que coisa fascinante é a história do Botafogo.

Eu cheguei a sugerir Dinorah no muro dos ídolos em General Severiano. Ele tem uma parente ainda viva. Seria linda essa homenagem.

Um clube desse não nasceu para ser pequeno nunca.

Abraços, Ruy e Leymir!!!

leymir disse...

Olá Ruy, olá Carlos Eduardo.

Realmente, o Botafogo não nasceu para ser pequeno e nunca será. Ele é sugado e subtraído por canalhas...

Eu Não conhecia Dinorah, foi o Ruy que me apresentou. O quanto aprendemos por aqui não é?

Achei sua sugestão linda, Dinorah merece estar nesse muro.

Grande abraço em vcs é ótima semana!

Ruy Moura disse...

A matéria é realmente fantástica, Carlos Eduardo! Leymir possui um sentido estético muito apurado. E numa perspectiva desportista, o que ainda é mais difícil devido às rivalidades-inimizades que hoje se verifica, sobretudo nos adeptos do futebol.

Grande Abraço a ambos!

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