por
RUY MOURA
Editor do Mundo Botafogo
Rumando a lugares recônditos e pouco povoados, ainda se encontra a muito antiga ruralidade que coexiste com a modernidade.
Neste caso trata-se da pitoresca aldeia de Vilarinho de Negrões, situada sobre uma estreita e bela península, próxima da Barragem de Pisões e do fascinante Parque Natural do Gerês. Ainda na mesma região encontra-se a Ponte da Mizarela, local de imaginários populares. Da lenda da Ponte da Mizarela há diversas versões. Apresenta-se uma delas.
Ponte da Mizarela.
A LENDA DA PONTE DA MIZARELA
Diz-se que um padre, querendo
fazer uma pirraça ao Diabo, se disfarçou em salteador perseguido pelas justiças
de Montalegre, e foi certo dia, à meia-noite, àquele lugar para passar o rio.
Como o não pudesse passar, por meio de esconjuros, invocou o auxílio do
Inimigo. Ouve-se um rumor subterrâneo e eis que aparece, afável e chamejante, o
anjo rebelde:
- "Que queres de mim?"
- perguntou ele.
- "Passa-me para o outro
lado e dar-te-ei a minha alma."
Satanás, que antegozava já a
perdição do sacerdote, estendeu-lhe um pedaço de pergaminho garatujado e uma
pena molhada em saliva negra, dizendo:
- "Assina!"
O padre assinou. O Demo fez um
gesto cabalístico e uma ponte saiu do seio horrendo das trevas.
O clérigo passa e, enquanto o
diabo esfrega um olho, saca da caldeirinha da água benta, que escondera debaixo
da capa de burel, e asperge com ela a infernal alvenaria, fazendo o sinal da
cruz e pronunciando bem vincadas as palavras do exorcismo.
Satanás, logrado, deu um berro
bestial e desapareceu num boqueirão aberto na rocha, por onde saíram línguas de
fogo, estrondos vulcânicos e fumos pestilenciais. O vulgo das redondezas, na
sua ignorância e ingenuidade, e não sabemos a origem, aproveita-se da ponte
para ali exercer um rito singular.
Quando uma mulher, decorridos que
sejam dezoito meses após o seu enlace matrimonial, não houver concebido, ou,
quando pejada, se prevê um parto difícil ou perigoso, não tem mais que ir à
Mizarela, à noite, para obter um feliz sucesso. Ali, com o marido e outros
familiares, espera que passe o primeiro viandante. Este é então convidado para
proceder à cerimónia, a qual consiste no batismo in ventris do novo ou futuro ser.
Para isso, o caminhante colhe,
por meio de uma comprida corda com um vaso adaptado a uma das extremidades, um
pouco de água do rio e com a mão em concha deita-a no ventre da paciente por um
pequeno rasgão aberto no vestuário para este efeito, acompanhando a oração com
a seguinte ladainha:
Eu te batizo
criatura de Deus,
Pelo poder de Deus,
e da Virgem Maria.
Se for rapaz, será ‘Gervás’;
se for rapariga, será Senhorinha.
Pelo poder de Deus e da Virgem
Maria,
um Padre-Nosso e uma
Avé-Maria."
O barulhar iracundo da cachoeira
no abismo imprime a estas cenas um cunho de tétrica magia. Segue-se depois uma
lauta ceia, assistindo, geralmente, o improvisado padrinho. E o êxito é
completo: um neófito virá alegrar a família. Claro que se na primeira noite não
passar o viandante desejado, a viagem à Mizarela repetir-se-á até o cerimonial
se realizar nas condições devidas.
De um dos lados ergue-se um
enorme rochedo que o povo denominou "Púlpito do Diabo", por crer que
o Demo vai ali pregar à meia-noite, quando as bruxas das redondezas se reúnem
em magno concílio…
Fonte da lenda: Mário Moutinho e
A. Sousa e Silva. O mutilado de Ruivães.
Crédito das fotos: Editor do Mundo Botafogo (fotos 1 e 3 a 8); Internet / Reprodução (foto 2).
10 comentários:
A gloriosa camisa do Botafogo só te leva a lugares fantasticos!
Sítios recônditos e pouco povoados são os meus favoritos.Neles, há intensa magia , evocando um clima de misterio com diabos e bruxas saídos das
crendices populares.
Interessante perceber como, mundo afora, as pontes se prestam à criação de lendas e ,ém número expressivo, são chamadas PONTE DO DIABO.
Sabias , Ruy , que a PONTE MIZARELA
não foge à regra, sendo também conhecida como PONTE DO DIABO ?
Gostei das várias lendas atribuídas à ela. São fantásticas e...arrepiantes!!!
Ah, agora entendo a razão de estares vestido com a GLORIOSA...rsrsrs!
É que, ao saber que irias passear em um lugar cheio de mistérios e
sendo tu um botafoguense /raiz (��) sujeito , portanto , a superstições , trataste logo de te proteger de todos os males, vestindo a GLORIOSA CAMISA ALVINEGRA. Confessa, Ruy, foi ou não foi? ��������.
Brincadeiras à parte, teu passeio por lugares , onde há o encontro pacífico entre o rural e a modernidade , foi espetacular.
Que a GLORIOSA te leve sempre para lugares mágicos , como esse que acabas de nós presentear.
Beijos com magia !
A Gloriosa é, como dizia Armando Nogueira, uma "predestinação celestial". Logo, que melhor proteção eu poderia ter se não envergando a Gloriosa!
Sim, a ponte também é conhecida como 'Ponte do Diabo', e há umas 10 versões da lenda. Pontes, Diabos, Sacerdotes, Bruxas, Fadas, Princesas, Cavaleiros e Castelos abundam no ancestral imaginário popular europeu. Ritos, mitos e lendas do mundo é das coisas que mais me fascinam.
Beijos Gloriosos.
Gosto que me enrosco de cenários misteriosos ...
Desde pequenininha adorava ouvir histórias envoltas em densos mistérios e ainda hoje me encanta , como bem dizes, mitos, ritos e lendas.
Acho que deve ser por isso que gosto tanto de ti. Cá pra nós, tens um quê de mistério, de magia , convivendo perfeitamente com teu lado racional..
Beijos nada racionais...
UAU!!! Isso é mais do que elogio: é enaltecimento, congratulação, loa, exaltação, homenagem, tributo, apologia!
Pois é, penso que os teus argumentos apologéticos são parecidíssimos com os meus em relação a ti. Isto é, será que é por me enroscar nos interstícios dos teus mistérios e magias aborígenes e algo naturalmente selvagens que gosto tanto, mas tanto de ti?!
Beijos! Gloriosos e... naturalmente selvagens!...
Bem, a nossa ligação remonta ao século XVI e , apesar do tempo , lembro- me bem da emoção que sentimos naquele primeiro encontro. As evidentes diferenças culturais , ao contrario do que se poderia supor, foram motivo , sim, de uma irresistível atração...
Tudo entre nós, era mistério e encantamento... E sob o céu estrelado, com o aval dos deuses tupiniquins, unimos nossos corpos e nossas almas para sempre...
Beijos seculares ...
Justamente há 521 anos,à beira de 522! Sim, foi um encontro único, sob a égide da emoção por um lado e da razão por outro. Num mar belíssimo, sob o olhar precioso de toda a Cruzeiro do Sul, Brasões, Razões e Emoções fundiram-se num encontro inédito e irrepetível com a força da fusão entre águas fluviais e águas oceânicas agigantadas por extensas pororocas RUIdosamente aLUCInantes!
Beijos soberbeculares!!!
E mal podíamos imaginar que a nossa historia de amor, seria um dia cantada em versos e prosa por um tal de José de Alencar, escritor nascido três séculos após o nosso fabuloso encontro.
Deu- me o nome de IRACEMA e a ti de MARTIN. Dizem que o livro obteve sucesso absoluto e que a narrativa marcaria uma nova fase na literatura : O ROMANTISMO!
A verdade é que por mais que tenha se esforçado em contar para o mundo o romance acontecido entre nós dois - uma india e um homem branco - não logrou êxito. A paixão que nos domina não caberia em um livro. Quanta pretensão desse tal JOSÉ DE ALENCAR!
Cabe a nós escrevermos sobre esse encontro inédito e esplendoroso que há séculos nos aconteceu e nos marcou pra sempre RUIdosa e aLUCInantemente.
Beijos deLUCIosos!
Pois é, além dos equívocos do político sobre o 'escravagismo' se dissolver na prática sem abolição formal, o escritor ainda se equivocou a contar algo absolutamente intangível a qualquer humano: a grandiosidade do encontro ocorrido no início do século XVI!!!
Beijos RUIdosos!
É tem mais : sem nossa autorização escreveu nossa história; ou seja uma biografia NÃO AUTORIZADA, passível de multa pesada. É se não bastasse tamanho atrevimento, jamais recebemos um só tostão de direitos autorais.
Coisa típica de um escravocrata!
Beijos alforriados!
😆😆😆🥳🥳🥳
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