por FLÁVIO RAMOS | Fundador, jogador e presidente do Botafogo Football Club
Gentileza de ÉMERSON REBELO | Leitor e Amigo do Mundo Botafogo
Estava eu ao lado do meu querido amigo e companheiro de clube J. M. Cavalcanti para assistirmos ao jôgo Vasco x Palmeiras, quando, ao entrar em campo a equipe de Zezé, fiz a seguinte observação: só o Botafogo nunca vi jogar com outra camisa senão com a que eu e meus companheiros tivemos a feliz idéia de escolher. Cavalcanti então citou-me dois casos, ambos ocorridos em Lima (Peru), sendo que em um dêles o meu amigo foi parte, pois chefiava a delegação alvinegra.
Ao entrarem em campo as duas equipes, o juiz intimou uma delas a trocar a camisa, pois as côres podiam confundi-lo.
Como acontece em casos semelhantes, o visitante conserva o seu e o de casa troca. Em Lima não tiveram êsse gesto e obrigaram o Botafogo a trocar a camisa, jogando ao gramado dez camisas brancas. Cavalcanti não titubeou, fêz a troca dentro do campo, sob as vistas do imenso público que lotava o estádio. Correu depois, à bôca pequena que o Botafogo seria punido. Isto não ocorreu mas o chefe da delegação já estava com a resposta preparada: “É uma lição que queremos dar pela falta de cortesia do grêmio peruano”.
O segundo caso foi também em Lima, cuja delegação estava sob a chefia de João Citro. Avisado na véspera e homem de visão que é (não fôsse êle dono de uma ótica), tomou uma providência que surtiu ótimo resultado: quis saber qual o clube mais temido pelo nosso adversário e de maior número de adeptos. Devidamente informado, procurou os seus dirigentes e, com grande habilidade, conseguiu não só as camisas como uma grande torcida. Que eu saiba, disse-me Cavalcanti, foram as duas únicas vêzes, nos inúmeros jogos pelos muitos países que temos percorrido com o nosso clube.
Conversa de intervalo de um jôgo que não nos interessava diretamente, e ainda mais com a notícia que o Botafogo sofrera dois gols nos últimos dois minutos do primeiro tempo, em São Paulo, voltamos a falar sôbre a camisa alvinegra. Contei que o prêto-e-branco veio da influência que o Botafogo de Regatas exercia sôbre a garotada do bairro, cuja camisa era preta e branca em listras horizontais, passando mais tarde para tôda preta.
As nossas “pipas” (papagaio de papel) tinham sempre, de preferência, aquelas côres, em homenagem ao clube a que sempre pertenci desde muito garôto, patroando guarnições, e como remador a partir de 1909.
Cavalcanti não quis ficar só nas côres, e obrigou-me a contar com detalhes uma história que êle conhecia por alto. Satisfiz a sua curiosidade.
As primeiras camisas (prêto-e-branco em listras verticais) foram encomendadas na Inglaterra por Joaquim Antônio de Sousa Ribeiro, nosso benemérito Presidente, por intermédio da firma inglêsa Davidson, Pulen Co.
Chamados, depois de longa espera, a receber tão preciosa mercadoria, dirigimo-nos à rua da Quitanda, onde vimos abrir uma grande caixa d emadeira e dela saírem camisas, casacos, meias e bonés, todos em prêto-e-branco: uma riqueza.
E dinheiro para pagar? Não havia!
Fazia parte da firma um dos Hime, o Edwin (nosso sócio benemérito), falecido no ano passado, que não se opôs à entrega, apenas com a promessa de pagamento. Garantimos pagar, pelo menos uma parte da dívida com o produto da arrecadação de um jôgo contra um time de São Paulo: o Germânia. Conclusão: a receita ficou muito aquém da despesa. Para completar a importância teríamos que fazer das tripas coração, e assim foi. Sousa Ribeiro desapertou com os seus companheiros de Diretoria e com os jogadores, estabelecendo uma quota de 75$000 “per capita” e com isso saldou os compromissos.
Os pais dos jogadores acharam ruim a solução. O meu, por exemplo, antes de cair com os 75 fêz a seguinte consideração: não posso compreender como vocês jogam, divertem os outros e ainda por cima pagam?
O barão de Werneck fazendo as mesmas observações despediu-se de 150 (tinha dois filhos no time: Álvaro e Otávio).
Podíamos dizer naquele bom tempo: as nossas primeiras camisas foram pagas com o nosso suor.
Os nossos companheiros (poucos ainda vivem), ficaram orgulhosos com a notícia de que um cronista inglês, famoso por suas observações do esporte bretão, em uma de suas crônicas referindo-se ao uniforme do Botafogo teve as seguintes palavras: “O Botafogo F.R., para jogar, veste-se com traje de rigor”.
Haverá outra camisa com tão bonita história?
14 comentários:
Linda história. Não conheço a história de outros clubes do Rio, mas um pouco a do Vasco, mas creio que são os dois únicos clubes, talvez o Bangu que já foi protagonista, que foram construídos pelos seus apaixonados fundadores sem ajuda oficial, se estiver enganado que me corrijam por favor. ABS e SB!
Sensacional. Não sabia da origem horizontal. Além disso não tem como não rir da reação paterna. Me desculpe a petulancia: a melhor e mais querida de todas as milhares de postagem. PS. A Estrela Solitária também veio do Regatas. Só reforçando.
Sergio, as histórias que conheço melhor são, obviamente do nosso amado Botafogo e depois do Flamengo. A história do Flamengo parece-me mais interessante do que as do Vasco da Gama e do Fluminense, embora as conheça menos. No entanto, creio que ajuda 'oficial' o único clube que a teve foi o Fluminense. O FFC dominou a Federação desde o início e por longo tempo, tendo sido formado por homens feitos e bem instalados na vida, enquanto o Vasco nasceu da união de comerciantes portugueses, o Flamengo da inveja dos rapazes do bairro do Flamengo em relação aos rapazes remadores do CR Botafogo que encantavam as garotas do bairro deles e o Botafogo fundado por aqueles maravilhosos rapazes de 15 anos patronados por Flávio da Silva Ramos.
Vasco e Flamengo fundados no remo acabaram por aderir ao futebol, tendo o Flamengo beneficiado do rompimento de Alberto Borgerth com o Fluminense e a sua ida para o Flamengo levando uma boa quantidade de futebolistas do próprio Fluminense. Em suma, o Flamengo também não me parece ter nascido 'oficialmente', tanto no remo como no futebol. Quanto ao Vasco não sei como foi o processo de adesão ao futebol, mas creio que também não foi ajudado por agentes externos, tanto mais que no início se fez tudo para expulsar o Vasco da Federação.
Abraços Gloriosos.
Puxa vida, o Vanilson gostou mesmo da publicação! Fico muito contente!
Petulância nenhuma, meu amigo. E a reação do pai do Flávio foi bem engraçada! Pior foi para o outro pai que teve que pagar a dobrar pelos dois filhos. (rsrsrs)
Abraços Gloriosos.
Estranho... Esta versão é para mim imensa novidade!
Sempre li ao longo de décadas por diversos autores (botafoguenses ou não) de que a inspiração para a camisa listrada alvinegra viera da Juventus de Turim, após um dos fundadores do novíssimo Botafogo Football Club ter assistido a uma peleja da 'velha senhora' em viagem à Europa. Esta versão, inclusive, tem um quê profético e lendário, pois a própria Juventus inspirou suas listras chamadas zebradas da camisa do Notts County Football Club, da Inglaterra, o mais antigo clube de futebol em atividade no mundo. Isto dá uma idéia de continuidade da tradição, visto que o 'football' inglês e o 'calccio' italiano foram as principais origens do que se convencionou chamar futebol.
Já no caso do nosso Botafogo, ou dos nossos Botafogos melhor dizendo, o que eu julgava saber era que o uniforme das Regatas sempre fora todo na cor preta, enquanto que a do Botafogo Football Club fôra originalmente branco (consta, inclusive, que o próprio Flávio Ramos calçava meias na cor laranja no primeiro jogo da história do Football Club). Daí que a adoção das listras, por sua vez, ainda que feitas décadas antes da fusão, seriam também um prenúncio da união do 'F' e 'R' que compõem o Botafogo desde 1942.
"Tradições, aos milhões tens também!"
Lembrando ao amigo que o futebol do Flamengo (formado a partir de uma cisão no clube das Laranjeiras) teve certa ajuda do Paissandu Atlético Clube, tendo, inclusive, mandado seus jogos no campo daquele durante anos.
Muito fala-se de pioneirismo do Fluminense, mas o primeiro derby carioca era Rio Cricket x Paissandu. Antes mesmo do clássico vovô. Se me permite, na minha visão o verdadeiro clássico vovô é Botafogo x Bangu, que são os clubes mais antigos da cidade ainda em atividade - ambos fundados em 1894: O Botafogo nas regatas e o Bangu ainda como um time de operários da fábrica de mesmo nome. Um em cada ponta da cidade e com apaixonadas torcidas. Coincidência ou não, quase 100 anos depois, ambos com mecenato do 'bicho' (quando este era uma contravenção menos letal à população do que veio a se tornar o narcotráfico internacional das últimas décadas).
É uma pena que o Bangu tenha sido tão penalizado, deveria ter sido campeão brasileiro em 1985. Embora seja o Olaria o meu 'segundo time' carioca, entre a rivalidade Bangu e América (com toda a soberba tijucana deste último), torço sempre pela equipe de Moça Bonita.
Que história!
Quando foi esse depoimento do nosso Flávio Ramos?
Abs.
Curioso o seu comentáro sobre Bangu e America. Na verdade, a minha 2ª equipe do Rio foi o Bangu por causa dos seus craques da década de 1960, e talvez também porque deram um banho de bola ao Flamengo em 1966. O Bangu foi o vencedor moral de 1985, mas infelizmente isso não conta para a estatística. Ainda hoje gosto que o Bangu ganhe - exceto contra nós, evidentemente.
Quanto ao America, vou-me confessar: desde que li pela primeira vez sobre as ocorrências de 1911 e o comportamento do America, junto-o ao Flamengo e torço sempre para que ambos percam. Pelo mal que ambos fizeram ao Botafogo. O America era pior do que o Flamengo, era petulante! O castigo é merecido.
Quanto ao apoio do Paissandu, eu não me referia a esse tipo de apoio, mas apenas ao apoio oficial, e esse foi sempre favorável ao Fluminense, até que muito mais tarde o Flamengo passou a influenciar mais a Federação do que os tricolores.
O Fluminense só foi pioneiro na malandragem. E começou logo em 1907 quando descaradamente nos quis prejudicar não jogando a 'negra' para o título de 1907, mais tarde atribuído a ambos.
Abraços Gloriosos.
Foi na década de 1960, mas não sei precisar nem a data nem o periódico.
Abraços Gloriosos.
Pois é, trata-se de uma versão inédita nas redes sociais, mas é real. Eu tenho a cópia da publicação que o Émerson me enviou, não tenho é o nome do periódico nem a data.
Abraços Gloriosos.
Seria bom publicar o fac-símile. Quem sabe eu não veja algo? Rsrs
Não se vê nada mais do que o texto num recorte quadrado, Vanilson. Nenhuma outra indicação existe, nenhuma outra letra sequer se avista além das que manuscrevi para o blogue. Sei que foi na década de 1960 devido à referência do Flávio Ramos à morte de Edwin Hime.
Abraços Gloriosos.
Será que o Emerson Rebelo, o gentil colaborador, responsável pela entrega do histórico documento, pode informar onde conseguiu e a origem? Vai ver que ele pode subsidiar algo mais sobre aquele assunto alvo dos três últimos e-mails que te enviei.
Onde conseguiu deve saber, a fonte, não creio esm. Vi hoje os seus últimos e-mails. Fico aguardando.
Abraços Gloriosos.
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