
por Gerson Soares
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De repente, eu perguntei: "João existiu, Mané?" Ele me olhou com desleixo, pensei até que não me responderia com a seriedade com que a pergunta fora feita. Até porque eu acreditava que nem ele sabia a origem dessa rubrica carinhosamente dada a seus desafortunados laterais.
Após longo suspiro, ele me deu a sua versão:
“Na minha adolescência, em toda Semana Santa, eu era obrigado, assim como a maioria dos jovens da localidade, a assistir ao filme sobre a Vida de Cristo. Só duas coisas me chamavam a atenção: a dança sensual de Salomé e o fato de ela ter pedido a Herodes a cabeça de João Batista numa bandeja.
No Sábado de Aleluia, os meninos vingavam-se em judas amarrados em postes. Eu achava covardia dar pauladas e incendiar bonecos indefesos. Mas no domingo, após a missa, eu fazia de judas meu marcador, via nele um soldado romano, entregando, com sorriso mórbido, a cabeça de João Batista numa bandeja.
Num desses jogos, contra um time de uma fábrica de suco de laranjas de Petrópolis, ao sair do vestiário para o gramado, o time adversário ouvia a preleção de um homem de cabelos grisalhos, mais de 40 anos de idade, e que vestia a camisa número 6. Pensei comigo: será que esse coroa vai me marcar?
Ele gritava, gesticulava, dava bronca nos jogadores, que ouviam em silêncio, cabeças baixas, submissos. Mais tarde, soube que era o gerente dos meninos. Um tirano, chefiava com mão-de-ferro. Demitiu muito pai de família. Pois o homem era realmente o lateral-esquerdo que me marcaria naquele Domingo de Páscoa.
Na primeira jogada, passei facilmente por ele. Esperei que voltasse. Mais um drible, outro, outro mais. Ele caiu. Cruzei a bola para a área: gol nosso. Com 20 minutos, vencíamos por 4 a 0. E o pobre do lateral estava humilhado diante dos funcionários, que gostavam do baile que o poderoso chefão levava.
Mas eu não gostava de moleza. O pobre homem virara um judas de pano que a molecada malhara sábado, sem forças para reagir, o rosto vermelho como fogo. Seu peito arfava intensamente, boca aberta implorando por oxigênio, olhos esbugalhados. Esse coroa vai morrer...
Até que numa jogada quase ao fim da primeira etapa, em que eu o havia iludido três vezes e por último jogado a bola por entre suas pernas, parei colado à bandeirinha de corner para fazer o cruzamento. De repente, lá veio ele, correndo feito touro bravo, bufando, tirando de dentro do peito talvez as sobras de energia, orgulho ferido. Atirou-se na grama num carrinho criminoso para pegar a bola, se possível.
Ao pressentir a entrada desleal, dei um leve toque na bola, mais uma vez por entre suas pernas. A torcida foi ao delírio, caiu em gargalhadas. Ele deslizou na grama molhada e só não caiu no rio porque foi travado pelo mastro da bandeirinha, que se encaixara entre sua pernas. Ele gemeu de dor, e nós gememos juntos. A impressão que tive era de que seus órgãos genitais haviam sido esmagados, tal a força do impacto.
Depois da paralisação para atendê-lo, ele se levantou, andou com dificuldade, pernas abertas como se estivesse carregando o mundo entre elas. Perto de mim, balbuciou: “Desculpe, perdi a cabeça.” Então, respondi: “Você é João Batista?” Ele me olhou sem entender e saiu carregado do campo, apoiando-se em dois jogadores de seu time.
Acho que foi a partir daquele domingo que todo lateral que me marcou com violência virou João.”
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Fonte: www.sosserve.com.br
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De repente, eu perguntei: "João existiu, Mané?" Ele me olhou com desleixo, pensei até que não me responderia com a seriedade com que a pergunta fora feita. Até porque eu acreditava que nem ele sabia a origem dessa rubrica carinhosamente dada a seus desafortunados laterais.
Após longo suspiro, ele me deu a sua versão:
“Na minha adolescência, em toda Semana Santa, eu era obrigado, assim como a maioria dos jovens da localidade, a assistir ao filme sobre a Vida de Cristo. Só duas coisas me chamavam a atenção: a dança sensual de Salomé e o fato de ela ter pedido a Herodes a cabeça de João Batista numa bandeja.
No Sábado de Aleluia, os meninos vingavam-se em judas amarrados em postes. Eu achava covardia dar pauladas e incendiar bonecos indefesos. Mas no domingo, após a missa, eu fazia de judas meu marcador, via nele um soldado romano, entregando, com sorriso mórbido, a cabeça de João Batista numa bandeja.
Num desses jogos, contra um time de uma fábrica de suco de laranjas de Petrópolis, ao sair do vestiário para o gramado, o time adversário ouvia a preleção de um homem de cabelos grisalhos, mais de 40 anos de idade, e que vestia a camisa número 6. Pensei comigo: será que esse coroa vai me marcar?
Ele gritava, gesticulava, dava bronca nos jogadores, que ouviam em silêncio, cabeças baixas, submissos. Mais tarde, soube que era o gerente dos meninos. Um tirano, chefiava com mão-de-ferro. Demitiu muito pai de família. Pois o homem era realmente o lateral-esquerdo que me marcaria naquele Domingo de Páscoa.
Na primeira jogada, passei facilmente por ele. Esperei que voltasse. Mais um drible, outro, outro mais. Ele caiu. Cruzei a bola para a área: gol nosso. Com 20 minutos, vencíamos por 4 a 0. E o pobre do lateral estava humilhado diante dos funcionários, que gostavam do baile que o poderoso chefão levava.
Mas eu não gostava de moleza. O pobre homem virara um judas de pano que a molecada malhara sábado, sem forças para reagir, o rosto vermelho como fogo. Seu peito arfava intensamente, boca aberta implorando por oxigênio, olhos esbugalhados. Esse coroa vai morrer...
Até que numa jogada quase ao fim da primeira etapa, em que eu o havia iludido três vezes e por último jogado a bola por entre suas pernas, parei colado à bandeirinha de corner para fazer o cruzamento. De repente, lá veio ele, correndo feito touro bravo, bufando, tirando de dentro do peito talvez as sobras de energia, orgulho ferido. Atirou-se na grama num carrinho criminoso para pegar a bola, se possível.
Ao pressentir a entrada desleal, dei um leve toque na bola, mais uma vez por entre suas pernas. A torcida foi ao delírio, caiu em gargalhadas. Ele deslizou na grama molhada e só não caiu no rio porque foi travado pelo mastro da bandeirinha, que se encaixara entre sua pernas. Ele gemeu de dor, e nós gememos juntos. A impressão que tive era de que seus órgãos genitais haviam sido esmagados, tal a força do impacto.
Depois da paralisação para atendê-lo, ele se levantou, andou com dificuldade, pernas abertas como se estivesse carregando o mundo entre elas. Perto de mim, balbuciou: “Desculpe, perdi a cabeça.” Então, respondi: “Você é João Batista?” Ele me olhou sem entender e saiu carregado do campo, apoiando-se em dois jogadores de seu time.
Acho que foi a partir daquele domingo que todo lateral que me marcou com violência virou João.”
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Fonte: www.sosserve.com.br
10 comentários:
Rui, e nesse ano o Juan foi o João do Maicosuel, né!?rs!
Abs e SA!!!
Rui,
Mais uma que vai para a minha coletânea!
E a "frapress" tenta nos vender a imagem do nosso ídolo GARRINCHA de um quase débil mental. Um tolo.
A cada dia tenho a certeza que ele vivia anos luz a frente do seu tempo e de uma sensibilidade extraordinária. Uma capacidade incrível de captar e expressar pensamentos.
Abs e Sds, BOTAFOGUENSES!!!
Gil, não tenho nenhuma dúvida que o Garrincha, na imensa iliteracia, possuía uma sabedoria e uma sensibiliadde que fogem à maioria dos mortais enquadrados por regras, normas, leis e racionalidade, sem saberem nada do resto...
Abraços Gloriosos!
Certíssimo, Rodrigo! Com uma 'pequena' diferença: o 'João' Juan dos Cathartoformes jamais chegará aos calcanhares da destreza e da inteligência do 'João' Altair do Fluminense...
Abraços Gloriosos!
as histórias do gérson sobre o garrincha são fabulosas.
me esqueço da realidade e me pego imaginando as cenas na época.
que maravilha!
Nova Rede SFBr
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Boa sorte à Nova Rede SFBr!
Abraços Gloriosos!
Então empatamos, Snoppy, porque o mesmo se passa comigo. Aliás, gosto muito de imaginar que estou vivendo determinandos momentos. Não é saudosismo, mas apenas a expressão de que 'recordar é viver' o prazer de momentos 'eternos'.
Abraços Gloriosos!
Rui, só mesmo esta história do bom e velho Garrincha que nos faz lembrar de um tempo bom que não volta mais, infelizmente. Chorei de tanto rir. Ah esse nosso Botafogo... Que nos faz chorar e amar, arfar de raiva, e gritar de alegria e de infindáveis sentimentos improváveis. Quero o
nosso BOTAFOGO DE VOLTA, já o Garrincha será impossível...
Um beijo no seu coração por esse blog.
PS: Sou neto de Algarvios e na terrinha sempre gostava do Benfica por ter enviado umas camisas para o time dos meus primos, mas ele é vermelho demais para o meu gosto. O Porto acho insosso. Devido ao seu amor pelo Sporting, a partir de hoje estou contigo lá como aqui, me perdoe se tiver uma quedinha para o pessoal do Algarve. Abraços estrelados.
Muito obrigado pela suas palavras, José.
Boatfogo de volta há-de acontecer se todos nós fzermos algo por isso, mas Garrincha nunca mais - como disse Gerson.
Acho o Sporting uma boa escolha, porque os 'lampiões' são o eqivalente aos rubro-negros no Rio... rsrsrs...
Sempre gostei do Algarve. Trabalhei lá dois anos ininterruptos e durante uns vinte anos fui sempre ao Algarve 2 a 3 vezes por ano em férias de cinco dias a uma semana. Agora só vou com a minha companheira às vezes, porque ela dá aulas na Universidade de lá.
Finalmente: uma das grandes paixões da minha vida era algarvia...
Abraços Gloriosos!
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