
[Nota de Mundo Botafogo: a maioria de nós não vivenciou os anos 40 do século passado, os tempos de Geninho, Paraguaio, Oswaldo, Heleno de Freitas e… Otávio Moraes; este último craque foi entrevistado por José Rezende antes de falecer e conta a sua e a nossa história da década de 1940]
Quando chegamos, Otávio foi logo dizendo: “Entre, aqui tem muitas histórias para serem contadas”. Otávio Sérgio da Costa Moraes nos recebeu em seu apartamento na Rua Francisco Sá, em Copacabana, no dia 3 de março de 2004.Foram quatro horas de bom papo, belas recordações e muita emoção pela lembrança dos amigos que não se encontravam mais entre nós. Cinco anos se passaram e agora as saudades são do próprio Otávio. Ele nos deixou no dia 21 de outubro de 2009:
“Na minha infância já tinha uma grande ligação com o futebol, porque meu pai jogava no Paysandu. Ele foi fundador e jogou na primeira representação do clube no campeonato paraense. Na minha vida toda de garotinho, eu assistia os meus tios e o meu pai jogando futebol na rua. Nunca os vi jogar num campo, a não ser meu pai. Minha mãe também tinha irmãos. Era muita gente jogando bola. Eu fiquei apaixonado pela bola igual a eles.”
As lembranças da infância
“Vim com meu pai para o Rio de Janeiro em 1931 com oito anos. Nós íamos para a praia do Flamengo e o velho adorava jogar bola. Era uma bola de borracha e ficávamos jogando um para o outro. Freqüentando a praia comecei a jogar na areia. Na praia tinham uns rapazes que após o expediente começavam uma pelada às 5 horas da tarde. No verão a pelada ia até mais tarde Eu era garotinho, com 14 anos, peruando um lugar. Eles não me deixavam jogar, porque eram rapazes de 23 anos. Uns eram jornaleiros, outros motorneiros. Naquele tempo os bondes tinham uma garagem no Largo do Machado. Depois eu entrei nessa e iniciei jogando bola na areia.
Minha família, posteriormente, se mudou para Copacabana e fiquei internado no Colégio Saleciano Santa Rosa. O colégio possuía cinco campos e não fiz outra coisa a não ser assistir aula e jogar bola.”
O primeiro time e a comparação com Romeu
“Meu primeiro time foi o Boca Juniors que era dos rapazes do Largo do Machado. O time era organizado e a camisa era igual a do Boca, amarelo e azul. Jogávamos pelos subúrbios contra times de ruas da Tijuca e de outros lugares. Eles achavam que eu era um garotinho que fazia gol e me levavam. Eu chegava lá, fazia os gols e eles adoravam. Nessa época, eu já estudava no Santo Antônio Maria Zacarias, no Catete. O time do colégio era muito bom e no campeonato colegial, no campo do Flamengo, nós fomos campeões. No dia seguinte, o Globo Esportivo publicou minha foto com a seguinte legenda: “Otávio, o futuro Romeu das nossas canchas”. Primeiro, eu não jogava o futebol fantástico do Romeu; segundo, Romeu era armador e eu um finalizador. Para mim era um elogio”.
O início da carreira foi no time amador de Fluminense, em 1942. Otávio é o sexto a partir da esquerda.
Das Laranjeiras para General Severiano
O garoto revelação do futebol de praia, dos torneios nos subúrbios e do bom time do colégio passa a jogar num grande clube:
“Eu vivia no Fluminense como escoteiro, jogando bola também. Um dia me chamaram para jogar nos juvenis. Não era minha vontade. Eu queria jogar descalço na areia. Eu era peladeiro, queria jogar pelada. No Fluminense, passei para o time amador. Nessa categoria não tinha idade. Muitos profissionais quando paravam de jogar, iam para o amador. O Nascimento, reserva do Batatais, foi nosso goleiro. Depois de uma partida à noite, no campo do Fluminense, o Kanela e o Chico Barbastéfano, da Casa da Borracha, me chamaram para o Botafogo. O Botafogo era campeão e possuía um time fantástico. Falei com o Kanela que não tinha vaga para mim. Ele me disse que alguns estavam se formando em Direito, entre eles o José Américo, filho do José Américo, Governador da Paraíba, e não iam mais jogar futebol. O Togo que era uma figura extraordinária, antes de se despedir, virou-se para mim e disse: “Você vai receber um conto e oitocentos para jogar”. O que você falou? Respondi. Ele repetiu: “Um conto e oitocentos por mês”. Era uma fortuna. Perguntei: por que você não falou isso antes? Ele falou: “Porque a melhor notícia tem que ser dada no final. Lá todo mundo recebe. Nós jogamos um futebol profissional. Só não pagamos ao Paulinho Tovar.” Ele era a estrela do time e eu já sabia que o pai dele, o Dr. Tovar, Procurador-Geral da República, era contra o profissionalismo. O filho dele não ia receber nunca. O Paulinho pouco se importava, ele queria é jogar bola”.
Otávio no time do Botafogo bicampeão carioca de amadores de 1943: em pé, Alfredo, Rui, Dunga, Boliviano, Hélio e Cid; agachados, Zé Américo, Otávio, Augustinho, Tovar e René. O alvinegro foi tricampeão e Otávio liderou a artilharia dos campeonatos de 43 com 18 gols e de 44 com 22 gols.
A liderança de Kanela
Otávio conviveu diretamente com Togo Renan Soares, o popular Kanela, e nos fala sobre essa figura polêmica e carismática, que se tornou o maior técnico na história do basquete brasileiro e, também, vitorioso no futebol:
“O Kanela foi um extraordinário treinador de futebol e de basquete. Ele sabia como puxar de dentro de você a vontade de ganhar que todo mundo tem. Mas, tem umas ocasiões que você está bem marcado, não consegue se mexer, o cara é melhor do que você. Batalha, batalha e não consegue nada. Você começa a ter certo desânimo e chega à conclusão que aquele não é o seu jogo. O Kanela era capaz de despertar a tua vontade de ganhar. Cada um ele tratava de modo diferente, o que é essencial num treinador. A mim, só notei muito depois, ele conseguia me irritar. Piadinhas no vestiário. No vestiário dizia: “Você não ganha uma daquele negão”. Eu no cantão zangado comigo mesmo e ele vinha: ”Quer sair?” Como eu quero sair. Ele prosseguia: “Você pegou o negão e não está conseguindo ganhar uma. Talvez, você queira fugir da raia e deixar o negão ir pra casa, dizendo que não deixou você andar”. Eu já meio irritado desabafava: eu não quero nada cara, quero voltar para o segundo tempo e arrebentar esse negão, você, todos juntos. Você ficava contra ele e jogava contra ele. E jogando contra ele, o melhor que você podia fazer era fazer três gols em cima do negão, depois chegar ao vestiário e dizer: viu cara, você encheu meu saco no vestiário e agora fica aí batendo palmas que nem um babaca. Ele respondia: “Pois é, eu fico batendo palmas que nem um babaca e você fica que nem um babaca quarenta e cinco minutos sem passar pelo negão, que não era tão difícil como você pensava”. Kanela tinha razão.
Os títulos de amador, que era “marrom”, foram muitos. O Botafogo foi tricampeão. Eu não fui tricampeão, porque quando entrei o time já tinha sido campeão antes. Quando acabou a divisão de amadores, entraram os aspirantes e fomos quatro vezes campeões da categoria. A equipe era a mesma e jogava por música.”
Na 3ª rodada do returno do campeonato carioca de 1948, no dia 17 de outubro, em Conselheiro Galvão, o Botafogo venceu o Madureira por 2 a 0 gols de Braguinha e Otávio. O goleador botafoguense leva perigo para o goleiro Milton.
Pesquisa: Rui Moura, blogue Mundo Botafogo
Origem: ABI (Associação Brasileira de Imprensa), entrevista de José Rezende, 11/11/2009
Quando chegamos, Otávio foi logo dizendo: “Entre, aqui tem muitas histórias para serem contadas”. Otávio Sérgio da Costa Moraes nos recebeu em seu apartamento na Rua Francisco Sá, em Copacabana, no dia 3 de março de 2004.Foram quatro horas de bom papo, belas recordações e muita emoção pela lembrança dos amigos que não se encontravam mais entre nós. Cinco anos se passaram e agora as saudades são do próprio Otávio. Ele nos deixou no dia 21 de outubro de 2009:
“Na minha infância já tinha uma grande ligação com o futebol, porque meu pai jogava no Paysandu. Ele foi fundador e jogou na primeira representação do clube no campeonato paraense. Na minha vida toda de garotinho, eu assistia os meus tios e o meu pai jogando futebol na rua. Nunca os vi jogar num campo, a não ser meu pai. Minha mãe também tinha irmãos. Era muita gente jogando bola. Eu fiquei apaixonado pela bola igual a eles.”
As lembranças da infância
“Vim com meu pai para o Rio de Janeiro em 1931 com oito anos. Nós íamos para a praia do Flamengo e o velho adorava jogar bola. Era uma bola de borracha e ficávamos jogando um para o outro. Freqüentando a praia comecei a jogar na areia. Na praia tinham uns rapazes que após o expediente começavam uma pelada às 5 horas da tarde. No verão a pelada ia até mais tarde Eu era garotinho, com 14 anos, peruando um lugar. Eles não me deixavam jogar, porque eram rapazes de 23 anos. Uns eram jornaleiros, outros motorneiros. Naquele tempo os bondes tinham uma garagem no Largo do Machado. Depois eu entrei nessa e iniciei jogando bola na areia.
Minha família, posteriormente, se mudou para Copacabana e fiquei internado no Colégio Saleciano Santa Rosa. O colégio possuía cinco campos e não fiz outra coisa a não ser assistir aula e jogar bola.”
O primeiro time e a comparação com Romeu
“Meu primeiro time foi o Boca Juniors que era dos rapazes do Largo do Machado. O time era organizado e a camisa era igual a do Boca, amarelo e azul. Jogávamos pelos subúrbios contra times de ruas da Tijuca e de outros lugares. Eles achavam que eu era um garotinho que fazia gol e me levavam. Eu chegava lá, fazia os gols e eles adoravam. Nessa época, eu já estudava no Santo Antônio Maria Zacarias, no Catete. O time do colégio era muito bom e no campeonato colegial, no campo do Flamengo, nós fomos campeões. No dia seguinte, o Globo Esportivo publicou minha foto com a seguinte legenda: “Otávio, o futuro Romeu das nossas canchas”. Primeiro, eu não jogava o futebol fantástico do Romeu; segundo, Romeu era armador e eu um finalizador. Para mim era um elogio”.
O início da carreira foi no time amador de Fluminense, em 1942. Otávio é o sexto a partir da esquerda.
Das Laranjeiras para General Severiano
O garoto revelação do futebol de praia, dos torneios nos subúrbios e do bom time do colégio passa a jogar num grande clube:
“Eu vivia no Fluminense como escoteiro, jogando bola também. Um dia me chamaram para jogar nos juvenis. Não era minha vontade. Eu queria jogar descalço na areia. Eu era peladeiro, queria jogar pelada. No Fluminense, passei para o time amador. Nessa categoria não tinha idade. Muitos profissionais quando paravam de jogar, iam para o amador. O Nascimento, reserva do Batatais, foi nosso goleiro. Depois de uma partida à noite, no campo do Fluminense, o Kanela e o Chico Barbastéfano, da Casa da Borracha, me chamaram para o Botafogo. O Botafogo era campeão e possuía um time fantástico. Falei com o Kanela que não tinha vaga para mim. Ele me disse que alguns estavam se formando em Direito, entre eles o José Américo, filho do José Américo, Governador da Paraíba, e não iam mais jogar futebol. O Togo que era uma figura extraordinária, antes de se despedir, virou-se para mim e disse: “Você vai receber um conto e oitocentos para jogar”. O que você falou? Respondi. Ele repetiu: “Um conto e oitocentos por mês”. Era uma fortuna. Perguntei: por que você não falou isso antes? Ele falou: “Porque a melhor notícia tem que ser dada no final. Lá todo mundo recebe. Nós jogamos um futebol profissional. Só não pagamos ao Paulinho Tovar.” Ele era a estrela do time e eu já sabia que o pai dele, o Dr. Tovar, Procurador-Geral da República, era contra o profissionalismo. O filho dele não ia receber nunca. O Paulinho pouco se importava, ele queria é jogar bola”.
Otávio no time do Botafogo bicampeão carioca de amadores de 1943: em pé, Alfredo, Rui, Dunga, Boliviano, Hélio e Cid; agachados, Zé Américo, Otávio, Augustinho, Tovar e René. O alvinegro foi tricampeão e Otávio liderou a artilharia dos campeonatos de 43 com 18 gols e de 44 com 22 gols.
A liderança de Kanela
Otávio conviveu diretamente com Togo Renan Soares, o popular Kanela, e nos fala sobre essa figura polêmica e carismática, que se tornou o maior técnico na história do basquete brasileiro e, também, vitorioso no futebol:
“O Kanela foi um extraordinário treinador de futebol e de basquete. Ele sabia como puxar de dentro de você a vontade de ganhar que todo mundo tem. Mas, tem umas ocasiões que você está bem marcado, não consegue se mexer, o cara é melhor do que você. Batalha, batalha e não consegue nada. Você começa a ter certo desânimo e chega à conclusão que aquele não é o seu jogo. O Kanela era capaz de despertar a tua vontade de ganhar. Cada um ele tratava de modo diferente, o que é essencial num treinador. A mim, só notei muito depois, ele conseguia me irritar. Piadinhas no vestiário. No vestiário dizia: “Você não ganha uma daquele negão”. Eu no cantão zangado comigo mesmo e ele vinha: ”Quer sair?” Como eu quero sair. Ele prosseguia: “Você pegou o negão e não está conseguindo ganhar uma. Talvez, você queira fugir da raia e deixar o negão ir pra casa, dizendo que não deixou você andar”. Eu já meio irritado desabafava: eu não quero nada cara, quero voltar para o segundo tempo e arrebentar esse negão, você, todos juntos. Você ficava contra ele e jogava contra ele. E jogando contra ele, o melhor que você podia fazer era fazer três gols em cima do negão, depois chegar ao vestiário e dizer: viu cara, você encheu meu saco no vestiário e agora fica aí batendo palmas que nem um babaca. Ele respondia: “Pois é, eu fico batendo palmas que nem um babaca e você fica que nem um babaca quarenta e cinco minutos sem passar pelo negão, que não era tão difícil como você pensava”. Kanela tinha razão.
Os títulos de amador, que era “marrom”, foram muitos. O Botafogo foi tricampeão. Eu não fui tricampeão, porque quando entrei o time já tinha sido campeão antes. Quando acabou a divisão de amadores, entraram os aspirantes e fomos quatro vezes campeões da categoria. A equipe era a mesma e jogava por música.”
Na 3ª rodada do returno do campeonato carioca de 1948, no dia 17 de outubro, em Conselheiro Galvão, o Botafogo venceu o Madureira por 2 a 0 gols de Braguinha e Otávio. O goleador botafoguense leva perigo para o goleiro Milton.
Pesquisa: Rui Moura, blogue Mundo Botafogo
Origem: ABI (Associação Brasileira de Imprensa), entrevista de José Rezende, 11/11/2009
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