segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ela é Botafogo


– PC ou Mac?
– PC.
– Doce ou salgado?
– Doce.
– Praia ou serra?
– Serra. Não, praia. Ah, sei lá… viajar.
– Vasco ou Flamengo?
– Vasco ou Flamengo??? Como assim Vasco ou Flamengo? Só existe a PORRA desses dois times no Rio???

Foi com essa gafe que eu, apaixonado e tentando conquistá-la, fiquei sabendo que minha Lontra torcia pelo glorioso Botafogo de Futebol e Regatas. Desde então a garbosa equipe alvinegra entrou na minha vida com mais propriedade. Não que já não estivesse. O primeiro jogo de futebol que eu assisti no Maracanã foi uma derrota de 2×0 do meu Fortaleza para o Botafogo. E justamente há 18 anos, no dia 21 de junho (*) de 1989, o Botafogo se tornaria meu segundo time oficial no Rio, por conta da conquista do título estadual daquele ano. Mas tergiverso. Não é de mim que vim falar aqui, inclusive porque eu apenas estou de substituto hoje na coluna.

O caso de amor da Thania com o Botafogo, nem de perto, passa por qualquer momento que eu tenha tido com qualquer time. Para começar, eu tenho um amor em cada porto, como diz a Adriana Calcanhotto – um time em cada cidade. A Thania só torce para o Botafogo, assim como fazia o falecido professor Arthur Thaddeu, seu pai. Torcer para o fogão, para ela, foi natural. Nada foi imposto. Ser torcedor do Botafogo, isso sim, não é coisa para qualquer um, como já disseram o Dapieve e o Arnaldo Bloch em freqüentes crônicas nas suas colunas n’O Globo. Hoje, por exemplo, a geração da Thania, como eu citei, comemora a maioridade de um título histórico para o clube.

Ser botafoguense é como viver dentro de uma ópera, uma tragédia diuturna pintada das cores fortes do drama – que nesse caso, são o preto e branco que acompanha a melancólica estrela solitária símbolo do clube (**). O prof. Thaddeu era um torcedor apaixonado, mas não como os que conhecemos. Ele costumava ouvir os jogos em um ensurdecedor silêncio, fechado em sua biblioteca escura, acompanhado apenas de um radinho fuleragem com egoísta (***). Jogos do glorioso causavam sempre 90 minutos de uma tensão absurda no solar dos Thaddeu. E quando a família chegava a ir ao estádio, o velho professor assistia ao jogo absolutamente calado, como se seu coração estivesse para explodir a qualquer momento, o que ocorria apenas nos gols. Sua única interação era com a atenção ao espetáculo.

Não bastasse essa paixão, ainda havia a rivalidade com a família do cunhado – os primos da Thania – que eram flamenguistas doentes. Para piorar, a época em que a Thania passou a acompanhar futebol não poderia ser mais dura. Desde 1968 o Botafogo – que foi, no Brasil, o único time a rivalizar com o Santos de Pelé – não conquistava nenhum título. Pior: era um verdadeiro saco de pancadas. Exilado de sua bela sede do palacete de General Severiano, na zona sul do Rio, para um período nefasto no distante subúrbio de Marechal Hermes, a auto-estima do clube era nenhuma. A diáspora botafoguense ainda se prolongou por longuíssimos anos, passando por Niterói e Ilha do Governador, até a volta gloriosa à sua sede original e a premente possibilidade de vir a administrar um novíssimo estádio aqui no Rio. Bom, mas isso é assunto para amanhã. Retornemos à história.

Como eu dizia, entre 68 e 89, o Botafogo amargou 21 anos terríveis. Mas sua torcida, acostumada ao sofrimento, suportou de tudo. Por muito menos que isso, times tradicionais cariocas como o América e o Bangu praticamente se extingüiram. Mas não o alvinegro. A volta do Botafogo ao panteão dos campeões, contudo, não se daria com facilidade, principalmente na cabeça de seus fiéis torcedores. O campeonato de 1989 é um exemplo claro de que o botafoguense sofre mesmo diante da vitória. Naquele ano, o Botafogo – de jogadores como Paulinho Criciúma, Maurício, Mauro Galvão e Gotardo – conquistou o campeonato de forma invicta, ou seja: sem qualquer derrota. Para os botafoguenses, cada jogo ganho só conseguia trazer uma pergunta: quando virá a derrota? Mas a derrota não vinha e afinal, não veio. Na conquista do campeonato em 1989, a Thania viu seu pai chorar e interagir com a família pela primeira vez durante um jogo. Todos se abraçaram na hora do gol decisivo (foto). Ninguém que passasse na rua Arujá naquela hora teria dúvida de que ali só moravam botafoguenses.

Outra coisa que une a maioria dos botafoguenses é a superstição. As coincidências do dia 21 de junho de 89 – quando, no Maracanã sob 21º de temperatura e depois de 21 anos na fila, o gol saído aos 12 (21 ao contrário) minutos do segundo tempo, marcado de cabeça por Maurício (camisa 7 – a mística de Garrincha), após o cruzamento de Mazolinha (camisa 14… 14+7=21), encerrava a fase mais sombria da história do clube – levaram os botafoguenses à loucura. Não houve no Rio quem não se comovesse com a festa e, com exceção dos irredutíveis mulambos derrotados, não houve quem na cidade que não tivesse torcido pelo Botafogo.

O resto é história. Bicampeão em 90, vice brasileiro em 92, campeão brasileiro em 95 – com uma máquina que contava com o ídolo artilheiro Túlio, outro camisa 7 – o Botafogo voltou a empolgar torcedores, a atrair jovens, a arregimentar multidões. Nem mesmo o descenso para a série B em 2003 arrefeceu os ânimos. Naquele ano, inclusive, a torcida recrudesceu e as vitórias na segunda divisão acabaram fazendo com que os torcedores voltassem a se acostumar com elas. O prof. Thaddeu acabou falecendo antes de ver seu querido time ter que jogar na segunda divisão. Ele chegou a acompanhar do hospital os últimos jogos da péssima campanha que ocasionou rebaixamento do clube e fechou seus olhos para sempre antes de ter que ver o glorioso naquela situação. Por outro lado, nossa família renasceu com a chegada do Léo, e foi com a alegria de tê-lo por perto que vimos o time também renascer e voltar à primeira divisão. Meu filho com a Thania, óbvio, já nasceu botafoguense. Nem havia outra possibilidade.

E é a coisa mais linda ver a Thania torcendo por seu time. Por duas vezes eu estive no estádio com ela, em partidas do glorioso. Em 2002, contra o Fortaleza em Niterói, ela provou que me amava ficando comigo na minúscula torcida cearense, com camiseta do Fortaleza e tudo. Tudo era farra e, afinal, o fogão ganhou de 3×1. Mas era nítido seu desconforto, principalmente quando uma equipe de TV resolveu entrevistar os torcedores do Leão. Ela fugiu correndo. Depois me contaria que seria um grande desgosto para o pai dela vê-la paramentada daquele jeito contra o próprio time. Eu, por minha parte, retribuí a gentileza assistindo um Vasco x Botafogo na torcida alvinegra, no Maracanã. O jogo terminou empatado em 2×2, eu quase apanhei, mas isso não vem ao caso.

O caso é que talvez não haja no país uma torcida como a do Botafogo. Que sem ser apaixonada como a fiel corinthiana, sem ser aguerrida como a do Grêmio, sem ser presente como a do Atlético-MG, sem formar nações como a do Flamengo, ou defender seu clube com sangue como a do Palmeiras, é uma torcida que realmente ama – com tudo o que pode significar essa palavra, de bom e de ruim – o seu time, suas cores, sua história e sua estrela. Não à toa, Vinícius de Moraes, na música sobre sua famosa entrevista com o embaixador americano – Olhe aqui, Mr Buster – definiu o que palavras não explicam: O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?

* Também foi num 21 de junho que a seleção de 70 conquistou em definitivo, a taça Jules Rimet.
** Direto da escola Tino Marcos de jornalistas-esportivos-poetas.
*** Nem adianta procurar na Wikipédia. Pergunte ao porteiro do prédio.

21 de Junho de 2007

Fonte
http://pirao.wordpress.com/2007/06/21/ela-e-botafogo/

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