quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A primeira vez que vesti o manto glorioso

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por Luiz Sérgio Cunha
campeão desde 1957
escrito para Mundo Botafogo

O fim do ano de 1957 se aproximava e eu carregava ainda a dor da perda do meu pai, ocorrida em março de 1955.

Meu padrinho de crisma, chamado Aurélio, casado com uma irmã de minha mãe, compadre de meus pais, que eram padrinhos de batismo de sua única filha e na casa de quem fomos morar, após a morte de meu pai, dado que minha mãe era trabalhadora do lar, era flamenguista, porém simpático ao Botafogo.

Ele havia me comprado para me dar de presente de Natal, aquilo que para mim era o maior sonho: uma camisa do Botafogo.

Ocorre que por uma dessas obras do acaso, comum ao Botafogo, o time que estava desde 1948 sem ser campeão, se qualificou para a final com o Fluminense que por estar com menos um ponto perdido (naquela época a classificação era por pontos perdidos), levava a vantagem do empate.

Meu tio, em virtude do jogo ser num domingo, me chamou e me disse que tinha comprado para mim, de presente natalino, uma camisa do Botafogo na loja da Superbol e que me daria ela antecipadamente, pois iríamos no domingo ao Maracanã assistir ao Botafogo ser campeão.


Essa notícia me encheu de ansiedade e de um certo medo, pois embora tivéssemos Garrincha, Nílton Santos e Didi, eles tinham a muralha do Castilho, o xerifão Pinheiro, o incansável Telê, o velocista Escurinho e o temível artilheiro Valdo.

A noite de sábado para domingo foi longa, pois eu não conseguia pregar meus olhos infantis, sonhando com esse campeonato tão desejado.

A manhã, entretanto, chegou, e calorenta.

Logo depois da macarronada com frango, tradicional em casas de descendência italiana, fui com meu tio para o Maracanã, que distava uns dois quilómetros do prédio, que se situava no Boulevard 28 de setembro, quase esquina com a Visconde do Abaeté, onde futuramente se instalaria o hoje famoso Petisco da Vila.

Andando orgulhoso com a camisa do Botafogo, a Estrela Solitária cobria imponente o meu coração e encobria o pulsar galopante do mesmo.

Mesmo guri, escutei pelo caminho piadas dos tricolores que me diziam que ainda era tempo de trocar de time.

Pensei: coitados, não sabem e nunca vão saber a intensidade do amor pelo qual é apossado um botafoguense.

À medida que nos aproximávamos do estádio, já na rua Turf Clube, entrada para a Favela do esqueleto, assim chamada pela estrutura inacabada que servia de abrigo aos sem teto da região de Vila Isabel e que viria a ser o prédio da Universidade do estado da Guanabara, mais provocações eu escutava e mesmo com a precária sapiência de um menino de 12 anos, fiquei com a certeza que a humildade ia prevalecer sobre a soberba do auto-intitulado detentor da Taça Olímpica.

Do meu lado, meu tio sorria e me falou: "não se incomode que o Garrincha vai acabar com eles".


Subida da rampa com cada torcida tomando um lado da mesma na direção correta da arquibancada, que no Maracanã sempre foi pré-estipulada para cada torcida, notei que havia mais tricolores do que alvinegros.

Um deles, ao me ver com a camisa estrelada, me disse: "garoto, nós chamamos o título de campeão de você e vocês, botafoguenses, de Vossa Majestade. Está perdendo o seu tempo e teria sido melhor ter ficado em casa."

Insolentemente, revidei o insulto: "o Garrincha vai acabar com vocês."

E lá fui eu subindo agora a pequena rampa de acesso aos degraus da arquibancada, do lado esquerdo das tribunas, se a memória não me falha.

Meus olhos encontraram um mar de bandeiras alvinegras e meu coração aos pulos, me deu a certeza que estava em casa. Aquele era o meu povo.

Os times adentram no gramado, o Fluminense com seu uniforme branco e o Botafogo com o seu tradicional de listas verticais em preto e branco.

Meus olhos estão direcionados àquela figura plasticamente disforme, mas que eu tanto já assistira e reparei as suas pernas tortas, percebendo que era nelas que estavam depositadas todas as minhas esperanças.

O jogo se inicia e logo Garrincha é acionado e faz boa jogada e meu tio me diz: "já começou a fazer arte". - E me sorriu.


De repente, e eu não vi muito bem, vejo uma explosão à minha frente, pois Paulinho, como lhe chamávamos, abriu o marcador, mas eu estava ainda com os olhos no Garrincha e perdi o lance do gol.

Fiquei na minha, pois achei que se comemorasse, poderia dar azar.

Mais um pouco e novamente Paulinho volta a marcara, mas novamente não vi o gol direito, pois estava hipnotizado na visão do Garrincha.

Agora eu tinha mais um ídolo, Paulinho Valentim, e nesse transcorrer de olhar de Garrincha para Paulinho, pude, enfim, assistir ao jogo e não ficar de olhar fixo somente no Garrincha.

Eis que desce o meu segundo ídolo, Nílton Santos pela esquerda e faz um cruzamento para o Paulinho, e este, de bicicleta, manda a bola no ângulo direito do Castilho, que impotente só fica olhando.


Dessa vez subi com a massa e abracei meu tio e lhe disse "muito obrigado".

Estava tão nervoso que no intervalo nem quis a oferta do meu tio por um Kalu, sorvete de abacaxi da Kibon, que eu adorava. Também não quis pipoca, nem biscoito de rosca Globo, nem limãozinho ou mate, e meu tio tomou um cafézinho do pucará, para fumar seu cigarro.

Começa o segundo tempo e minha preocupação retorna, pois Escurinho diminuiu.

Tenso, assisti Paulinho invadir a área, deixar Pinheiro sentado e fazer o quarto gol.

Aí notei que aquela estrela branca no meu peito criou vida e começou a flamejar raios prateados.

E o ídolo mor, Garrincha, faz o quinto gol.

Meu tio sorria e me dizia que o campeonato estava ganho e que a dúvida agora era quem seria o artilheiro do campeonato, pois com quatro gols, Paulinho tinha passado à frente do Valdo.

E Paulinho faz seu quinto gol e o sexto do Botafogo, mais ou menos no meio do segundo tempo.


A arquibancada é uma festa em preto e branco, e do lado tricolor,a debandada é geral, e poucos assistiram ao gol do Valdo, mas que não lhe foi suficiente para se igualar ao Paulinho, o artilheiro do campeonato.

Jogo encerrado e meu tio me falou: "vamos assistir à volta olímpica", e me apontou um senhor magro de camisa branca, sendo carregado nos ombros dos torcedores que invadiram o gramado, para minha inveja, que gostaria de estar lá também. “Aquele lá é o João Saldanha”, me disse o meu tio. “O treinador do time e o grande responsável por esse título”.


A descida da rampa foi um carnaval e parecia que eu estava num bloco carnavalesco e as pessoas parecia que tinham cheirado lança perfume, tal o estado de euforia em que se encontravam.

Foram dois quilómetros que se tornaram inesquecíveis para mim, pois todos me reverenciavam e me davam parabéns, e percebi que a cidade queria o Botafogo campeão.

A estrela no meu peito latejava com as batidas do meu coração.


Foi a primeira vez que eu vesti a camisa do Botafogo e até hoje me lembro dessa tarde com detalhes, em que pese já terem se passado 53 anos.

Eu fecho os olhos e ainda vejo o momento mágico daquele gol de bicicleta!!!

Há momentos na vida que a ação do tempo é impotente para desgravar, e essa tarde foi uma delas.

A única tristeza no meio dessa alegria imensa, foi perceber que meu pai, botafoguense apaixonado, não estava também do meu lado, para juntos curtirmos aquele que foi, para mim, o maior título que presenciei do Botafogo.

3 comentários:

Lorismario disse...

LSCunha. Este jogo foi inesquecível para mim. Morava na roça, no interior do Esp. Santo e com medo de perder o campeonato fiquei em um campinho de futebol ao lado da nossa casa-venda. Minha mãe ouvia o jogo e chegava à janela para dizer "gol do Botafogo" e falava o autor. Eu passei o jogo todo esperando um gol do Quarentinha que não veio. Eu tinha 9 anos e quatro de Botafogo. Jogo inesquecível

Anónimo disse...

Eu não era nascido em 1957, mas como
em uma maquina do tempo, lendo esse
belo relato me senti lá.
Obrigado por ter compartilhado esses
fantasticos momentos.
Saudações alvi-negras.
Cesar Jauhar.

Ruy Moura disse...

Meus amigos, cá por mim estive lá, embora ainda não fosse botafoguense. Eu acho que estivemos todos lá. E permitam-me dizer que acho que depois de 1910 foi o título mais extraordinário do Botafogo. Os outros dois caricas notáveis foram, em minha opinião, 1968 e 1989.

O nosso querido amigo LSCunha agradece com certeza as vossas mensagens.

Abraços Gloriosos!

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