por Albino Castro Filho
22 de março de 1975
[Nota do
Mundo Botafogo: Discordo de alguns excertos do texto do autor, mas considero
que, no essencial, vale a pena os leitores ‘lerem’ o Botafogo de 1975, já sem
os grandes craques dos times de 1960-70 e à beira de perder o casarão. Se o
autor deste texto adivinhasse essa perda, então certamente daria o Botafogo
como clube condenadíssimo. O que prova que ele conhecia muito mal a torcida
mais Gloriosa do Brasil…]
Os
botafoguenses costumam dizer que o Botafogo não é um clube como outro qualquer.
E eles têm lá as suas razões. A começar pelos próprios botafoguenses. Quem é o
botafoguense? O Flamengo é o clube do povo, de maior torcida, o Vasco é o time
da colônia portuguesa –, e segundo alguns, o verdadeiro clube de massas – o
Fluminense é dos grã-finos, o América, da classe média tijucana. E o Botafogo,
quem torce pelo Botafogo?
Diziam que o
Botafogo era o time dos 18 torcedores. Mas esses 18 triplicaram, triplicaram e
hoje o clube já tem uma razoável torcida. Uns dizem, com uma forte pitada de
ironia, que “o Botafogo é o clube das elites intelectuais”. Ou ainda, “o time
dos cineastas”. Outros mais debochados preferem reduzir o clube ao “time dos
críticos de cinema”. Há quem sustente que é o “clube da juventude”. Juventude?
Nem tanto.
O Botafogo
inegavelmente é controvertido.
Foi o único
clube que pôde se dar ao luxo de recusar Leônidas da Silva, em 1935, quando o Diamante Negro já era considerado o
maior jogador do Brasil. Recusar porquê? Porque ele era negro. E Leônidas
acabou indo quase de graça para o Flamengo. Aliás, o Botafogo foi o último time
carioca a deixar um negro vestir sua camisa, muito depois, inclusive, do
Fluminense, acusado sempre de elitista, o que não é mentira.
[Nota do
Mundo Botafogo: A verdade da saída de Leônidas da Silva prende-se com o
amadorismo / profissionalismo, porque todos sabem que o Botafogo foi o último
grande clube carioca a ceder ao profissionalismo. O nosso clube foi o 2º do
Brasil, após o Bangu, a integrar nas suas fileiras um negro – Paulinho – que
foi campeão carioca de 2ºs quadros em 1906 e do qual existe foto do time todo,
já publicada pelo Mundo Botafogo, pelo que não se entende esta continuada
ignorância acerca de acontecimentos marcantes do futebol brasileiro. Esse
título de 2ºs quadros foi o 1º título de todos do futebol carioca e o Botafogo
ganhou-o com um negro nos seus quadros!]
Até aparecer
um homem chamado Carlito Rocha, era um clube muito preocupado com os salões da
sua sede em estilo arquitetônico indefinido do que com o futebol, embora tenha
sido um dos primeiros a praticar este esporte no Rio. O Botafogo defendeu o
amadorismo com unhas e dentes até 35. Aí desistiu e aderiu ao profissionalismo.
O futebol do
Botafogo era coisa de gente fina, de um Mimi Sodré, descendente de Lauro Sodré,
um Nilo Murtinho Braga, morto recentemente, e de um Carvalho Leite.
Mas um dia
Carlito Rocha, homem supersticioso ao extremo, transformou a imagem do clube,
popularizando ao máximo o comportamento do Botafogo, inclusive passando a usar
o candomblé, a mandinga, a partir da década de 40, como uma importante arma.
Heleno de Freitas, rapaz vindo da classe média rural de Minas Gerais, passou a
ser o símbolo do novo Botafogo, um ingrediente demasiadamente picante para o
paladar dos velhos e requintados sócios do clube. Heleno era um dos integrantes
do grupo da Praia de Copacabana, que ficou conhecido como Os Cafajestes. As
famílias tradicionais que frequentavam o Botafogo não podiam concordar com
tamanha liberalidade de Carlito Rocha.
O Botafogo
ficou conhecido como o clube dos cafajestes. Heleno, brigão e metido a valente,
quebrava a cara do primeiro que desrespeitasse o nome do time. Heleno encarnava
o amor que Carlito Rocha achava que um jogador tinha que ter pela estrela
solitária, a paixão e garra necessárias para tornar o Botafogo popular, com
muitos torcedores. Era um homem de gestos finos, elegante e relativamente culto
em relação a seus companheiros de profissão, possuindo o diploma de advogado e
ostentando orgulhosamente um enorme anel de doutor no dedo. Heleno, no máximo,
era um filhinho de papai metido a popularucho.
[Nota do
Mundo Botafogo: Ajuizamento sobre Heleno que me parece despropositado.]
Heleno não
conseguiu tornar o Botafogo um time de torcida e ainda despertou a ira dos
outros torcedores contra o clube, pela sua arrogância em campo e a falta de
respeito a seus próprios companheiros. O clube não ganhou nenhum título durante
os anos em que ele vestiu sua camisa. Em 48, quando foi vendido por uma fortuna
ao Boca Juniors, de Buenos Aires, o Botafogo, com um punhado de novatos (como
Nilton Santos) e velhos (como Silvio Pirilo, dispensado do Flamengo), conseguiu
finalmente o tão sonhado primeiro título no profissionalismo. Foi campeão
carioca derrotando no jogo final, no seu estádio da rua General Severiano, o
então poderoso Vasco, por 3 a 1.
Após o
título de 48, o Botafogo voltou a viver anos difíceis, com um time medíocre,
onde o talento de Nilton Santos quase desapareceu. Em meados da década de 50, a
transformação: foram chegando caras novas e o Botafogo ressurgiu. Primeiro,
Garrincha, que foi parar ao clube depois de rejeitado por quase todos os times
grandes do Rio. Mais tarde, Quarentinha, do Vitória da Bahia, Paulinho
Valentim, do Atlético Mineiro, Didi, do Fluminense, e outros. Nove anos depois
do seu primeiro título profissional, o Botafogo foi campeão carioca, numa
célebre partida decisiva em que venceu o Fluminense, tido como favorito na véspera,
por 6 a 2. A partir daí o clube começou a viver o seu maravilhoso ciclo.
O Botafogo,
dos Sodré e do excêntrico e genial Heleno de Freitas, se transformou no
supertime carioca, o clube que todos gostavam de ver jogar, porque era
extraordinário o talento de seus jogadores, mas que, ao mesmo tempo, despertava
raiva dos torcedores dos demais times, impotentes diante do poderoso conjunto,
onde um Garrincha podia arrasar uma defesa adversária em questão de segundo.
Carlito
Rocha, bastante idoso, já não podia andar se metendo muito no clube e suas
famosas gemadas, que dava aos jogadores antes das partidas, também deixaram de
surtir efeito. O time era bom demais. Nenhum adversário resistia. Prá quê então
a gemada? Assim, comentavam ironicamente os botafoguenses, os campeonatos
perderiam a graça, pois o clube ganharia todos.
Heleno de
Freitas foi o primeiro jogador “tipicamente do Botafogo”. Depois, Nilton
Santos, Garrincha, Didi, Quarentinha, Paulinho Valentim, Manga, Amarildo,
Zagalo, Gérson, Roberto, Jairzinho, Paulo César, Rogério, Zequinha e agora
Marinho. Todos craques e, acima de tudo, craques do Botafogo. São jogadores que
já atuaram ou atuam, em outros clubes, mas dificilmente qualquer torcedor
consegue vê-los sem a camisa listrada preta e branca e uma estrela solitária ao
peito. Com eles o clube sempre manteve um relacionamento estranho, passional. E
vice-versa.
Há até quem
compare o relacionamento entre esses jogadores e o Botafogo com um casal que às
vezes é capaz dos maiores escândalos em público, briga e discute todas as
noites, mas, ao mesmo tempo, os dois se amam bastante e vivem uma paixão
turbulenta. Um não consegue viver sem o outro. O mesmo acontece entre o
Botafogo e seus “jogadores típicos”, Nilton Santos, por exemplo, jamais se
separou do clube e, apesar de discutir muito antes das renovações, acabava
ficando. Mas a maioria trocou de time e o clube sempre fez ótimos negócios com
as suas vendas: Didi (ao Real Madrid e depois ao Sporting Cristal, do Peru),
Paulinho Valentim (ao Boca Juniors), Manga (ao Nacional, do Uruguai), Amarildo
(ao Milan), Gérson (ao São Paulo), Jairzinho (ao Olympique de Marselha), Paulo
César (ao Flamengo) e Zequinha (ao Grêmio de Porto Alegre).
As
renovações contratuais de todos eles sempre foram problemáticas e representam
um importante capítulo na história folclórica do clube. Os contratos de
Garrincha às vezes levavam semanas para serem renovados e geralmente era
preciso a intervenção de um amigo. Mas Garrincha não enriqueceu com o futebol,
o que não aconteceu com Gérson, Jairzinho e Paulo César, que sempre souberam
tirar partido das suas condições de ídolos.
Zagalo,
atual técnico, também foi “jogador do Botafogo”, apesar de ter iniciado nos
juvenis do América e jogado durante anos como titular do Flamengo. Mas não
tinha a mesma arrogância dos seus companheiros ou mesmo o talento dos melhores
jogadores do clube. Zagalo venceu pela persistência e, segundo muitos,
subserviência aos dirigentes.
Marinho, o
último “craque botafoguense”, é outro exemplo de jogador que encarna todo o
espírito do clube. Chegou em 1972 do Recife, onde tinha aparecido rapidamente
no Náutico. Treinou, jogou e virou ídolo. Agora é tido como o melhor jogador
brasileiro. Em General Severiano, logo ficou amigo dos jornalistas e dos velhos
personagens do clube, como o roupeiro Neném Prancha, lendária figura das areias
de Copacabana, ao qual atribuem frases famosas do tipo. “pênalti é tão importante que deveria ser cobrado pelo próprio
presidente do clube” e “se
concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia uma partida”,
entre outras. A sua ingenuidade, de menino assustado com a “cidade grande e
sedutora, além de muito dinheiro no bolso, logo o transformou num rapaz “cheio
de colares e balangandãs, roupas do gênero hippie, cabelos oxigenados nas
pontas e um carrão, com um potente toca-fitas, onde as músicas do cantor
Agnaldo Timóteo (torcedor doente do clube) estão sempre presentes.
Como
Garrincha e Manga, Marinho é um menino capaz de aparecer no Aeroporto do Galeão
no dia que embarcou para tentar acertar sua venda para o Schalke 04, da
Alemanha Ocidental, acompanhado de um exótico amigo conhecido por Cabeção, um
tipo nordestino, com a camisa aberta e jeitão de matuto.
- Vou
visitar meus primos na Alemanha – dizia Marinho, enquanto dava tapinhas nos
rostos dos jornalistas.
Mas é da
perda desses ingênuos ídolos ou estrelas – do tipo Jairzinho, Paulo César, Didi
e Gérson – que o Botafogo mais se ressente. O clube nos últimos tempos viveu do
futebol deles. É um time que precisa de craques geniais, pois os torcedortes
cariocas continuam preferindo Flamengo, Fluminense e Vasco na hora de escolher
um time.
Nilton
Santos disse recentemente, na porta de sua loja de artigos esportivos, na Rua
Voluntários da Pátria, que tem muito medo do destino do seu clube por causa do
desaparecimento dos grandes nomes.
- Meu maior
receio é que o Botafogo vire um Bangu. Até já disse para uns amigos: na
televisão preto-e-branco, quando passa o vídeo-tape do Bangu fico sem saber se
é a rapaziada de Moça Bonita ou o meu Botafogo. Na teve preto-e-branco fica
tudo igual. Tudo japonês.
O
envolvimento passional que o clube tem com seus ídolos poderá levar o Botafogo
à ruína? Parece que não. Os melhores tempos em General Severiano são aqueles em
que há três ou quatro vedetes com problemas (um sem contrato, outro querendo se
desquitar da mulher, um terceiro sem falar com o treinador e um quarto tentando
renovar o contrato que só vencerá dentro de mais um ano, por estar com muitas
dívidas) e quando tudo parece irremediavelmente confuso.
Mas o
Botafogo de jogadores maravilhosos, de muitas excursões vitoriosas e que
acumulou diversos títulos ao longo da década de 60, está cada vez mais
distante. O clube vive uma terrível crise existencial. Não há dinheiro para
comprar novos ídolos e com muita dificuldade consegue segurar um Marinho. E,
para completar, já não surgem juvenis em General Severiano, como um Jairzinho
ou Roberto.
O Botafogo
conseguirá sobreviver sem grandes ídolos? Será uma missão provavelmente
impossível para um clube que, apesar de tudo que conquistou, ainda não se
tornou popular.
4 comentários:
Rui. Algumas neuroses são completamente adaptativas. Como os workoolicos anônimos, por exemplo. E já que o texto foi escrito em 1975, bem que alguem, que conhcesse muito bem a história do Botafogo poderia escrever uma continuação de 1976 até 2014. O título seria "E a neurose continua: etapa de 1976 até 2014." Não poderá faltar a "bundada" do Bruno na cavadinha do Loco Abreu. A FlaPress ficará muito furiosa. Assim é a vida. Tudo muda a todo instante. Loris
Jamais me esquecerei da 'bundada' de 2010. E eu que estive para ir ao Rio assistir ao jogo... Só não o fiz porque acreditei que a arbitragem não ia deixar passar essa oportunidade para 'oferecer' o tetra ao flamengo. Enganei-me. Arrependido estou de não ter ido.
Abraços Gloriosos!
Rui,
Terá sido um framenguista quem escreveu esse texto?
De Botafogo, esse não entende (entendia?) nada.
Saudações Gloriosas!
Confesso que não sei qual é o time para o qual ele torce, mas esse texto foi escrito aos 28 anos. Hoje ele é um importante jornalista desportivo.
Abraços Gloriosos!
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