JUCA FERREIRA, 03.08.2015
Sociólogo, ministro
de estado da cultura do Brasil
Convoquemos a todos
para a montagem de uma estratégia planetária para a língua portuguesa.
O século XXI começou desafiando a todos nós
falantes da língua portuguesa. Está a nos exigir um protagonismo de grandes
proporções. Hoje, há uma expressiva presença de nosso idioma em todos os
continentes, presença que não para de crescer e tomar maiores dimensões planetárias.
Compomos um universo
de falantes que supera o de línguas muito mais tradicionais no mundo da cultura
e dos negócios. Somos mais falados do que o italiano e o alemão. O francês nos
supera apenas quanto ao número de falantes não nativos. Juntos, estamos entre
as cinco maiores economias do planeta.
A nossa língua está a
nos exigir uma afirmação global, a nos cobrar uma responsabilidade para com
ela. Impressiona-me que não tenhamos uma política comum a todos os países que
falam o português. Quem há-de negar que precisamos definir uma grande
estratégia cultural de presença no mundo que abranja todo o nosso território
linguístico?
Quem há-de subestimar
a importância da língua? É grande a sua dimensão social, política, econômica e
geopolítica. Ela é muito mais que uma ferramenta de comunicação. Nela, não
estão armazenados apenas conhecimentos e informações. A língua é a cultura que
ela produz. É ela quem nos dá os sentidos. É o universo desenhado por ela que
nos referencia e nos singulariza. A língua gera coesão, nos fortalece no mundo
globalizado, “é a casa onde a gente mora”. Nela, se deposita know how,
tecnologia. Língua também é economia.
Não subestimemos o
assunto. Ele é sério. Estamos diante de uma questão de afirmação da qual não
podemos nos furtar. Por meio de nossa cultura podemos afirmar uma visão de
mundo, um modo de vida, projetos de civilização fundados em estratégias
generosas e abrangentes. Estou convencido de que podemos ser portadores de uma
mensagem planetária singular.
No mundo globalizado
em que vivemos, nunca houve tantas trocas de ideias, de discurso, de palavras,
entre todos os falantes de língua portuguesa - nunca houve tanto conhecimento e
reconhecimento mútuo.
O português de
Portugal, o português que emerge nos países africanos e a língua que é falada
no Brasil formam um só idioma. Não tenho dúvidas que uma ortografia comum, como
parte de uma maior interação cultural, nos dará a grandeza e dimensão que
nossos artistas e escritores projetam.
É claro que
precisamos de uma ortografia uniformizada. É insensato não crer na necessidade
de um acordo ortográfico. Possíveis erros de condução não diminuem sua
importância, e o que representa para o fortalecimento da língua no contexto
global. A diversidade e a riqueza de um português que floresce em vários cantos
do planeta, e que a enriquece, sem uma escrita comum podem vir a comprometer a
sua unidade.
Precisamos dar novos
passos para a consolidação de uma comunidade de língua portuguesa, compartilhar
nosso universo cultural num grau e proporção ainda não experimentado.
Precisamos fortalecer ações de colaboração e integração mútua rumo a uma maior
projeção global.
Convoquemos a todos
para a montagem de um estratégia planetária para a língua portuguesa.
Convoquemos aqueles que com ela criam, tendo-a como matéria prima, aqueles que
a mantém viva, que a recriam diariamente e que expressam seus falares.
Convoquemos os
poetas, os escritores, os artistas, os jornalistas, os cronistas, os
tradutores, os editores, os professores, os filólogos, os intelectuais, os sociolinguistas,
os midialivristas, os críticos literários e, também, os normatizadores.
Precisamos de todos, inclusive dos estados nacionais.
Pensemos a língua em
suas várias dimensões. Consolidemos um universo cultural comum, não apenas em
suas expressões literárias e poéticas, mas também na música, no teatro, no
cinema, no pensamento; e em suas inserções na internet, no rádio, no
jornalismo, na TV, etc. Pensemos globalmente.
Não podemos, enfim,
simplificar o assunto, reduzindo-o a uma questão puramente técnica. Não podemos
desconectar a uniformização da ortografia de um contexto cultural mais amplo que
diga respeito toda a comunidade lusófona.
2 comentários:
Rui,
Acho muito interessante o texto do ministro.
Devemos valorizar a nossa Língua Portuguesa, que nos identifica não só pela expressão vocal, mas também cultural, social, entre outras. É uma forma de nos impor, uma política afirmativa, essa tentativa de universalizar e difundir a Língua Portuguesa. Acho-a mais rica que o Inglês, por exemplo.
Embora nunca tenha sido um estudioso da nossa Língua, contudo, acho que uniformizar o idioma, como o que ocorreu com a última reforma ortográfica, simplifica, ou, pelo menos, diminui a exuberância da diversidade do Português. Entendo como algo parecido com o fenômeno da globalização, que restringe e diminui, entre outras coisas, a diversidade cultural dos países satélites.
Acho eu que uma das características mais interessantes do Português, e que o mantém vivo, é a sua diversidade, é o modo peculiar como é falado e escrito em cada país em que predomina.
Porém, tudo isso é só a opinião de um leigo...
Saudações Gloriosas!
Eu creio que a vida exuberante do Português se deve a ser uma língua riquíssima do ponto de vista gramatical e do ponto de vista de vocabulário. Veja que a língua inglesa é uma das mais pobres do mundo, com muitíssimo menos vocabulário do que nós e gramaticalmente primária. A minha filha, que vive em Londres, está meio saturada de ouvir diariamente sempre as mesmas palavras, sempre a mesma redundância, sempre a mesma repetição. Até parece linguagem de cathartiformes...
A grande diferença entre como se escreve no Brasil e como se escreve em Portugal e África radica em que o Brasil evoluiu na semântica linguística vivendo em democracia e em Portugal e África o ditador português travou essa evolução entre 1926 e 1974. 48 anos de mentalidade pequena, provinciana e fascista. Se ler os jornais portugueses e brasileiros de 1910 verificará que a escrita era igual. Em Portugal, como no Brasil, escrevia-se, por exemplo, «êlle», em vez de «ele»... Todavia, se for ler os textos eruditos dos docentes das universidades brasileiras, que usam o conteúdo mais rico da nossa língua, verificará, ainda hoje, que as diferenças são absolutamente mínimas.
Note que o texto que eu escrevi em português europeu foi elaborado com as mesmas palavras do português brasileiro... A uniformização, desde que seja respeitadora de algumas diferenças de vocabulário, pode desenvolver-se até certo ponto, com vantagens e sem acarretas prejuízos a nenhum dos povos envolvidos.
Abraços Gloriosos.
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