quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A língua portuguesa e o século XXI

JUCA FERREIRA, 03.08.2015
Sociólogo, ministro de estado da cultura do Brasil

Convoquemos a todos para a montagem de uma estratégia planetária para a língua portuguesa.

O século XXI começou desafiando a todos nós falantes da língua portuguesa. Está a nos exigir um protagonismo de grandes proporções. Hoje, há uma expressiva presença de nosso idioma em todos os continentes, presença que não para de crescer e tomar maiores dimensões planetárias.

Compomos um universo de falantes que supera o de línguas muito mais tradicionais no mundo da cultura e dos negócios. Somos mais falados do que o italiano e o alemão. O francês nos supera apenas quanto ao número de falantes não nativos. Juntos, estamos entre as cinco maiores economias do planeta.

A nossa língua está a nos exigir uma afirmação global, a nos cobrar uma responsabilidade para com ela. Impressiona-me que não tenhamos uma política comum a todos os países que falam o português. Quem há-de negar que precisamos definir uma grande estratégia cultural de presença no mundo que abranja todo o nosso território linguístico?

Quem há-de subestimar a importância da língua? É grande a sua dimensão social, política, econômica e geopolítica. Ela é muito mais que uma ferramenta de comunicação. Nela, não estão armazenados apenas conhecimentos e informações. A língua é a cultura que ela produz. É ela quem nos dá os sentidos. É o universo desenhado por ela que nos referencia e nos singulariza. A língua gera coesão, nos fortalece no mundo globalizado, “é a casa onde a gente mora”. Nela, se deposita know how, tecnologia. Língua também é economia.

Não subestimemos o assunto. Ele é sério. Estamos diante de uma questão de afirmação da qual não podemos nos furtar. Por meio de nossa cultura podemos afirmar uma visão de mundo, um modo de vida, projetos de civilização fundados em estratégias generosas e abrangentes. Estou convencido de que podemos ser portadores de uma mensagem planetária singular.

No mundo globalizado em que vivemos, nunca houve tantas trocas de ideias, de discurso, de palavras, entre todos os falantes de língua portuguesa - nunca houve tanto conhecimento e reconhecimento mútuo.

O português de Portugal, o português que emerge nos países africanos e a língua que é falada no Brasil formam um só idioma. Não tenho dúvidas que uma ortografia comum, como parte de uma maior interação cultural, nos dará a grandeza e dimensão que nossos artistas e escritores projetam.

É claro que precisamos de uma ortografia uniformizada. É insensato não crer na necessidade de um acordo ortográfico. Possíveis erros de condução não diminuem sua importância, e o que representa para o fortalecimento da língua no contexto global. A diversidade e a riqueza de um português que floresce em vários cantos do planeta, e que a enriquece, sem uma escrita comum podem vir a comprometer a sua unidade.

Precisamos dar novos passos para a consolidação de uma comunidade de língua portuguesa, compartilhar nosso universo cultural num grau e proporção ainda não experimentado. Precisamos fortalecer ações de colaboração e integração mútua rumo a uma maior projeção global.

Convoquemos a todos para a montagem de um estratégia planetária para a língua portuguesa. Convoquemos aqueles que com ela criam, tendo-a como matéria prima, aqueles que a mantém viva, que a recriam diariamente e que expressam seus falares.

Convoquemos os poetas, os escritores, os artistas, os jornalistas, os cronistas, os tradutores, os editores, os professores, os filólogos, os intelectuais, os sociolinguistas, os midialivristas, os críticos literários e, também, os normatizadores. Precisamos de todos, inclusive dos estados nacionais.

Pensemos a língua em suas várias dimensões. Consolidemos um universo cultural comum, não apenas em suas expressões literárias e poéticas, mas também na música, no teatro, no cinema, no pensamento; e em suas inserções na internet, no rádio, no jornalismo, na TV, etc. Pensemos globalmente.

Não podemos, enfim, simplificar o assunto, reduzindo-o a uma questão puramente técnica. Não podemos desconectar a uniformização da ortografia de um contexto cultural mais amplo que diga respeito toda a comunidade lusófona.

2 comentários:

Émerson disse...

Rui,

Acho muito interessante o texto do ministro.
Devemos valorizar a nossa Língua Portuguesa, que nos identifica não só pela expressão vocal, mas também cultural, social, entre outras. É uma forma de nos impor, uma política afirmativa, essa tentativa de universalizar e difundir a Língua Portuguesa. Acho-a mais rica que o Inglês, por exemplo.
Embora nunca tenha sido um estudioso da nossa Língua, contudo, acho que uniformizar o idioma, como o que ocorreu com a última reforma ortográfica, simplifica, ou, pelo menos, diminui a exuberância da diversidade do Português. Entendo como algo parecido com o fenômeno da globalização, que restringe e diminui, entre outras coisas, a diversidade cultural dos países satélites.
Acho eu que uma das características mais interessantes do Português, e que o mantém vivo, é a sua diversidade, é o modo peculiar como é falado e escrito em cada país em que predomina.
Porém, tudo isso é só a opinião de um leigo...
Saudações Gloriosas!

Ruy Moura disse...

Eu creio que a vida exuberante do Português se deve a ser uma língua riquíssima do ponto de vista gramatical e do ponto de vista de vocabulário. Veja que a língua inglesa é uma das mais pobres do mundo, com muitíssimo menos vocabulário do que nós e gramaticalmente primária. A minha filha, que vive em Londres, está meio saturada de ouvir diariamente sempre as mesmas palavras, sempre a mesma redundância, sempre a mesma repetição. Até parece linguagem de cathartiformes...

A grande diferença entre como se escreve no Brasil e como se escreve em Portugal e África radica em que o Brasil evoluiu na semântica linguística vivendo em democracia e em Portugal e África o ditador português travou essa evolução entre 1926 e 1974. 48 anos de mentalidade pequena, provinciana e fascista. Se ler os jornais portugueses e brasileiros de 1910 verificará que a escrita era igual. Em Portugal, como no Brasil, escrevia-se, por exemplo, «êlle», em vez de «ele»... Todavia, se for ler os textos eruditos dos docentes das universidades brasileiras, que usam o conteúdo mais rico da nossa língua, verificará, ainda hoje, que as diferenças são absolutamente mínimas.

Note que o texto que eu escrevi em português europeu foi elaborado com as mesmas palavras do português brasileiro... A uniformização, desde que seja respeitadora de algumas diferenças de vocabulário, pode desenvolver-se até certo ponto, com vantagens e sem acarretas prejuízos a nenhum dos povos envolvidos.

Abraços Gloriosos.

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