por PAULO AZEREDO
presidente do
Botafogo nas décadas de 1920-1950-1960
Meio que por acaso conheci outro dia um sujeito
curioso. Digo por acaso porque não costumo frequentar os mesmos lugares desse
senhor de meio-sorriso, um sorriso tão curto quanto seu nome. Chama-se Otto.
Bebia com um amigo em comum. Era de um destilado a dose. Escocês dos bons,
envelhecido 18 anos. Homem do século 19, vivi num Rio de Janeiro à belle
èpoque, com ares de Paris. Uma Paris dos trópicos, eu diria. Por isso recusei o
scotch oferecido por João Saldanha. “Esse aqui, Otto, o Dr. Azeredo, é o
retrato mais fiel do homo botafoguensis“, disse Saldanha. Eu,
tímido, estendi a mão para aquele homem bem calvo. Otto me lembrava um pouco o
Manuel Bandeira. Cordial, mas um tanto ranzinza. Eu queria tanto ter sido
poeta, pensei em voz alta. E em voz alta declamei. “Bebi o café que eu mesmo preparei/depois
me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando… Humildemente pensando
na vida e nas mulheres que amei.” Logo logo o novo amigo se identificou comigo.
E – melhor! – me reconheceu. “O Schmidt já me falou do senhor”, revelou Otto.
“Senhor? Como se atreve a chamar alguém que declama versos de um amigo seu de
senhor?”, perguntei. “Verdade! Que importa a cerimônia quando se está entre
amigos?”, disse Otto, me dando um abraço.
Pouco fumei. Fui homem de uma única
paixão; pai precoce e um avô devotado. “Ih, olha quem vem chegando, Otto. É o
Schmidt!”, disse Saldanha. O poeta ouviu a conversa de longe. “Por falar em avô
devotado, caro Otto, o avô do doutor Paulo foi devotado. Devotado ao Botafogo.
Foi ele que agitou as coisas no governo, acho que o do Washington Luiz, para
termos o terreno de general Severiano”, disse Augusto Frederico Schmidt. Eu
achava que toda aquela conversa entediava Otto. Mas o gordo poeta continuava.
“Doutor Paulo foi nosso primeiro gandula, quando os meninos-fundadores ainda
usavam as palmeiras do largo dos Leões como balizas”. Quando o assunto era
futebolístico, a cara de pouco interesse permanecia. Até que tive uma idéia.
“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? O que eu vejo
o beco!” É onde estamos, caro Otto. No beco. “Doutor Paulo, costumo dizer que
sou Botafogo desativado, mesmo antes de se desativar o próprio Botafogo”, disse
o mineiro de São João del Rey, para minha surpresa. Disse a ele que não falasse
uma coisa daquelas. Citei o beco do Bandeira porque vejo um beco, mas ele tem
uma saída. E tratei de convidá-lo, ele e o Schmidt, para assistir a partida
contra o sampaio corrêa. “Ative-se, caríssimo Otto!” E lá fomos nós para frente
do canal peiperviu. Pelo começo da partida, o beco ia se afunilando. E não é
que a torcida adversária tinha comparecido em bom número???!!!
Passado alguns minutos, sentia-me cada vez mais
num beco. Temia que não houvesse saída. Um perigo ali e outro acolá, Augusto
Frederico Schmidt não parava quieto. Saldanha, o nosso grande comandante de
1957, naquela frieza de sempre. Profissional de imprensa, se acostumara a não
esboçar emoção. Ou fingia não se abalar, para melhor passar. Otto passava por
um sintoma que ela já descrevera numa crônica: a vista cansada, aquela que não
repara, a que não presta atenção. Melhor assim. Sofre-se menos. Mas o
desinteresse do nosso cronista durou até o brilho do menino Luis Henrique. O
gol fez Saldanha sorrir. Nada mais do que isso. “Dei sorte pra ele”, observou
Saldanha. Todos quiseram saber por que. “Ué, hoje, três de julho, é meu
aniversário. Mas nada de Parabéns pra Você, essa música imperialista”, foi logo
avisando. E pediu ao Tarzan, nosso manda-chuva nas arquibancadas nas décadas de
1960 e 1970, dono do bar Celeste, que servisse bebida a quem quisesse. Lá de
cima, se divertiam com os impropérios que nossa torcida dirigia aos
maranhenses. “Vai comprar ingresso pro show da Alcione”, gritavam uns. “Vá
comer arroz de cuxá”, berravam outros. Alguns, irônicos, davam vivas ao Zé
Sarney. Dali a pouco, Luis Henrique fazia o segundo gol. E comemorava com dois
companheiros no chão, simulando estar num barco. Sem que eu mesmo notasse,
correu uma lágrima do meu rosto. Meu irrequieto neto, o Cacá, que cuida dos
meninos do remo, devia estar feliz com a lembrança do 121 anos do Regatas. E a
festa do Saldanha continuou.
PS: Esse texto não é do maior presidente Botafoguense de
todos os tempos. É ficção inspirada em dados reais e da autoria de Paulo
Marcelo Sampaio (in Arquiba Botafogo),
que interpreta grandes Botafoguenses desaparecidos e lhes dá novamente vida
através da sua brilhante pena literária.
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