domingo, 9 de agosto de 2015

Meu encontro com Otto

por PAULO AZEREDO
presidente do Botafogo nas décadas de 1920-1950-1960

Meio que por acaso conheci outro dia um sujeito curioso. Digo por acaso porque não costumo frequentar os mesmos lugares desse senhor de meio-sorriso, um sorriso tão curto quanto seu nome. Chama-se Otto. Bebia com um amigo em comum. Era de um destilado a dose. Escocês dos bons, envelhecido 18 anos. Homem do século 19, vivi num Rio de Janeiro à belle èpoque, com ares de Paris. Uma Paris dos trópicos, eu diria. Por isso recusei o scotch oferecido por João Saldanha. “Esse aqui, Otto, o Dr. Azeredo, é o retrato mais fiel do homo botafoguensis“, disse Saldanha. Eu, tímido, estendi a mão para aquele homem bem calvo. Otto me lembrava um pouco o Manuel Bandeira. Cordial, mas um tanto ranzinza. Eu queria tanto ter sido poeta, pensei em voz alta. E em voz alta declamei. “Bebi o café que eu mesmo preparei/depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando… Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.” Logo logo o novo amigo se identificou comigo. E – melhor! – me reconheceu. “O Schmidt já me falou do senhor”, revelou Otto. “Senhor? Como se atreve a chamar alguém que declama versos de um amigo seu de senhor?”, perguntei. “Verdade! Que importa a cerimônia quando se está entre amigos?”, disse Otto, me dando um abraço.

Pouco fumei. Fui homem de uma única paixão; pai precoce e um avô devotado. “Ih, olha quem vem chegando, Otto. É o Schmidt!”, disse Saldanha. O poeta ouviu a conversa de longe. “Por falar em avô devotado, caro Otto, o avô do doutor Paulo foi devotado. Devotado ao Botafogo. Foi ele que agitou as coisas no governo, acho que o do Washington Luiz, para termos o terreno de general Severiano”, disse Augusto Frederico Schmidt. Eu achava que toda aquela conversa entediava Otto. Mas o gordo poeta continuava. “Doutor Paulo foi nosso primeiro gandula, quando os meninos-fundadores ainda usavam as palmeiras do largo dos Leões como balizas”. Quando o assunto era futebolístico, a cara de pouco interesse permanecia. Até que tive uma idéia. “Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? O que eu vejo o beco!” É onde estamos, caro Otto. No beco. “Doutor Paulo, costumo dizer que sou Botafogo desativado, mesmo antes de se desativar o próprio Botafogo”, disse o mineiro de São João del Rey, para minha surpresa. Disse a ele que não falasse uma coisa daquelas. Citei o beco do Bandeira porque vejo um beco, mas ele tem uma saída. E tratei de convidá-lo, ele e o Schmidt, para assistir a partida contra o sampaio corrêa. “Ative-se, caríssimo Otto!” E lá fomos nós para frente do canal peiperviu. Pelo começo da partida, o beco ia se afunilando. E não é que a torcida adversária tinha comparecido em bom número???!!!

Passado alguns minutos, sentia-me cada vez mais num beco. Temia que não houvesse saída. Um perigo ali e outro acolá, Augusto Frederico Schmidt não parava quieto. Saldanha, o nosso grande comandante de 1957, naquela frieza de sempre. Profissional de imprensa, se acostumara a não esboçar emoção. Ou fingia não se abalar, para melhor passar. Otto passava por um sintoma que ela já descrevera numa crônica: a vista cansada, aquela que não repara, a que não presta atenção. Melhor assim. Sofre-se menos. Mas o desinteresse do nosso cronista durou até o brilho do menino Luis Henrique. O gol fez Saldanha sorrir. Nada mais do que isso. “Dei sorte pra ele”, observou Saldanha. Todos quiseram saber por que. “Ué, hoje, três de julho, é meu aniversário. Mas nada de Parabéns pra Você, essa música imperialista”, foi logo avisando. E pediu ao Tarzan, nosso manda-chuva nas arquibancadas nas décadas de 1960 e 1970, dono do bar Celeste, que servisse bebida a quem quisesse. Lá de cima, se divertiam com os impropérios que nossa torcida dirigia aos maranhenses. “Vai comprar ingresso pro show da Alcione”, gritavam uns. “Vá comer arroz de cuxá”, berravam outros. Alguns, irônicos, davam vivas ao Zé Sarney. Dali a pouco, Luis Henrique fazia o segundo gol. E comemorava com dois companheiros no chão, simulando estar num barco. Sem que eu mesmo notasse, correu uma lágrima do meu rosto. Meu irrequieto neto, o Cacá, que cuida dos meninos do remo, devia estar feliz com a lembrança do 121 anos do Regatas. E a festa do Saldanha continuou.

PS: Esse texto não é do maior presidente Botafoguense de todos os tempos. É ficção inspirada em dados reais e da autoria de Paulo Marcelo Sampaio (in Arquiba Botafogo), que interpreta grandes Botafoguenses desaparecidos e lhes dá novamente vida através da sua brilhante pena literária.

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